Capítulo Onze - O Caldeirão de Clyddno Eiddyn

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(...)




– Foi-se há muito tempo, quando uma grande nuvem vinda do mais longe Norte debruçara-se dos céus a terra com o seu branco ardente, matando impetuosamente tudo que os cansados olhos do homem poderiam enxergar. Um poderoso inverno sem fim, munido da mais pura dor e miséria. Não havia solo digno a se plantar, frutos dignos a se colher ou animais a abater, pois tudo fora devorado pela assolação branca de uma feiticeira cruel. E assim durou-se por longínquas eras. – Respirara. – Certa estação, da qual não se sabe e nunca se saberá, surgira um peregrino vindo do mais longe Leste, um debilitado homem moreno a perambular entre as torrentes de neve em uma floresta imemorial a muito desconhecida do significado da mutação das estações. A verdadeira vida perdera-se e as doces almas do verde primaveril mergulharam no mais profundo sono à espera do primeiro raiar do verdadeiro sol. Lá, sozinho o homem estava e tudo que se sabia era que ele era tão vazio quanto o mundo e o gelo ardente que queimava; dele nada se podia perder, tudo havia se ido há muito tempo. Uma frágil lembrança. Uma vida sem cor.

– Logo, o estranho morreu.

Por um instante Typson viu-se arrepiado. O mundo calara-se. Sentia que cada vida ao seu redor fixava a atenção as palavras do grande homem. Passados segundos de pausa, continuou:

"Reza a lenda que este homem desfalecera perante as raízes de uma árvore e que na luta por seu último suspiro, uma bondosa criatura viera ao seu encontro. Essa era a única criação desperta entre as intensas intempéries do gelo e talvez uma das únicas a poder prevalecer diante a morte de todas outras coisas. Essa era a própria Natureza. A Mãe Terra. A Dama. O seio da vida. E por alguma razão a singela Senhora tivera compaixão pelo mortal, dedicando-se, assistindo-o mesmo a certo preço. Mas logo Ela viu que em nada podia interferir no mundo dos homens e, impossibilitada, não poderia salvá-lo pela carne e sangue; porém, em outrora, a carne e o sangue vieram Dela, havendo somente uma razão, um pedido que salvaria a vida do homem moribundo, uma lei dita em palavras e decreta nas rochas das eras."

"E assim fora-se dito na luz da aurora um cântico angelical ausente de palavras, mas composta de imensos significados."

"Que hoje tu, nobre homem, vivas e que as garras da morte se recolham à escuridão perante este feito. Que tu respires e que tu sintas o ar! Que tu caminhes na imensidão desta floresta e que tu mais uma vez saboreies o néctar da vida e que estas raízes em que repousas agasalhem-te, consumam-te tornando-vos num só viver. Que acordes, ó Grande Guardião! Que vivas, ó grande Rei Carvalho!".

– Assim o inverno desvaneceu-se para a primavera e – como reza a lenda – deste então o Rei Carvalho luta uma batalha eterna contra o inverno, onde a inevitável coroação constante entre os dois resulta nas mudanças das estações que conhecemos muito bem.

E o grande homem respirara, carregando entre os pulmões o tom da finalização e da satisfação.

– Este homem morreu nas raízes de um carvalho? – Perguntara Typson, onde durante toda a narração imaginara as imagens decorrerem-se na sua cabeça.

– Sim. – Respondera-o em um tom sábio. – Bem, portador, algumas vezes coisas acontecem sem o mínimo de planejamento; fluxos trancafiados por teias invisíveis. Alguns fios existem em função da paz, já outros trazem unicamente discórdia e caos.

– Mas, e o senhor? Acredita de fato nesta lenda?

– Existe razão em não acreditar em algo que existe?

A Jornada de um Assistente e a Esfera da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora