Capítulo Onze - O Caldeirão de Clyddno Eiddyn

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(...) Não tenhas medo, Holly; não usarei nenhuma mágica. Já não te falei que não existe isso a que chamam de "magia", mas apenas o domínio e o comando das forças existentes na Natureza?

Ela, a Feiticeira – Henry Rider Haggard






O esmaecer da dura resistência em tamanho grau combate em físico e corpo o baluarte valoroso da dor e da perda; tanto ao desespero ou tanto ao amor em que um dia o vento soprara fora de alcance, a restar somente entre os dedos a cinza da ruína do orgulho, base essa rudemente entranhada no coração do homem desde seus primórdios. Se algum dia um homem chegar a ver o desfalecer de um poderoso leão durante a plena luta por sua vida, a dor e a misericórdia por esse animal, deveras nobre e corajoso, eclodirá no peito de quem o observar, saboreando assim uma mescla de sentimentos que se definirão ao horror, ao medo, a raiva e a compaixão. Esses eram os sentimentos de Typson que temera ver crescer ao seu lado a singular ira de uma montanha arredia.

Sem mais uma palavra a dizer, o mago apenas abrira a porta à frente, deixando-a intencionalmente entreaberta após adentrar ao recinto desconhecido. Desta vez não houvera tocha alguma em auxílio pois, à medida em que o feixe de luz enlanguescia com o abrir da porta, a quente e natural luz do sol jorrava seus raios da nova ala, impossibilitando assim o enfoque de qualquer coisa que pudesse existir devido à súbita claridade.

– Retire as botas. – Sugeriu o mago ao seu lado, e assim fizera mesmo com a visão turva. Como era inefável sentir o perfume e a maciez da grama aos seus pés!

Merlino retirara suas enormes sandálias, parte de sua túnica – função semelhante ao de uma capa – e caminhara a direção de uma grande coluna escura onde logo Typson, ao se acostumar com a nova incidência de luz, identificara a colossal árvore ao centro da delimitação encíclica circundada por altas paredes de rocha. Fixo e inabalável no topo de uma característica elevação, o frondoso carvalho esparramava suas raízes ao solo a semelhante proporção que sua sombra delineava ao pico do dia. O chiar das folhas, a cor que cada verde alternava conforme a dança da brisa na larga área em particular, enchia os olhos do observador com fascínio e perguntas.

Por toda a sombra exercida pela árvore, feixes transitórios de luz iam e vinham lançando-se ao chão com a vontade do vento e das nuvens que passavam. Em algum lugar, veludados sons diminutos soavam, melodia que Typson descobriu partir de pequenos sinos pendurados em finas cordas nas frágeis galhas mais próximas ao solo.

Este era o som do silêncio. As notas musicais da quietude. O ar dos incansáveis e da serenidade plena.

Merlino caminhou até a poderosa árvore, resguardando-se na sombra, amparando-se no tronco e raízes, repousando o bordão sobre pernas esticadas, cruzando suas mãos, fechando os olhos solenemente. A sutileza caminhava junto a ele. Uma paz atenta que Typson não soube decifrar. Não parecia o mesmo homem de segundos atrás.

– Fique ao sol o quanto desejar, portador. – Falou o mago com os olhos fechados. – Mas pondere. Um astro orgulhoso não costuma ser gentil.

Encaminhando-se, Typson se acomodou próximo ao mago, ministrando mentalmente uma distância cuja provocasse incômodo algum em presença. Esquecia, por mais estranho que o ambiente pudesse ser, que o lugar onde pisava pertencia ao mago, era a casa do mago e tudo que nela havia; por mais irreal e excêntrico o funcionamento da lógica. Jamais apreciou importunar, quem que fosse, com sua presença um ambiente alheio. Sentia-se inconfortável e curiosamente irritado.

Typson tentou reproduzir a mesma posição que a de sua companhia, mas se sentiu desgostoso com semelhante postura.

– Fique confortável, garoto. Encontre a melodia e refina teus sentidos. – Sua voz soava agradável num tom de ensino amistoso. – Tente. Concentre-se.

– Não sei se consigo. – Admitira o jovem, inquieto e secretamente amedrontado. – Minha cabeça não para.

– E no que pensas? – Perguntou soando em voz sincera curiosidade.

– Em tudo, senhor. – Disse.

– Descreva-me. – Ordenou.

– Não sei se poderia. Ainda é confuso para mim. – Enrugara a testa. Suava. – Eu sei o que há, mas não sinto o que seja. É como tentar segurar um punhado de areia. Reconheço-a, sinto-a e a pressiono, ouço-a ranger por entre meus dedos, satisfazendo-me de meu desejo, na confiança de tê-la em minha posse. Eu sei que ela é minha. Sei que a tenho. Mas ao abrir de minhas mãos, tudo escapa... e o pouco que fica é-me injusto e desagradável.

– Seja pontual, garoto. Tente seguir o pensamento e não se distancie. Busque o significado no que é abstrato. – Respirava profundamente. – Diga-me o que vê.

– Eu nada vejo. Apenas ouço.

– E o que ouves?

Ao refletir por alguns instantes, disse:

– Ouço um zumbido. O vento. E os sinos...

– Evidencie. Imerja-se. Escolha um e siga-o. Permita-se levar.

– E para aonde eu iria?

– Tu que me dirás.

Durante um momento Typson se criticou comparando-se a um cachorro que procura aflito um lugar para dormir. E quando por fim encontrou – estirado ao chão a olhar para cima – Typson viu-se mergulhando em um estado de quimera por onde caminhara entre seus mais insondáveis sentidos e peculiares pensamentos; tão pouco bons ou maus. Respirou. Sentia-se minúsculo a presença tesa da árvore e do robusto homem.

Como era curioso sentir o cheiro que o mago emitia, recordando em olfato a madeira nobre, que não emanava da árvore em si, mas singular ao bom modo. Era a mescla entre a terra fresca após uma longa noite de chuva e o vento que percorre dentre as florestas ao silêncio do campo; um perfume vigoroso digno ao porte do grande homem.

– É um carvalho. – Dissera o mago inesperadamente, com seus olhos fechados. – A velha, a nobre, a poderosa.

– Eu sei o que é. – Respondeu, ainda deitado. – É uma bela árvore. – Reconheceu, lembrando dos muitos carvalhos em sua terra natal.

– É uma pena que tão poucos saibam como ela prefere ser chamada.

– A árvore? – Abriu Typson um de seus olhos.

– Sim. – Expirou. – "Carvalho" é o nome dado pelos homens. – Soara irritada indiferença. – O quão tolos poderiam ser? Um significado material para algo tão nobre.

– Haveria mais de um nome? – Perguntou, cativado.

– Há um conto sobre isso... – Typson discerniu o que seria uma risada melancólica. – ...tão antiga quanto à própria natureza. E são poucos que a conhecem e mais raros quem sabe discernir as mentiras que preencheram as lacunas vazias diante as inúmeras gerações.

– E o senhor é uma dessas raras pessoas? – Jogara acintosamente a pergunta.

– Talvez eu seja.

Houvera um súbito silêncio, segundos esses que se seguiam para então o mago continuar:

– Quer que eu o conte?

– Que fique a sua vontade, senhor. – Respondera fechando os olhos novamente.

Algumas vezes o vento soprava para uma determinada direção em que não favorecia a curva constante que era desde o nascimento da magnífica árvore, causando-lhe assim um desconforto particular onde, como resultado, um rangido interno repercutia tal como uma porta de madeira velha onde a anos nunca aberta por ninguém. Fora durante a regência destas brandas notas que Merlino iniciara a estória:    

A Jornada de um Assistente e a Esfera da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora