Todo ponto de vista é a vista de um ponto.
Cada um lê com os olhos que tem.
E interpreta a partir de onde os pés pisam.A águia e a galinha – Leonardo Boff
Não muito longe da Cidadela em si, um pouco mais ao Sul, atravessando uma parte sombria da floresta que cobre boa parte de grande Norte, uma segunda cidadezinha situava-se. Tal não era circundada por montanhas de pedra, protegendo-os do mundo em si, não. Esta não possuía particularidades estranhas ou pedras encantadas que repelissem as temidas Sombras. De fato, era pacata assemelhando-se a quaisquer vilarejos que se espalhavam nas terras infindáveis do colossal continente.
Muitas das vezes era silenciosa. Poucas eram as crianças que quebravam a palidez do lugar. O fim do dia sempre chegava maçante perante o tédio, em especial na costumeira álgidas tardes onde a chuva fazia com que se recolhessem como gatos a temerem água fria. Somente alguns jovens, na flor da desobediência, fugiam de seus refúgios para se banharem na tormenta dos dias nublados, dividindo entre si uma tarefa interminável de capturar gotas d'água com a língua a sentir o gracioso frescor até, pelo menos, suas mães virem buscá-los puxando-os pelas orelhas pouco misericordiosas.
– Infelizes criaturas malcriadas! Saiam desta chuva. Ficarão adoecidos! – Bravejavam as palmas. – Teimosos! Teimosos!
Fato que as crianças se encolerizavam diante repreensão, demonstrando o mais puro desgosto e melancólico desanimo que alguém poderia oferecer. A princípio, relutavam; mas nunca contrariavam as ordens de acordo proferidas. Eles conheciam as mães que tinham e decerto sabiam como reagir a elas.
Contudo, fora na manhã de um dia comum que, pouco antes da Contenda iniciar na Cidadela, uma mulher acordara neste vilarejo chamado Pristronk. A chuva que caía escorria pelo vidro baço da janela, transmitindo um doce esmorecimento como se o mundo estivesse a chorar ao lado de fora. As gotas de água batiam violentas contra o telhado, repercutindo na ardósia um som seco qual se assemelhava ao cair de inúmeras pedrinhas invés de algo menos sólido. "São pequenas pedras a cair" – Pensava a mulher ainda deitada na cama. – "Pequenos empecilhos de outro dia mal aproveitado".
– Ah, mais não se preocupe tanto, linda jovem. – Dissera-lhe uma senhora de avançada idade no dia de sua chegada. – É uma triste nuvem transitória, uma ovelha negra do verdadeiro temporal que está a chegar.
Verdade era que nunca existiria uma chuva naturalmente eterna, sendo todas, por fim, passageiras; mas pela idade e ingênua doçura da anciã, esta mesma mulher apenas sorrira em retorno, agradecida.
Levantara-se. Dobrara o rústico e pesado lençol que a agasalhara durante a noite em um ar distraído, pondo-o em cima do travesseiro com copiosa ternura. "Ah, como é estranho não estar em casa." – Suspirou. – "O cheiro de meus pertences, de minhas roupas. Das curvas de minha cama em encaixe de minha silhueta". Olhando ao seu redor a respirar fundo, caminhou para perto da larga janela a sua direita, sentando-se no peitoril, observando, ao lado de fora, a chuva cuja não aparentava descanso.
Estrias gravitacionais serpenteavam no vidro baço, gotas céleres de encontro ao solo a soar pela parede uma correnteza despercebida. A mulher pegou-se paralisada naquela situação. Algo a fez se sentir desconfortável e triste; algo que não soube bem interpretar. Pestanejou julgando-se tonta. Semicerrou os olhos a procura de vida no exterior, mas não havia o que ver além de uma cortina cinza do tempo e água.
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A Jornada de um Assistente e a Esfera da Lua
PertualanganNada inicia-se sem uma perturbação. Do que você seria capaz caso perdesse parte do que ama e tudo que tivesse como esperança fosse uma lenda antiga esquecida por muitos? Um jovem chamado Typson encontra-se numa situação semelhante, juntamente a Anab...