Capítulo 55: Sorte

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Draco

Existe um fato cientifico que explica que quando acontece algo muito traumático com você seu cérebro encontra um jeito de bloquear essas lembranças, como um "instinto protetivo", você sabe que lembrar dói então mesmo que involuntariamente opta por "apagar" essas lembranças da sua mente. Elas ainda estão ali, mas você não lembra disso, às vezes nem sabe disso. Obviamente, como tudo na vida, há um gatilho, algo que desencadeia essas recordações bloqueadas, muitas pessoas nunca procuram por esse gatilho, se elas estão barradas é melhor que continuem assim, não é? Era o que eu gostaria de pensar.

Durante muito tempo, muito tempo mesmo, as memórias das torturas do Lucius ficaram escondidas na minha mente, eu olhava pro meu pai e sentia medo, sabia que precisava fazer tudo da melhor forma possível, caso contrário haveria consequências, porém não tinha ideia de quais consequências, afinal elas supostamente não existiam na minha cabeça. Eu queria ter uma vida "normal" ou o mais próximo disso possível, logo acreditar piamente que o meu pai se importava comigo foi uma das minhas ideias. "Meu pai vai ficar sabendo disso", por que eu dizia tanto isso, se ele nem ia ligar se soubesse? Se ligava era porque tinha alguma importância pessoal para ele, dinheiro, poder, fama, reconhecimento ou algo do gênero, não por amor ou preocupação comigo, essas palavras nunca fizeram parte do vocabulário de Lucius Malfoy, mas eu tentei, tentei ardentemente acreditar que faziam.

Quando foi que eu desbloqueei essas lembranças? Qual foi o meu gatilho? Voldemort, Voldemort trouxe tudo à tona em um piscar de olhos. Quando você tem uma pessoa dentro da sua cabeça, bisbilhotando o que você pensa, o que você sente, acaba que em algum momento o que era inexistente se torna existente, assim como minhas memórias. Aquelas lacunas que existiam nas minhas recordações finalmente se preencherem, eu entendi porque sentia medo de Lucius, entendi porque tinha que ser o "garoto perfeito", entendi porque ser apaixonado por Harry Potter era algo inaceitável, entendi tudo, e foi aí que as coisas pioraram.

Se você não sabe porque tem medo, supostamente deveria sentir mais medo, afinal sequer sabe do que está fugindo, mas não é bem assim na realidade, pelo menos não foi comigo. Quando eu não sabia o porquê do medo era mais fácil imaginar uma coisa melhor do que a realidade, menos assustadora, agora quando entendi o real motivo não pude camuflar com falsas expectativas, ele era um monstro e queria que eu me tornasse um, a qualquer custo. A realidade me assustou muito mais.

Nos dias atuais tenho todas as minhas memórias claras como o dia, lembro de cada tortura, cada osso quebrado, cada quase morte... Enfim, tudo. Ás vezes tento fingir que elas continuam escondidas, fingir que realmente as esqueci, mesmo que algumas vezes a noite Harry acorde com meus gritos (ou vice-versa), por isso lembrar agora do que Lucius fez quando estávamos escondidos do Ministério quebra o fingimento subitamente e quando isso acontece tudo volta, tudo fica ainda mais real, como se eu estivesse revivendo aquele inferno novamente.

O que é o menos ruim desse furacão todo? Não estar sozinho dessa vez, cansei de ter crises de pânico escondido no porão porque era o lugar que meu pai menos conseguia ouvir ou me trancar no banheiro do dormitório em Hogwarts e ficar horas dentro da banheira pensando o que me impedia de me afogar ali dentro e acabar com toda a dor, todo o sofrimento, agora eu não estou sozinho, posso me esconder dentro do abraço de Harry, posso fingir que o mundo fora dele é invisível e que tudo se resume apenas a nós, posso sentir a tempestade se acalmar aos poucos dentro dos braços dele, a calmaria tomando conta do meu ser.

Durante dezoito anos enfrentei sozinho essa sensação, de estar sendo engolido por um buraco negro, porém agora eu o tenho, isso ameniza excessivamente as coisas. Ele me abraçou forte assim que a primeira lágrima escorreu meio constrangida do meu rosto, não me soltou desde então. Quando eu me acalmei um pouco me trouxe até aqui, pro nosso quarto, com mais privacidade, onde sabe que as barreiras entre mim e os meus sentimentos se quebram, porque só há nós dois e entre nós não há nenhuma falsa barreira de proteção. Sem máscaras.

Dois OpostosOnde histórias criam vida. Descubra agora