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Alfonso bebericou o vinho. Quando a morena deixou a sacada do hotel ajeitando a fita de cetim sobre seu decote, ele sorriu. Ela fora tão insistente que ele não resistira. E agora percebeu que sua taça estava suja de batom, assim como a gola de sua camisa.
Ele a deixou sobre a bancada, apoiando os cotovelos ali. A vista lhe presenteava com a correnteza de um rio, o vento refrescava o calor que sentira quando tivera a morena nos braços. Ao contrário daquela loira petulante que não lhe dera margem nenhuma de conquista. Tudo que teve dela foi um olhar de gelo. Ele praguejou, com raiva. A mulher tinha sorte por Alfonso ter encontrado algo melhor para fazer, caso contrário ele estaria agora entre suas pernas, possuindo-a com força, provando que as coisas não aconteciam da maneira que ela pensava. Nunca.
A música que soava de dentro do hotel continuava alta. Talvez Alfonso precisasse de uma dança antes de subir para seus aposentos e descansar. Ele alcançou o salão e a encontrou sozinha. A de cabelos dourados, aquela que o ignorou. Meneou a cabeça com um sorriso. Mal podia acreditar em sua sorte...
- Vamos, me diga - ele sussurrou. A aproximação fez a pequena virar o corpo de uma só vez e encontrar, a alguns centímetros, o corpo musculoso de Alfonso Herrera - Quem eu preciso matar para conseguir dançar com você?
Anahi engoliu em seco, levemente assustada. Reconhecera a voz; não havia esquecido de como ela soava quando estava bem próxima da sua orelha. Inclusive os efeitos que causaram em seu corpo retesado foram os mesmos que os da primeira vez. Mas não imaginava que ele voltaria a incomodá-la. Em geral, não voltavam.
- Eu não sou comprometida.
- E não sabe o quanto uma afirmação dessas me provoca?
- E também não sou uma qualquer a quem você pode tratar da forma que deseja. Por que tal comportamento tão escandaloso? - indagou, cruzando os braços - Não acha que a sua conduta com as mulheres casadas daqui talvez possa incomodar a seus respectivos maridos?
- Então você anda reparando em mim, não é?
Ela soltou uma risada debochada, balançando a cabeça. A pele por cima das bochechas esquentava pouco a pouco. O atrevimento daquele homem era inacreditável, a constrangia. Ela não estava dando cabimento a ele! E não queria que ninguém pensasse que estava. Por que ele achou que podia invadir seu espaço daquela maneira?
- Oh, você é tão modesto!
- Deixe-me fazer da maneira certa dessa vez, Miss...
- Lady - ela corrigiu depressa, erguendo o indicador - Você está no meu território, estranho, portanto é importante que saiba desde já que sou uma Lady.
- Lady? Apenas? Não é bem assim que devo chamá-la, certo?
- Tenho um sobrenome, é verdade, mas não tenho certeza se posso correr o risco de que o senhor o difame por aí.
- Deus! - ele riu, jogando a cabeça para trás - Como eu poderia fazer isso? Dispense essa formalidade, diga-me seu nome, o sobrenome pouco me interessa.
Ela teve vontade de perguntar se ele não sabia onde estava se metendo, todos iriam perceber o que intencionava. Aquela era a questão que, com bastante certeza, ocuparia a cabeça das pessoas que os vissem. Seu sobrenome afastava a maioria dos homens - pelo menos em público - mas não o estrangeiro. Com todo o sentido, ela não poderia culpa-lo: ele não se interessava por isso, pois não lhe fazia diferença; não conhecia nada sobre aquele lugar e nem sobre seus habitantes. Em pouco tempo iria embora. E quanto a Anahi, Herrera queria apenas usá-la.
Para não parecer tão imatura e se mostrar destemida, ela gaguejou uma resposta:
- Anah... Ana Bennington.
Alfonso a tomou pela mão e ela enrubesceu. E quando ele a beijou sobre os nós dos dedos, enfim, toda a segurança a deixou. Anahi temia que ele sentisse como cada articulação de seu corpo vacilava e confundisse completamente as coisas, como parecia estar confundindo no momento em que sorriu. Alfonso Herrera não entendia a gravidade da situação. Anahi não era um jogo, tampouco uma jogadora. Mas completamente nervosa, em vez de escapar, quase tropeçou nos próprios sapatos quando ele a aproximou pela cintura, grudando ambos os corpos. As mulheres, com seus pares, à essa altura pareciam mais atentas ao casal que agora se formava do que a sua própria dança. Anahi fechou os olhos. Imaginou os comentários maldosos correndo de orelha em orelha. Sentiu vontade de gritar.
A injustiça com a qual tratavam-na a magoava profundamente. Por que as outras mulheres do salão comportavam-se de maneira desonrosa e continuavam sendo tratadas como divindades? Por que, enquanto isso, ela não podia ter alguns momentos de diversão dançando com aquele homem desconhecido sem ser tão mal encarada?
Mas quem disse que ela estava se divertindo?!
- Lady Bennington - disse ele enigmático, segurando na altura de seu ombro a mesma mão delicada que beijara - Não sei como pude pensar em algum momento que você era um anjo de mulher.
Nesse momento ela pensou em recuar definitivamente, mas os dois invadiram o salão. Ela estava dançando com ele, a passos largos e ritmados, os olhos azuis cravados no verde-oliva que sondava os seus.
- Se um anjo de mulher for alguém que se submete ao jeito machista com que você me tratou... Não sou um anjo - desabafou, de queixo erguido - Eu também não faço ideia de onde tirou este pensamento absurdo. Você nem me conhece, não conhece ninguém.
- Então, diga-me, o que você faz?
- O que você faz? Tenho certeza que não veio de onde quer que tenha vindo apenas para destruir casamentos alheios.
- Mas como é atrevida! - Alfonso gargalhou, girando-a sob seu braço e trazendo-a de volta rapidamente - Alguma hora acabará mordendo a língua, meu anjo. Se estivesse um pouco mais disposto a passar algumas horas num julgamento, com toda a certeza, te mostraria com minhas próprias mãos como você tem me provocado. Bem aqui - balbuciou, rouco, levando a mão livre até o queixo de Anahi, a segunda parte exposta de seu rosto que ele sentia vontade de morder. Depois a deslizou até a curva do pescoço e a estancou na nuca - Bem apertadas em seu pescoço.
Ela piscou, assustada, empurrando-o bruscamente. Ele podia ser um psicopata! A mão de Alfonso que continuava em sua nuca, porém, e isso a forçou a regressar a seu encontro. Os corpos se chocaram, o nariz de Anahi quase achatou-se contra o peito dele, a respiração de ambos assumiu um descompasso. De repente ele a afastou, sem soltar sua mão. Puxou-a de volta antes que ela entendesse o que Alfonso estava fazendo. Juntos, giraram uma, duas vezes, até entrarem novamente no ritmo delicado da música. Os casais ao lado admiraram-se.
Anahi também estava surpresa, precisara de bastante esforço para não se mostrar tão profundamente espantada. Devia ter imaginado que um homem como aquele conhecia de tudo um pouco, inclusive de dança. Ele se vestia bem, falava com fluência, era incrivelmente bonito, elegante e parecia muito rico. Com certeza viajava o tempo inteiro, tinha negócios, distribuía ordens.
A loira esperou, sustentando os olhos dele nos seus, que a euforia passasse. Como um aviso silencioso, comprimiu os lábios. Bem, ele podia subordinar muita gente, mas não a ela.
De repente a atmosfera tornou-se amena outra vez. Mas amena demais. Alfonso recolheu seu rosto entre as palmas das mãos. E também isso a apavorou.
- Solte-me. Você não ousaria. Eu grito - Anahi ameaçou, arregalando os olhos ao vê-lo descer os lábios em direção aos seus. Eram bonitos, pareciam saborosos, mas nem mesmo toda a tentação do mundo faria Anahi deixar que ele cometesse aquela loucura. Ela estava verdadeiramente aterrorizada, dessa vez.

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Ruas de Outono
Fanfic[CONCLUÍDA] *** Londres, 1874 Alfonso massageou a densa cascata de cabelos dourados que caía sobre o travesseiro ao seu lado. Anahi estava adormecida há algum tempo, imersa em um sono profundo, enroscada nos alvos lençóis de seda. Enquanto isso, el...