Capítulo 086

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– É impressionante a quantidade de coisas que pensamos ser imprescindíveis... – Anahi sussurrou, segurando a mão livre do pai entre as suas – Até o dia que descobrimos que não são.

Ela interrompeu o percurso de uma lágrima em sua bochecha, sorrindo. Dessa vez, seu peito estava cheio de felicidade pura. O seu choro era inteiro de felicidade pura. Sentia que tinha tudo o que precisava. Aquilo sim parecia o verdadeiro imprescindível da vida: ter o amor da sua família, se reconhecer no seu passado e finalmente confiar no próprio futuro.

Ela escutou sobre sua mãe, sobre o quanto fora esperada, sobre os anos que Arthur a procurou... Entendeu sobre Margot, sobre Alfonso, sobre o medo de Margareth. E depois que todas essas coisas se esclareceram, mesmo que minimamente, logo pareciam ter deixado de ser importantes, na mesma velocidade com a qual seu destino havia mudado. Anahi começou a planejar passeios, lanches, jogos... Tudo que pudesse ocupá-la na companhia do seu pai; tudo que o impedisse de estar novamente longe dela. Queria incluí-lo em sua vida de novo, criar lembranças das quais pudesse se orgulhar. Se estivesse sonhando, não deixaria aquele sonho acabar. Nenhum engano que pudesse separá-los voltaria a acontecer.

No entanto, não se podia fugir do passado o tempo inteiro, e mesmo que não fosse uma questão importante agora, nem tudo estava em seu devido lugar.

– Onde você está hospedado? – Anahi perguntou, ansiosa.

– Eu tenho uma casa em Londres, querida. Sempre tive.

A loira pareceu titubear, confusa e insegura sobre a afirmação do pai.

– Sim, mas...

– É minha – ele garantiu, convicto – Não se preocupe quanto a isso.

– Bem – a loira deu de ombros – De qualquer forma, nós temos um quarto livre, você pode se acomodar nele quando quiser.

Dizendo isso, Anahi guiou Arthur até o cômodo desocupado, encontrando-o trancado. Margareth simplesmente a observou, de longe, cruzando a cozinha com o molho de chaves na mão. A mais velha se amparou no balcão, antecipando o que viria, sem tentar impedi-la. Era o momento de fechar ciclos. Anahi estava bem, estava saudável. Não havia mais o que esconder, tampouco temer. Em breve ela estaria completamente em paz.

Ela abriu a porta e se surpreendeu ao ver que o quarto estava abarrotado de objetos, alguns mais empoeirados que outros, no entanto não pareciam estar ali há muito tempo. Olhou as estantes, sem entender. Haviam inúmeras caixas fechadas, decoradas com fitas coloridas; flores sem vida em lindos embrulhos brilhantes; vestidos e jóias espalhadas por todos os lugares. Arthur simplesmente a acompanhava, igualmente confuso.

– Eu pensei que o quarto estava disponível – ela murmurou mais pra si mesma do que para o pai. Escorregou a mão pelas caixas, tentando decifrar como tantos presentes bonitos foram parar ali e a quem pertenciam. Até que seus dedos encontraram um envelope repleto de cartões, mas, antes que pudesse descobrir remetente e destinatário, seus olhos caíram sobre uma outra caixa ao fundo do cômodo. Essa era mais velha que todas, no entanto a única que lhe causava sensação de familiaridade.

Ela olhou para a porta, para além de Arthur que a acompanhava, e não havia ninguém que pudesse lhe explicar. Sentiu-se vivendo novamente o dia que encontrou os objetos de seus pais, quando descobriu sobre os planos de Alfonso... Era a mesma atmosfera, quase a mesma situação. Aquele quarto e todas aquelas coisas pareciam prestes a lhe revelar algo que ainda não conhecia. Mas, diante de tudo que vinha acontecendo, poderia ainda haver algum segredo capaz de magoá-la?

Anahi duvidava bastante disso, portanto se aproximou, decidida, sentindo o martelar violento do coração aumentar conforme a distância diminuía. No entanto, antes mesmo de tocar a caixa, entendeu. Eram as cartas da sua mãe, as que ela acreditou terem sido queimadas semanas atrás.

Ruas de OutonoOnde histórias criam vida. Descubra agora