Capítulo 084

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(...)

Alfonso franziu o cenho, observando-o, simplesmente incrédulo. Então como se nada absolutamente estranho estivesse acontecendo, Arthur abriu os braços com um semisorriso.

– Nada a dizer?

Poncho quase engasgou. Na verdade, tinha tanta coisa a dizer que não sabia por onde começar. Sentia-se vivendo o mais inexplicável dos absurdos. Observando o semblante despreocupado do tio, a única coisa que teve a capacidade de expressar foi:

– Você não está morto?!

Tolo e ridículo. A resposta era óbvia, mas como?!

A pergunta levou Arthur a rir e sua risada era sarcasmo puro. Além de toda a estranheza daquela situação, o trejeito sádico do mais velho acendeu em Alfonso uma desconfiança que o deixou totalmente em posição defensiva.

– É lindo ver tanta felicidade em seu rosto – disse Arthur, zombeteiro – Pareço morto, Alfonso?

– Que diabos está acontecendo aqui? – Poncho inquiriu, irritado – Você pode me explicar, afinal?

– Eu não tenho que explicar droga nenhuma a você! – o mais velho devolveu – Sou eu quem exijo que você me explique por que está na minha casa e por que está tentando vendê-la?

Alfonso balançou a cabeça, atordoado.

– O seu tabelião veio até mim para me comunicar sobre sua morte e consequentemente sobre as propriedades que herdei.

– Volto a perguntar, Alfonso. Pareço morto?

Arthur estava debochando e isso finalmente conseguiu tirar Alfonso do seu transe de incredulidade, empurrando-o para a beira de um sentimento muito mais tormentoso: a raiva. De alguma forma, por algum motivo, um tremendo engano havia acontecido e Herrera não podia acreditar que aquele erro definiria sua vida a partir de então. Foi pela propriedade que Alfonso se perdeu. Foi por ela também que perdeu Anahi. No final das contas, possuir aquelas terras fora a pior coisa que poderia ter lhe ocorrido e, infelizmente, desistir delas jamais poderia alterar a direção que seu futuro havia tomado.

Cerrando os punhos, Alfonso perguntou:

– Onde você esteve durante todo esse tempo?

– Eu estava procurando a única pessoa que me importava nesse mundo. E parece que você a encontrou antes de mim.

O tom da conversa mudou. O diálogo confuso havia se transformado em pura provocação. Dessa vez, o olhar desafiador de Arthur serviu apenas para instigar Alfonso.

– E por que precisou ir tão longe se ela estava bem debaixo do seu nariz?

O atrevimento da pergunta fez Arthur contorcer a boca. Alfonso podia jurar que, se o tio ainda tivesse força além do que precisava para se apoiar a bengala, lhe teria desferido um soco.

– Porque eu não sabia! – Arthur gritou, dessa vez trêmulo pela raiva – Me esconderam a única coisa que poderia me fazer voltar a viver!

Ele ofegou. Anos atrás, Arthur, Margot, Margareth e John souberam que, dentro de alguns meses, Felicity daria a luz. No entanto, depois da morte da moça, Arthur foi o único a não saber onde a criança fora parar.

Ele fechou os olhos, tentando lidar com a fúria que vinha acumulando desde que ouvira sobre o leilão da sua propriedade. Foi duro retomar toda a tortura que viveu depois de ter perdido a mulher que amava; depois de ter perdido a própria filha. Somente agora, voltando a Londres, os fatos antes obscuros vieram a ser esclarecidos. Agora ele tomava conhecimento, com um nó na garganta, que Margareth e John haviam se encarregado de criar o bebê, e que o fizeram em um vilarejo distante de Londres, sem contato com ninguém, inclusive com a vizinhança, para que nenhum boato se disseminasse a ponto de chegar até seus ouvidos. Queriam enterrar aquela parte do passado e que nada daquilo pudesse fazer a menina sofrer. Ela teria uma família normal. Mas ao crescer, e a medida que ficava cada vez mais parecida com a mãe, fugir da própria história se tornava cada vez mais difícil.

Aos 18 anos, Anahi conheceu a história de seus pais mas, mesmo que houvesse decidido procurar por Arthur neste dia, não iria encontrá-lo. Somente agora ele podia saber que levou anos recluso naquela mansão, esperando por uma notícia, uma visita, qualquer coisa, enquanto sua filha estava bem ao seu lado. Vivia para o trabalho, esperando por algo que o fizesse reagir. Em uma de suas viagens a negócios, não mais voltou. Decidira partir da Inglaterra sem vínculos, fossem pessoas ou posses. E não sentia vontade de regressar, pois a vida que havia construído naquele lugar perdera grande parte do sentido. Mesmo Margot, que fora como sua irmã e o acompanhou a vida inteira, havia ficado para trás. Saiu a procura de Anahi, sem sequer saber que se chamava Anahi, ou se estava viva, ou mesmo que era uma menina e que estivera o tempo inteiro tão perto. Foi uma busca incessante e praticamente inútil. Portanto, agora, saber que fora dado como morto foi um detalhe muito fácil de ignorar: sentia-se morto há muito tempo. Mas agora ele estava ali outra vez, disposto a recuperar o tempo em que fora enganado.

Alfonso ainda estava digerindo toda aquela confusão quando Arthur completou, decidido:

– Eu vou encontrá-la – afirmou ele, preparando-se para deixar o escritório – Agora mesmo.

Ruas de OutonoOnde histórias criam vida. Descubra agora