***Alfonso recebeu diretamente do capataz o relatório exato do que Anahi fizera o dia inteiro. Ela cavalgou com Scorpion pelos campos da mansão, preparou chocolate quente, brincou com Gabriel, recebeu os consolos de Maite e agora dormia. O dia dela parecia ter sido muito mais empolgante que o dele. Exceto, é claro, pelo evento de apresentação da vinícola que Christopher sugerira, para fazer a venda da mansão alcançar outros ouvidos. Ouvidos bilionários, de preferência. Os dois passaram boa parte do dia planejando o que fazer para dali a uma semana, mais ou menos. Agora que Alfonso não tinha nada a esconder, ele achava a ideia excelente. Mesmo porque a última oferta ainda estava pairando no ar, esperando por uma confirmação.
Alfonso só não gostou de saber que Anahi foi novamente até o lugar onde ele mandara isolar todas as coisas relacionadas a Arthur. E isso se repetiu algumas vezes durante a semana. Enquanto ele e Christopher analisavam os preparativos, Anahi passava horas do seu dia naquele lugar.
A situação o deixava intrigado. Ela não deveria insistir num assunto morto e que não renderia nada.
Quando a verdade veio à tona, isso acabou enterrando o passado de Anahi ainda mais fundo. Pelo menos assim Alfonso pensava, porém as constantes visitas à pequena instalação isolada constatavam apenas que ela tinha um bom motivo para ir até lá. Então para acabar com as especulações, ele teve que conferir de perto.
Alfonso não precisou de mais que dois chutes para conseguir arrombar a porta. A madeira era velha demais. Quieto, ele observou o lugar e as coisas jogadas a esmo, sujas. Só a cadeira de balanço e uma caixa sobre ela pareciam um pouco limpas. Alfonso se aproximou, olhando ao redor. Já fazia algum tempo e ele não se lembrava que havia tanta coisa assim...
Ele abriu a caixa e viu as cartas de Felicity endereçadas a Arthur. Pegou uma e analisou. Não precisava ler para saber que eram todas cartas de amor e que provavelmente era aquilo o que mais atraía Anahi para aquele lugar. Colocando-a de volta, seus olhos passearam por todos os lados e caíram sobre uma velha botinha sem par, de criança, abandonada num canto.
Ele lembrava... Usava aquilo quando tinha entre seus cinco ou seis anos para não machucar os pés brincando de futebol. Arthur não deixava que Alfonso jogasse descalço desde que ele tropeçara e quebrara o dedão, chorando copiosamente. Apesar dos constantes machucados, tudo o que Alfonso sabia sobre aquele jogo, e sobre muitos outros mais, havia aprendido com Arthur.
(...)
– Se você bater a cabeça nela, também dá certo. Veja só – Arthur disse, arremessando a bola para o alto. Quando ela chegou numa boa altura, ele a acertou com a cabeça e a bola atravessou a trave que eles haviam improvisado no quintal. Aquilo significava um ponto. Alfonso olhava, maravilhado.
Arthur cedeu a bola e o menino resolveu tentar, empolgado. Mas a bola bateu em sua testa mais forte do que ele havia calculado e Alfonso caiu para trás, tonto. Arthur se dobrou de tanto rir.
– Au, tio Arthur! Não tem graça. Isso dói! – reclamou, constrangido, colocando uma mão na cabeça – Eu não gostei não.
– Tente de novo – o homem incentivou, chutando a bola para Alfonso. O menino se esquivou, amuado.
– Não. Eu vou me machucar.
– Se você não insistir, nunca vai conseguir – disse Arthur com um sorriso – Vamos lá, Poncho, estou aqui para te ajudar.
(...)
Alfonso piscou, como se acordasse. O sorriso amigável de Arthur continuava em sua mente e a imagem do tio ia desfocando aos poucos, perdendo-se em meio a uma névoa confusa de lembranças. Os olhos que fitavam cegamente a bota infantil, desviaram-se, frios. Em um segundo tudo aquilo apagou. Alfonso sacudiu a cabeça e virou as costas. Fechou a porta novamente e saiu, mas não fazia mais diferença. Algumas coisas saíram dali junto com ele.

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Ruas de Outono
Fanfiction[CONCLUÍDA] *** Londres, 1874 Alfonso massageou a densa cascata de cabelos dourados que caía sobre o travesseiro ao seu lado. Anahi estava adormecida há algum tempo, imersa em um sono profundo, enroscada nos alvos lençóis de seda. Enquanto isso, el...