Capítulo 078

515 57 9
                                    

***

– Livre, finalmente? – Anahi perguntou logo que abriu os olhos, à primeira hora da manhã. Agora Margot, Maite e Dulce disputavam quem podia dar mais atenção às suas necessidades. Margareth assistia, tranquila. Também tinha outras coisas com as quais se preocupar e sabia que Anahi estava em boas mãos.

– Não vá seguir tudo isso tão a risca, querida – Margot alertou, despejando suco em um copo – O fato de haver completado duas semanas não significa que agora poderá sair correndo ensandecida por aí.

– Que bom que mencionou isso. Quando eu falo, ela faz pouco caso  – Maite salientou, parecendo ressentida.

– Continuará repousando, cuidando da sua alimentação, controlando seus esforços diários... Fortalecendo a si mesma e ao seu bebê – a idosa continuou.

Anahi inspirou fundo. Não havia parado para pensar; nem sequer cogitar, tinha medo dos caminhos obscuros por onde sua insegurança a levaria, por isso evitava o pensamento, ocupava a mente com outras coisas. Mas dessa vez ele invadiu sua cabeça sem pedir licença. E ela se permitiu sonhar um instante.

Duas semanas haviam se passado e nenhuma intercorrência aconteceu. Mesmo sabendo que não podia contar com a vitória antes mesmo da batalha, Anahi sentiu um alívio reconfortante e um frio inebriante na barriga. E, pelo mesmo motivo, sentiu que aquilo tudo era muito assustador. Mesmo assim, ela se deixou sorrir, contente, acariciando o próprio ventre.

– Doutor Billard virá hoje – Margot avisou, posicionando a bandeja de café da manhã sobre as pernas de Anahi.

– E Ian? – ela perguntou.

Dulce estreitou os olhos, contendo um sorriso insinuante.

– Também. Vem todos os dias, não?

– Eu sei – Anahi retrucou – Apenas fico preocupada, tenho medo que algo pior aconteça.

Ian, por sua vez, só não passava mais tempo com Anahi porque estava tentando conciliar a rotina com dor, ferimentos e incríveis quebras de contratos sem explicação. Mas ele sabia o porquê do turbilhão que atingira sua vida profissional de um dia para o outro. Alfonso Herrera não era o tipo de homem que economizava estratégias para tirar oponentes do jogo, sobretudo se finalmente seu inimigo havia se declarado como tal. E Ian sabia também que Herrera podia mais, portanto  deveria estar sempre preparado para confrontar jogadas sujas.

Quando Billard chegou, ele não estava lá. Margareth deu passagem, ajudando o médico com o sobretudo encharcado. Uma chuva torrencial começava a cair sobre Londres, levando o céu a escurecer mais cedo que o de costume.

Billard posicionou uma mão espalmada sobre o baixo ventre de Anahi, concentrado, examinando. Ela suspendeu a respiração, atenta a todas as nuances da expressão do médico, mas o rosto dele não lhe dizia nada. Ele tateou, palpando ora superficialmente, ora mais profundo, tentando dos dois lados, parecendo medir algo. Anahi não entendia, apenas aguardava. Depois ele posicionou um objeto cônico em sua barriga, encaixando a própria orelha na outra ponta. Alguns minutos a mais de expectativa e... Nada. Quando terminou, Billard suspirou.

– Nada novo – ele constatou – Não consigo escutar e nem sentir.

Anahi soltou a respiração, deixando os ombros caírem.

– Será que é porque eu estou tensa?

– Não – ele riu, brando – Como mencionei antes, pode ser ainda muito recente. Mas também pode não ser nada. Precisa se preparar para as duas possibilidades.

Anahi baixou os olhos, calando sua aflição. Acatou tudo o que havia escutado e não disse mais nada pela noite inteira. A chuva começou a cair novamente e o máximo que ela fez foi observar através da janela, sentada, com a cabeça amparada no parapeito. A partir daquela noite, já não precisaria tomar medicação, porém em vez de alívio, Anahi sentiu medo. Queria esvaziar sua mente sem esforço, apagar da sua cabeça a esperança que insistia em se criar, esmagá-la em seu coração. Pela primeira vez desejou tomar bem mais que uma xícara de remédio para potencializar o efeito.

Ela passava muito tempo calada, exceto quando Maite a importunava com suas manias de proteção. Mas não costumava falar sobre o bebê, nem como se sentia em relação a ele. Isso a deixava abatida. Dias se passaram. Certa noite, enquanto Margareth trocava a água das flores do quarto de Anahi, ela perguntou, parecendo ter esperado muito tempo para descarregar um peso de seu peito:

– O que eu preciso fazer para confirmar, tia Margie? Deve haver alguma maneira. Eu consigo suportar o sim e o não, mas a dúvida é impossível. Como você soube?

A angústia na voz da sobrinha penalizou Margareth. Ela largou as flores com um suspiro, aproximando-se de Anahi.

– Não passei pelo que você passou, então foi muito natural. Minha regra atrasou, desconfiei e esperei. A barriga começou a crescer, mas isso leva meses. É assim, não podemos fazer muito – ela observou Anahi soltar um murmúrio de frustração, parecendo muito pouco satisfeita com o que havia escutado. Então continuou: – Uma vez por semana Dr. Billard pode averiguar, se você quiser. Bom, talvez não exatamente toda semana porque isso vai custar muito dinheiro, mas podemos tentar. Enquanto isso, analise seu corpo. A silhueta, os seios, até o humor... Isso muda. Seu corpo vai te dar sinais e você vai entendê-los – Margareth tentou acalmá-la, acariciando seu cabelo.

Anahi abanou a cabeça, deixando escapar uma lágrima que há muito teimava em tentar cair.

– Não sinto nada.

– Vai perceber quando for a hora – Margie garantiu – Tenho certeza que sim.

– Eu preferia que ele me dissesse que não há a menor possibilidade...

– Shhh – a tia interrompeu, erguendo o rosto de Anahi pelo queixo – Não pense assim. Felicity conseguiu e você é cabeça dura igualzinha a ela.

– Mas não sei se há alguma coisa para conseguir! – a loira contra-argumentou. Margareth lhe lançou um olhar em reprimenda – Estou exausta, tia Margie – ela justificou – Só quero ter alguma certeza. Qualquer uma.

Depois disso, não falaram mais sobre o assunto. Margareth lhe deu um chá e se recolheu. Anahi terminou de pentear os cabelos e se preparou para dormir. Estava começando a fazer muitas coisas sozinha e, aos poucos, os cuidados intensivos de Maite, Dulce e Margot iam se fazendo desnecessários, cada vez mais escassos.

Durante aquela madrugada, Anahi despertou tremendo de frio. Estava sozinha. A janela havia aberto com o vento e agora batia contra a parede,  tamanha a força daquele vendaval. A chama da lamparina sobre o criado-mudo se apagou e o quarto estava escuro, quase impossível de ver algo além das sombras dos móveis. A cortina alcançava o teto e no chão começava a se acumular água. Ela sorriu ao pensar no quão irônico era sentir falta de Maite naquele instante. Afastou os lençóis e se ergueu para fechar a janela e reacender a lamparina, voltando a cama logo após. Estava quase dormindo novamente quando um incômodo a deixou em alerta. Ela remexeu as pernas, inquieta. Algo começava a esquentar entre elas. Primeiro no interior das suas coxas e depois quase alcançando os joelhos. Ela se recordava muito bem, tivera a mesma sensação antes, pegajoso e morno, e, meu Deus, não podia ser... Havia se preparado dia após dia para aquela possibilidade e agora estava morrendo de medo de que ela viesse realmente a acontecer. Já havia doído tanto... Não aguentaria que doesse mais.

Enchendo o peito de ar, ela ergueu a manta para constatar o que, no fundo do seu peito, já sabia. Estava certa. Suas coxas estavam inundadas de sangue, o colchão manchado escondido pelo lençol que a cobria.

Ela conteve um grito agudo de horror, apertando os lábios. E começou a chorar desesperadamente, tremendo. Estava acontecendo e ela não podia fazer mais nada.

Ela abraçou os próprios joelhos, em posição fetal, como uma garota indefesa e amedrontada. E era exatamente assim que se sentia. Novamente, seu baixo ventre começou a contrair, machucando-a, como fora da outra vez. Infelizmente Anahi não perdeu a consciência. Ela ficou de olhos bem abertos, em choque, as lágrimas correndo sem parar, ciente de tudo que estava acontecendo e esperando, muda, que finalmente terminasse.

Ruas de OutonoOnde histórias criam vida. Descubra agora