Capítulo 033

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(...)

Das lágrimas de Anahi, restaram agora apenas os rastros ressecados sobre a maquiagem outrora perfeita, além de olhos vermelhos ardendo em fogo. Alfonso tomou ar, encarando a esposa. Ela estava com o rosto de uma forma sério que ele não se recordava de haver visto. Antes de falar, hesitou. Não que estivesse com medo. Simplesmente não havia se preparado para que o embate acontecesse naquela hora. Na verdade, não pensou que ele chegaria a acontecer, a julgar pelas suas malas feitas para uma partida sem despedidas. Alfonso estava realmente pronto para deixá-la e ainda não havia se dado conta que adiar sua viagem não significava adiar aquele momento também.

– Vamos para o escritório – ele sugeriu, dando meia volta. No entanto Anahi não saiu do lugar.

– Alfonso – ela chamou, séria – Se você for capaz de não desviar os olhos dos meus ao me explicar por que mentiu pra mim, não interessa o lugar, eu quero saber aqui e agora.

E por que ele não seria capaz, afinal? Desde que decidiu entrar naquilo, estava disposto a lidar com as consequências que viessem, fossem elas quais fossem.

Ele assentiu, neutro, sustentando os olhos de Anahi.

– Essa luva existe e traz meu nome porque eu sou sobrinho de Arthur – confessou, sem vacilar – Não legítimo, na realidade, mas fui registrado como se fosse, então não faz diferença. O que mais você quer saber?

Anahi pareceu não acreditar na tranquilidade de Alfonso. Com os braços cruzados, ele tinha uma postura tão prepotente e despreocupada que a feria ainda mais. Ela se sentia totalmente confusa.

– Por que você escondeu isso de mim? – quis saber. A pergunta era um simples fio de voz repleto de mágoa – Não estamos cometendo nenhum pecado. E se estivéssemos, eu gostaria de saber. Você poderia ter me contado! Então por que, Alfonso? Por que as coisas de Arthur estavam naquele lugar e você não me contou? Por que você me escondeu tudo isso?

– Compreendo sua confusão, Anahi. Então, veja bem, é importante começarmos isso a partir de um ponto crucial – ele explicou, lançando um sorriso incógnito para a loira – Arthur está morto.

Ela estagnou.

– O quê? – sussurrou, incrédula.

– Morto – ele repetiu com clareza – Não está viajando, está morto. Morreu.

– É mentira – ela negou, exasperada. Alfonso deu uma leve risada de pesar.

– O fato de você não acreditar não muda o que realmente aconteceu, Anahi.

Ela olhou ao redor como se procurasse algo onde pudesse se apoiar, mas acabou levando as duas mãos a cabeça, desesperada. Por um segundo, esqueceu-se da mentira de Alfonso e sentiu apenas a dor de uma perda irredutível, irreparável: do seu sonho. Ela o nutrira durante muito tempo e, há cerca de duas horas atrás, observando as cartas de sua mãe, alimentara a esperança novamente. Agora parecia ter levado um soco na boca do estômago; sua garganta estava apertada.

– Eu não... – ela gemeu, sacudindo a cabeça – Eu não estou entendendo.

– Certo. Vamos do início – Alfonso disse, aproximando-se dela, que estava fraca demais para se mover contra o toque. Ele a segurou pelos ombros e começou a fazê-la andar – Como eu disse, Arthur morreu – Anahi fechou os olhos, engolindo em seco – E não escreveu um testamento. Então eu, seu único parente vivo, herdei esta mansão. Eu mandei reformar a casa, o jardim, os arredores, cada uma das instalações... Eu investi pesado, Ana, pois pretendia vendê-la. Então veio você. Você e aquela maldita conversa fiada de que era filha de Arthur. Eu não ia deixar você me atrapalhar – ele se inclinou e pousou os lábios sobre a orelha de Anahi, dizendo: – Minha sorte era que você não tinha noção do tesouro que poderia ter em mãos caso tentasse. Mudei minhas táticas algumas vezes por causa do seu gênio mas no geral você foi um anjo, meu amor.

Anahi se afastou e olhou para ele de frente, martirizada.

– Do que você está falando, Alfonso?

– Ana, a propriedade poderia ser transferida para você e não mais para mim.

– Para mim?! – ela gritou, aturdida – Eu nunca tive essa intenção!

Alfonso soltou uma risada. Quase sentia pena de estar sendo tão sincero com uma criatura tão ingênua. Mas ele não ia se deter, tampouco omitir, mentir ou dissimular. Estava farto de uma vida calculada. Queria esmiuçar tudo de uma vez, detalhadamente, para que aquela conversa nunca mais se repetisse.

– Eu tenho absoluta certeza que não teve, pois você não sabia que podia.

– E se soubesse... – ela supôs – Você achou que eu te faria algum mal por um pedaço de terra, Alfonso? Por isso escondeu tudo de mim?

– Eu não a conhecia, Ana. Não sabia como você reagiria ao saber – ele justificou com cinismo – Talvez você realmente não fizesse nada. Você nem precisaria fazer. A mansão cairia em suas mãos como um presente divino perante uma simples prova de que você é realmente filha de Arthur. Teoricamente, você não estaria tomando nada de mim. Mas na prática... – ele fez uma pausa, segurando o queixo de Anahi – A mansão deveria ser minha, meu anjo, por mérito. Lamento. Eu nunca planejei magoar você, mas tinha de fazer com que ela voltasse para seu verdadeiro dono.

Anahi levou um segundo absorvendo tudo, impactada. A cabeça doía terrivelmente, mas ela conseguira acompanhar.

– E como fez? Como você a recuperou? – perguntou fracamente, encarando-o. A respiração falhou antes mesmo da resposta enquanto ela sondava o rosto de Alfonso. Parecia suplicar para que ele não lhe dissesse mais nenhuma perversidade sequer, pois não suportaria. No entanto, ele sorriu maldosamente antes de falar.

– Casando com você.

Os olhos de Anahi faiscavam como duas pedras azuis contornadas de vermelho. Ela os cerrou com força e quando os abriu, soluçando, Alfonso viu as íris embaçadas tremeluzirem atrás de um punhado de lágrimas. Ela estava em choque; em um pânico bruto.

– Você... casou comigo para poder ficar com a mansão? – repetiu, descrente. Alfonso abanou a cabeça, pensando em sua resposta.

– Bom, não apenas por isso, é claro. Mas também porque eu e você nos divertíamos bast... – ele se interrompeu, observando Anahi virar as costas e marchar em direção a escada. Ergueu uma sobrancelha, ultrajado – Anahi? – chamou, perplexo. Seu tom de voz era firme e incrédulo, soava como se se sentisse indignado por ser deixado falando sozinho – Aonde você vai?

Ela desceu os primeiros degraus, tremendo em descontrole. Não estava escutando mais nada, sentia-se desligada do mundo. Seu único objetivo agora era sair daquela casa, sair do alcance daquele homem.

– Ana? Você não vai me responder? Pensei que estivéssemos finalmente conversando – ele perguntou, severo, como se debochasse. Mas ela não ouviu. Quando Alfonso tentou fazê-la voltar, o toque dele sobre seu braço a atingiu como uma corrente elétrica, das que se repelem. Ela reuniu os resquícios de sua força e lançou a mão sobre ele, as unhas atingindo-o em cheio no lado esquerdo do rosto, deixando bem estampado um rastro de sangue vermelho vivo.

– Não se aproxime de mim – rosnou, virando as costas outra vez. Passou pela porta de entrada sem correr. Se Alfonso a seguisse, ela seria capaz de entrar numa luta corporal com ele. Contudo não foi necessário. Ele se recostou ali, com uma mão sobre o rosto, simplesmente observando-a se afastar.

Ela não sabia definir o que estava acontecendo dentro dela. Era como se algo se partisse em um sem número de pedaços, sem possibilidade de reparo. Não sabia o que fazer. Definitivamente, não sabia. Era a palavra que a resumia naquele instante: perdida.

Ruas de OutonoOnde histórias criam vida. Descubra agora