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O sol nascia timidamente quando Anahi e Alfonso dormiram, ele aconchegando-a sobre seu peito, as pernas perfeitamente entrelaçadas. Perto do meio dia, ele abriu os olhos primeiro. Tentou se mover, mas seu abdômen doía, assim como os músculos dos braços. Uma dor gostosa que o levou a sorrir, recordando-se das exigências da noite anterior. Anahi quisera o pacote completo; a loucura por inteiro. Isso rendeu aos dois boas horas de sexo. Ele não oferecera trégua e ela não protestou contra isso. Sentia-se terrivelmente feliz.
Alfonso fungou no pescoço de Anahi que, a propósito, carregava marcas de sua boca sedenta, mas ela não se moveu. Ele podia entender. Parecia exausta, dormia profundamente. Ele a colocou de lado no colchão, num espaço só para ela e, ainda assim, Anahi não acordou, simplesmente se aninhou melhor nos travesseiros, resmungando.
De pé, Alfonso lavou o rosto com água fria e se enrolou num roupão azul marinho comprido. Fazia o mínimo de barulho possível a cada passo que dava, inclusive ao destrancar a porta do quarto e sair. Ele ordenou que uma empregada chamasse Margot e esperou de braços cruzados que ela aparecesse, apoiado na soleira da porta. Trazia um esboço de sorriso nos lábios e aquilo intrigou a idosa assim que ela surgiu na outra extremidade do corredor, tranquila.
– Pois não? – perguntou ela, cumprimentando-o com um aceno servil. Alfonso achava aquilo uma atitude extremamente irônica. Anos atrás ele era quem agia daquela maneira submissa cada vez que Margot lhe dava uma bela bronca, deixando-o desapontado – Anahi precisa de alguma coisa?
– Como você é engraçada, Margot – ele riu. Ambos sabiam que caso Anahi precisasse de algo, ela seria a última pessoa a quem Alfonso solicitaria – Certas coisas não se perderam com o passar dos anos, não é?
– Tem razão – concordou com um sorriso – Outras, surpreendentemente, pioraram.
Alfonso rolou os olhos, enfadado, ao perceber que a mulher estava se referindo a ele.
– Escute, eu lamento bastante pelas circunstâncias do nosso reencontro e também pelos constantes embates. Acredito que também lamente o quão insuportável você foi. Mas... – ele ergueu os ombros e balançou a cabeça, resignado – O que podemos fazer? Somos diferentes agora, muito tempo se passou e, apesar disso, não vou julgá-la por haver acreditado que eu poderia ainda ter algum resquício daquele garoto de quinze anos atrás.
– Engano seu, Alfonso – ela respondeu, plácida – Ficou claro para mim, desde o primeiro segundo de sua volta, que não há sequer uma sombra daquele garoto.
– A sua insolência me faz perceber quão fáceis ficarão nossas vidas a partir de agora, Margot. Não precisaremos mais nos aborrecer, então esqueça essa arrogância – disse ele, abraçando-a pelos ombros. Ela franziu o cenho. Alfonso começou a andar pelo corredor, levando-a junto, afastando-os da porta do quarto – Agora, por ser uma pessoa tão especial para mim, quero designar a você uma função importante.
– Tal qual polir os quadros de Arthur para que eu fique afastada de Anahi? – perguntou, fazendo Alfonso soltar uma risada.
– Bem lembrado. Você conseguiu me deixar sem reação, Margot, e acho que isso merece reconhecimento. Não é todo dia que uma mera empregada age como se eu não pudesse realmente acabar com a sua vida inteira apenas escurraçando-a para fora de minha casa.
Pela primeira vez em muito tempo, a criada sentiu um arrepio percorrer sua espinha ao ouvi-lo dizer aquilo. Alfonso sempre pareceu um homem capaz de muita coisa; um homem que realmente acreditava que os fins justificavam os meios, mas não o julgava insano o suficiente para expulsá-la da mansão, onde ela morara mais da metade de sua vida e onde muitos desses anos foram dedicados a cuidar dele.
– O que te fez segurar a língua com Anahi, afinal? – ele perguntou. Margot afastou o braço dele de seus ombros, sentindo-se triste e enojada.
– Eu não quero vê-la sofrer, embora agora ela esteja fadada a isso. Não quero ficar longe dela e deixá-la sozinha com você – disse de queixo erguido – Arthur gostaria que eu fizesse isso, apesar de nunca haver imaginado que um dia alguém precisaria proteger Anahi de você.
– E o que fez foi maravilhoso, Margot. Me deixou contente, afinal eu também nunca quis vê-la sofrer. Você acompanhou o quanto eu a fiz feliz, você viu isso todos os dias. No entanto agora...
– Agora você não vai hesitar em finalmente fazê-lo.
– Como você percebeu tão rápido? – ele perguntou, interessado na conversa – Falo de toda essa história de um casamento manipulado e isso...
– Eu sempre fui muito mais esperta que você – ela pontuou, séria. Alfonso rolou os olhos – Quando você me questionou sobre a filha de Arthur eu realmente não havia pensado que algo de mau aconteceria. Pensei que estivesse curioso. Mas então, de repente, você estava casado com ela e não permitia que eu me aproximasse. De algo você tinha medo, a sua cara de culpado ainda é exatamente a mesma.
– Interessante – ele sorriu.
– Estando próxima de Anahi e sendo a única pessoa nessa casa a realmente se importar com ela, acabei descobrindo que ela sabia sobre Arthur, mas tratava dele como se ainda estivesse vivo. Você mentiu absurdamente, Alfonso – Margot acusou – As coisas não demoraram muito a fazer um completo sentido. Afastá-la de mim era sua maneira mais eficaz de evitar que ela descobrisse sobre Arthur e sobre você, sobre essa propriedade, sobre a herança que deveria ser dela.
– Bom, então tenho uma excelente notícia para vocês duas – Alfonso disse, tranquilo – Eu e Maite partiremos no trem das dez. Você terá até as nove da noite para reunir todos os nossos objetos pessoais em algumas malas. Os meus e os de minha irmã.
Fitando Alfonso, Margot engoliu em seco. A notícia de que ele ia embora a colocou em alerta.
– E a mansão? Será abandonada outra vez?
– Não. Terá um novo dono.
– Você vai vendê-la?! – ela questionou, incrédula, e Alfonso riu. Lembrava-se de ter tido uma conversa parecida, com Manzinni. O espanto no rosto dos dois era igual – Devo perguntar se Anahi concorda com isso ou estarei sendo inocente demais?
– Deve perguntar apenas o que for da sua alçada, Margot – ele retrucou – Mas o que você pensa que sou? Um golpista? Por que me julga assim? Essa mansão sempre foi minha. Simplesmente fiz com que ela voltasse para minhas mãos.
A mulher balançou a cabeça em negação, com um ar reprovador, indignado e furioso, e Alfonso se deliciou com a expressão, sorrindo para ela. Ela com certeza havia entendido, desde que resolveu juntar as peças de toda aquela história, que a propriedade interessava a Alfonso muito mais do que aquele casamento. No entanto, jamais poderia imaginar que ele reverteria tudo a seu favor tão rápido; jamais poderia supor que ele iria tão longe por sua glória mesmo que ela significasse a ruína de Anahi. Ela realmente não esperava que ele fosse deixá-la de uma forma tão desumana.
Uma infinidade de perguntas riscou sua mente conturbada. Certamente Margot havia deixado escapar detalhes que denunciariam Alfonso. Mas isso não interessava agora. Ela precisava retomar o tempo que havia perdido.
– Está bem, Alfonso – assentiu – Antes mesmo do seu prazo tudo estará pronto.
Depois disso, Margot virou as costas e sumiu no outro extremo do corredor. Alfonso simplesmente voltou ao quarto e tratou de acordar a esposa. Explicou, durante o banho, que ela já tinha o vestido para usar naquela noite, mas precisava dos demais adereços e teria de se aprontar para o jantar em outro lugar.
– Agnes vai acompanhá-la – disse ele, massageando-a nos ombros. Anahi estava penteando os cabelos úmidos de frente a penteadeira quando parou, suspirando – Você pode comprar o que quiser.
– Isso é mesmo necessário?
– Sim, meu bem – Alfonso reforçou, deslizando os dedos ao longo da clavícula da esposa – A mansão vai estar em polvorosa. Distraia-se.
– Depois desse jantar, você será todo meu? – ela perguntou, manhosa, fitando o marido através do reflexo. Os olhos azuis brilhantes e sedutores fizeram os músculos de Alfonso ficarem rijos.
– A noite passada não foi o suficiente, Ana? – perguntou, arqueando uma sobrancelha. Ela balançou a cabeça negativamente, levando Alfonso a gargalhar – Nesse caso, serei todo seu.

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Ruas de Outono
Fanfiction[CONCLUÍDA] *** Londres, 1874 Alfonso massageou a densa cascata de cabelos dourados que caía sobre o travesseiro ao seu lado. Anahi estava adormecida há algum tempo, imersa em um sono profundo, enroscada nos alvos lençóis de seda. Enquanto isso, el...