Capítulo 061

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Anahi e Alfonso não estavam necessariamente em pé de guerra, porém isso também não implicava que estavam vivendo um romance shakesperiano. Para muitos casais isso seria apenas o óbvio. Para eles, no entanto, não estar em conflito em tempo integral significava muito. E Anahi sentia um medo profundo do resultado daquilo, mas Alfonso traçava apenas caminhos de ida; ela não sabia voltar, o máximo que podia era andar em círculos até que, mais uma vez, sua mente reservasse certos pensamentos a um lugar onde não pudessem ser lembrados.

Por vezes passava as noites em claro, fitando o rosto cansado do marido ao lado do seu enquanto ele dormia, tentando entender porque permitira que ele estivesse ali e porque não o acordava para que ele saísse de sua cama se ali não era seu lugar, se nunca ficariam realmente juntos. Mas quando ele abria os olhos, era determinação que Anahi via e era isso que ele usava para não deixá-la fugir. Funcionava. Desgraçadamente, sempre funcionava. No fundo Anahi seguia na torcida de que aquela relação se sustentasse daquela maneira durante muito e muito e muito tempo... Queria aquela estabilidade. Ela já havia ouvido diversas vezes que casar por amor era um erro. Bem, havia sentido na pele, mas ainda tinha como recuperar o tempo perdido e permanecer casada por ser simplesmente racional.

Dulce não gostou do que ouvira, embora Anahi parecesse confiante em dizer que seu coração não estava vulnerável. Ela sabia que era mentira e não economizara em tentar deixar isso claro. "O que você está fazendo não é algo passível de ser ponderado, principalmente se você continuar cedendo assim", dissera Dulce, decepcionada, "Você não pode escolher o momento de entregar o coração. Simplesmente acontece. Mas há maneiras de se manter protegida e você está fazendo exatamente o contrário". A discussão acabou com a tarde de Anahi e, muito provavelmente, com toda a estabilidade das duas. Annie disse que estava passando mal, não queria mais ouvir. Também não quis encontrar-se com Ian naquela tarde. Ela não conseguiu sentir novamente a mesma emoção que a levara até ele da primeira vez. Aquilo parecia não ter mais sentido, era estranho, a motivação havia se perdido.

Ao longo dos dias, as coisas foram se amenizando, a rotina ganhava uma nova forma. Isto é, Anahi e Alfonso resolviam as diferenças na cama. Não que algum dos dois tivesse optado por esse tipo de relacionamento. Fora involuntário, inconsciente, acontecera aos poucos dia após dia. Alfonso percebeu que gostava daquilo quando Anahi cuidou dele a noite inteira depois de ter acertado uma escova em seu supercílio, abrindo um corte que sangrava sem parar.

Agora, nesta noite, ela estava penteando os cabelos quando a porta do quarto se abriu. No mesmo instante Anahi começou a ofegar. Alfonso sorriu para ela, cansado, largando uma pasta no chão. Ela colocou a escova sobre a penteadeira, olhou o relógio na parede, depois virou-se para ele.

– Estou em dúvida se devo cumprimenta-lo com "boa noite" ou com "bom dia" – disse, cínica. Alfonso riu, livrando-se do paletó.

– Boa noite, anjo.

– Mas também não sei o que há de bom. Pela quarta vez seguida eu jantei sozinha.

– Eu sei, sinto muito – ele suspirou ao mesmo tempo que esfregava os pés para tirar os sapatos – Por que ainda não dormiu?

– Porque meu marido é um cretino que me deixou na expectativa. Primeiro para jantar, depois para vê-lo chegar e terminar de abrir sua cabeça.

Ele riu outra vez, desabotoando os punhos da camisa. Anahi continuava sentada, ereta e irritada, dirigindo seu olhar mais furioso a Alfonso.

– Gosto quando você fala assim. "Meu marido".

– Onde você estava? – ela o ignorou, concisa.

– Você nunca vai conseguir controlar seus ciúmes, Ana?

– Nós já pulamos essa fase, Alfonso. Só quero saber que compromisso você considera mais importante que eu. Eu não sei se você se recorda, já que já faz tanto tempo... – dramatizou, debochada – Mas você costumava ficar comigo durante a noite.

– Possessiva – ele murmurou, divertido, abrindo os botões da camisa – Sabe que eu estava trabalhando – disse, puxando-a para cima. Anahi bateu contra o peito dele, sentindo-o estreitar os braços ao redor de sua cintura com o nariz se esfregando asperamente no vão do seu pescoço.

– Não, Alfonso... – ela protestou, empenhando força em mantê-lo afastado. Mas ele arranhou sua pele com os dentes e ela amoleceu com um suspiro de rendição. No entanto algo estava diferente. O cheiro dele, talvez. Anahi começou a farejar o ombro da camisa do marido, confusa. Depois o empurrou com um solavanco – Você está cheirando a mulher! – acusou, transtornada, pegando o tecido com desprezo – E está sujo de batom!

– Estou cheirando a uvas e sujo de vinho, Anahi – ele explicou, exasperado, passando uma mão no cabelo. Anahi fechou os olhos com força, tentando conter a raiva, a desconfiança, o ciúme... Todas as coisas que ela não deveria demonstrar. O controle ameaçava escorregar das suas mãos, como Dulce previra, e isso a apavorava. Por isso outra vez ela recuou, acalmando-se.

– Anjo, você continua estressada – ele enunciou. Quando Anahi abriu os olhos, ele estava perto, massageando a tensão em seus braços – Depois dê uma olhada no colar que eu trouxe para você e se acalme. Eu o quero enfeitando esse decote lindo amanhã a noite.

– Onde? – perguntou, afastando os dedos que ele usava para provocar a pele sobre seus seios. Alfonso soltou um riso fraco, mordendo os lábios.

– Vamos a um evento. Se precisar de um vestido novo, pode comprá-lo pela manhã.

– Não preciso de um vestido novo – dispensou, séria – Preciso do meu marido para ir para a cama.

Alfonso deu um semisorriso malicioso.

– Quer que eu a leve para a cama? – perguntou. Anahi assentiu, tranquila – Não tenho direito sequer a um banho?

Ela então negou e Alfonso alargou seu sorriso. Ele só terminou de tirar a camisa e foi até ela, erguendo-a do chão para colocá-la enlaçada em sua cintura. O resto da noite seguiu como os dois gostariam que seguisse, um ao lado do outro.

Ruas de OutonoOnde histórias criam vida. Descubra agora