(...)
Alfonso voltou a mansão e quando chegou seu corpo tremulava, antecipando o embate com Anahi. Não podia saber o que o esperava; nem em relação a ela e nem a si mesmo. Não tinha um plano para ela como tinha com Ian. Mas sabia que queria ouvir qual justificativa esfarrapada ela teria a dar, mesmo que estivesse muito inclinado a não dar a menor importância. Queria assisti-la se explicar, se desculpar, demonstrar ciência de que não poderia brincar dessa forma uma segunda vez, e prometer que não o faria nunca mais. Era o mínimo que ela poderia fazer a respeito do que acontecera e era também a única expectativa que tinha. Mas pra isso, Alfonso precisava ser duro com Anahi como nunca havia sido antes.
Ele acenou para o capataz, que assentiu, entendendo sua ordem silenciosa. O homem começou a abrir caminho pelas árvores do jardim, seguindo a trilha até o lago. Alfonso, por sua vez, rumou de volta para casa, sem titubear. Era isso. Se iriam começar a se ferir novamente, ele não aceitaria sair perdendo.
[...]
Maite chegou ao lago depois de um bom trecho de caminhada. Os empregados, parecendo saber da tempestade que viria, estavam por toda parte. Ela nem sabia que havia tantos deles até essa manhã.
Uma caixa de cartas e uma capa, era tudo o que Anahi precisava. Ela repassou mentalmente seu objetivo, cruzando o caminho de árvores altas até chegar a casa em frente ao lago. Contudo, no mesmo instante que pretendia entrar, um homem saiu, parecendo afobado, com pressa. Os dois se assustaram. Ela o conhecia: um dos capachos de Alfonso. Ele a encarou, mudo, sem lhe dar passagem. E mais que isso: parecia que essa era exatamente sua intenção, impedi-la de entrar. Maite não entendeu a petulância.
– Saia da frente – ordenou. O homem pigarreou, sério, mas ainda servil.
– Eu não entraria aí, Sra Perroni.
Ela ergueu uma sobrancelha.
– E por que pensa que pode me dizer o que fazer? Nem sequer sei porque está dirigindo a palavra a mim.
Ele assentiu, deixando que a morena passasse. No entanto, ela se travou na porta, incrédula, pondo uma mão sobre a boca. Depois deu três passos cegos para trás. Quando finalmente se recuperou do choque, agarrou a saia do vestido e correu, voltando a casa. E quando cruzava o jardim de entrada...
– Maite – Alfonso chamou, severo. A morena estancou, olhando para trás, os cabelos ricocheteando no ar. O que viu quase a matou de susto – Se vai se meter nisso é bom que saiba que não vou poupá-la também – avisou, apontando o dedo em riste para ela.
Maite sentiu o coração encolher, olhando-o. Ele estava revoltado, muito machucado - e era claro que não só fisicamente -, as feições desfiguradas pela raiva que sentia. Ela sabia que aquilo era puro desespero, ego ferido. Por conhecê-lo, ela sentia o próprio peito cheio de um sentimento com o qual era muito difícil lidar: queria ajudá-lo porque o amava, mas não podia porque odiava tudo o que ele havia feito e era hora de deixá-lo sozinho para perceber a gravidade disso tudo.
Ela o olhou uma última vez, balançando a cabeça em negação, desolada. No fundo, sentia pena do homem que ele havia se tornado.
Maite voltou a virar as costas e aquilo significava muito para Herrera. Ela sempre estivera disposta a lhe dar a mão, a ampará-lo quando precisava. Ela sabia exatamente quando ele mais precisava. E estava precisando agora, mas dessa vez ela não fizera nada além de correr para longe.
– Maite! – ele gritou, contrariado, as cordas vocais tremendo. Em resposta, ela correu o mais rápido que podia, deixando-o para trás.
Minutos depois, alcançou o quarto onde Anahi e Dulce esperavam. Estava branca feito leite, com uma mão sobre o peito que subia e descia em ofegos. A loira terminava de fechar sua mala e a olhou com uma expressão expectante e especulativa.
– Annie – Mai sussurrou, soando apavorada – Alfonso voltou. Está furioso e banhado em sangue.
Anahi engoliu em seco.
– Espero que seja o dele – desabafou, insegura – Certo. Preciso de ajuda para recolher isso e sair. Sairei pela porta dos fundos. Onde está o que eu lhe pedi?
– Bom – a morena começou, nervosa – Não pude entrar lá.
– Por...?
– Veja só.
Maite apanhou a cunhada pelos ombros e a direcionou a janela, afastando a cortina para que Anahi pudesse ver. Preferia assim, pois não tinha forças para dizer, sentia-se quase responsável por tudo aquilo. Anahi viu uma densa fumaça despontar por sobre a copa das árvores, a uma longa distância, e uma tontura a consumiu inteira, fazendo seu corpo amolecer e os joelhos fraquejarem. Não podia ser... Teria que estar enganada.
– Você quer me dizer que isso... – ela limpou a garganta, paralisada – A casa no lago está pegando fogo?
– Eu lamento – Maite pediu, atormentada – Me desculpe pelo que está acontecendo. Mil vezes me desculpe.
Os olhos de Anahi marejaram, enchendo-se de lágrimas, a fumaça refletindo nas suas íris encharcadas. Ela olhava como se fosse uma cena irreal. Abriu a boca, pensando em gritar, explodir num choro convulsivo ou qualquer coisa que tirasse aquele peso do seu peito, mas nenhum som saiu, nem isso conseguiu. Sentia-se morta, tomada pelo sentimento mais frio e poderoso que já havia experimentado desde que pisara naquela mansão: ódio. Letal, sufocante. Ela não se permitiu chorar; não se permitiu deixar que Alfonso a atingisse mais uma vez, mesmo que esse golpe fosse duro demais. Aquilo era simples matéria. Saberia suportar isso também.
Anahi ergueu o queixo e respirou fundo. Aquele era o único momento que ela teria para não pensar em nada além do exato presente. O futuro, apesar de incógnito, seria melhor longe de Alfonso. Saber disso manteria sua cabeça em ordem.
Estava prestes a sair do quarto quando um estrondo no corredor a sobressaltou. Ela imaginou o que seria - só poderia ser ele -, então simplesmente esperou, fitando a porta. Estava pronta para o que viesse, fosse o que fosse.

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Ruas de Outono
Fanfiction[CONCLUÍDA] *** Londres, 1874 Alfonso massageou a densa cascata de cabelos dourados que caía sobre o travesseiro ao seu lado. Anahi estava adormecida há algum tempo, imersa em um sono profundo, enroscada nos alvos lençóis de seda. Enquanto isso, el...