Capítulo 068

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***

Margareth se ocupou com coisas da casa e Judith havia finalmente sumido. Depois de horas de conversa, Dulce se esparramou sobre a cama da loira, suspirando.

– Ele gosta de você – disse ela – Eu vejo.

Anahi, que rodava a esmo pelo quarto, os braços cruzados e a cabeça a quilômetros dali, parou, virando-se para a amiga.

– É claro que ele gosta de mim, se não não estaria fazendo tudo isso. Eu também gosto dele – afirmou, séria. Dulce a olhou sobressaltada, então a loira tratou de explicar: – Somos amigos, gostamos um do outro.

– Ora, não banque a sonsa! – a ruiva protestou, maliciosa – Sabe do que estou falando.

– Não sei e não quero saber.

– Annie, ele já tem o testemunho de Margot, a papelada, as provas que serão apresentadas. Está tudo certo esperando por você desde muito tempo – Dulce observou a expressão de Anahi mudar para uma de nervosismo e acrescentou: – Mas... Acho que se você não quiser insistir nesse litígio, você pode sugerir que fujam juntos.

Novamente Anahi encarou Dulce, uma expressão incrédula cobrindo seu rosto.

– Como é que é?!

– É isso! O divórcio é um processo muito turbulento, que demanda bastante tempo. Deixar tudo para trás e sumir é mais fácil. Ian te ampararia em tudo o que você precisasse! Ele tem muito dinheiro, conhece as leis e tem contatos importantes.

– Você não é a mesma de antes. Definitivamente – acusou, sorrindo pelo nervosismo – Mas e então? Nós fugiríamos do país e construiríamos uma vida nova? E minha família? Meus amigos? Minhas memórias? E a opinião dele sobre isso?

– Suas memórias estão sujas.

– Tudo bem, mas e todo o resto? – Anahi replicou, insistente – Margareth e John nunca aceitariam que eu fizesse isso e eu não poderia simplesmente sumir sem lhes dar uma explicação. Eles são minha família. Contar para Margareth significaria contar para Judith e isso implica que a cidade inteira saberia de tudo em menos de 2 horas.

– Mas você nem estaria mais aqui...

– Dulce, não lhe ocorreu que, se fizéssemos tal coisa, Alfonso estaria em seu perfeito direito de manter contra Ian e eu uma ação judicial? – ela perguntou, exasperada – E acha mesmo que estou preparada para mencionar isso numa corte civil? Que sou uma verdadeira tonta, que fui enganada e que sigo dormindo com um homem que me maltrata porque ele mantém minha vida estável dentro do possível? Acha que estou pronta para me humilhar publicamente, admitindo tal coisa? E que, como se não bastasse, planejei fugir com outro?

Anahi estava sem fôlego quando terminou de falar e Dulce não sabia necessariamente o que deveria responder, pois não tinha nada a contestar. A loira precisou de um generoso gole de água depois do que dissera. Sua boca estava seca de nervosismo e desespero. Dulce passou a mão sobre as costas de Anahi numa demonstração carinhosa de apoio.

– Eu não vou embora como uma foragida – a loira continuou – Eu vou insistir no litígio e, com a ajuda de Ian, garanto que vou ganhar.

– Ok – disse Dulce – Você precisa repassar seu testemunho junto com o de Margot antes de apresentá-los ao tribunal. Então quando acha que podemos encontrá-lo?

Anahi titubeou, respirando fundo.

– Dentro de três dias, às sete da manhã, logo assim que Alfonso sair para trabalhar.

– Ótimo! Sinto que isso vai... – Dulce interrompeu o seu entusiasmo quando Anahi espalmou fortemente a mão na sua boca, calando-a. A loira pediu silêncio e aguçou a audição. Dulce franziu o cenho e fez o mesmo, esperando, assustada.

Então Annie foi até a porta a passos silenciosos e, quando alcançou a maçaneta, girou-a com a rapidez de uma águia, encontrando Judith a pouquíssima distância dali. A morena, de olhos esbugalhados, estagnou no meio do corredor.

– Você estava ouvindo atrás da porta? – Anahi indagou direta, o rosto ganhando uma coloração vermelha pela raiva. Judith franziu o cenho.

– Eu estou indo para o meu quarto, sua maluca.

– Você estava ouvindo atrás da porta!! – dessa vez a loira acusou, enfurecida, o dedo em riste e o coração descompassando pelo nervosismo de pensar que a outra poderia ter ouvido sua conversa – Será que só vai me deixar em paz quando eu finalmente enterrá-la a sete palmos do chão com minhas próprias mãos?!

– Você enlouqueceu! Isso sim! – a morena gritou, exasperada, recebendo um forte empurrão logo em seguida – Ai! Mamãe!

– Anahi! – Dulce interviu, tentando conter a amiga – Calma, pelo amor de Deus!

– Sua víbora! – Judith cuspiu enquanto massageava o ombro dolorido – Eu não quero saber de nada da sua vida fingida e sem graça!

Com uma careta de dor, a morena correu para longe da vista de Anahi, sumindo em uma das portas do corredor, deixando a loira petrificada e em choque ali mesmo. Anahi arfou, trêmula. Maldita hora em que havia sentido um mínimo de segurança em seu futuro e esquecido de ser mais cautelosa.

– Ela ouviu – murmurou, perturbada, a respiração falha – Ela ouviu tudo.

– Ela não ouviu – garantiu Dulce – Acha que já não estaria ameaçando a sua vida inteira se tivesse ouvido algo?

Anahi olhou a amiga, tentando assimilar. Sequer conseguia recuperar o ritmo da respiração, menos ainda ter certeza do que Dulce tentava, quase inutilmente, lhe garantir. Não queria imaginar que Judith podia ter escutado uma vírgula sequer de sua conversa. Sentiu vontade de desmaiar apenas com a hipótese.

– Não sei – titubeou, insegura.

– Ela não ouviu, Annie – a ruiva reforçou – De qualquer forma, temos que pensar positivo.

A loira piscou, sentindo seu otimismo tentar renovar seu corpo e sua energia. Realmente queria pensar positivo. Precisava disso.

Ela cobriu o rosto com as mãos e fechou os olhos. A perspectiva de mudar definitivamente sua vida a encheu novamente de esperança. Anahi respirou fundo e lembrou-se do porquê daquilo tudo: retomar seu controle, sua autonomia e, sobretudo, o sentido de ser quem era, quem sempre foi e queria voltar a ser.

– Chega – disse ela – Não posso mais me sentir assim. Eu juro a você que vou mudar a minha vida.

Dulce abriu um sorriso tímido que foi se alargando e energizando Anahi. A loira suspirou, convencendo-se daquilo. Imaginou-se em sua mansão, cuidando do seu jardim, cozinhando para sua família e até enchendo a casa de animais. Poderia trabalhar, abrir uma floricultura, fabricar chocolates ou até mesmo vinho... Poderia se casar novamente, ter filhos. Poderia amar alguém que fosse generoso e justo com ela. Riu baixinho, dirigindo um olhar cúmplice a Dulce. Era isso que queria. Não aceitaria nunca menos do que aquilo.   

Ruas de OutonoOnde histórias criam vida. Descubra agora