Capítulo 032

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***

Anahi girou a chave na fechadura, abrindo a porta desgastada que pairava trancada a sua frente. As dobradiças rangeram em alto volume e ela sentiu um forte cheiro de bolor se espalhar pelo ar, substituindo o aroma de jasmim. Resmungou, abanando uma mão freneticamente frente ao rosto.

Apanhando a lamparina que Margot deixara, Anahi enxergou precariamente muito mais delas espalhadas ao longo da parede. Dessa forma, acendendo todas juntas, vislumbrou uma porção de objetos que se acumulavam empoeirados a sua frente. Pareciam estar ali há meses. Quadros, baús, cadeiras, uma mesa repleta de papéis. Em cima dela, caixas. Caixas e mais caixas. Um cabide comprido de onde pendia uma capa; sapatos, botas sem par e bolas pelo chão.

Anahi aproximou-se da mesa, incerta. Não sabia o que deveria fazer, como começar. Era difícil encontrar uma resposta quando ela não sabia o que estava tentando descobrir.

Ela abriu a primeira caixa com a ponta dos dedos e uma boa porção de poeira deslizou da tampa para a mesa. Haviam lenços cujas principais arestas traziam a letra "A" bordada em letras elegantes. Ela franziu o cenho.

Na próxima, uma infinidade de cartas e, curiosamente, uma delas endereçada a...

– Arthur – ela murmurou, lendo o envelope – Ah, meu Deus...

Com as mãos trêmulas de afobação, Anahi conferiu os demais envelopes e descobriu que exatamente todos estavam endereçados a ele.

Involuntariamente sentiu o coração ganhar velocidade no peito. Ela havia prometido a si mesma que o esqueceria. Mas agora estava diante de um pedaço da vida de Arthur; uma evidência sólida pela qual ela ansiara e nunca conseguira ter. Não podia simplesmente ignorar aquilo quando estava ao alcance de suas mãos. Esperara por isso durante uma vida inteira!

Ela largou-se em uma cadeira, não se importando com a sujeira abaixo do seu vestido, despejando todo o conteúdo em seu colo. Nervosa e estremecendo por completo, observou a primeira carta. Abriu o envelope e desdobrou o papel com delicadeza, passando os olhos de maneira rápida. E então, no fim, algo que fez lágrimas inundarem seu rosto... Anahi resfolegou, angustiada, sentindo o choro brotar em sua garganta. Ela passou os dedos pela letra perfeita, mal podendo acreditar no que lia.

"Com todo o meu amor,
Felicity".

Antes de prosseguir, Anahi fechou os olhos e respirou fundo ou jamais conseguiria.

– Querido, Arthur – começou, a voz embargada – Eu não sei como poderei continuar a visitá-lo. As coisas parecem impossíveis por aqui. Mas sei que posso fazer o que for necessário por ti, meu amor...

Anahi perdera a noção do tempo. Simplesmente devorara tudo, o rosto banhado em lágrimas. Algumas vezes sorria, mas mesmo o riso doía cruelmente. Não de tristeza, porém, pois era incrível sentir o amor dos seus pais; e sim de saudade. Uma saudade estranha de uma coisa que ela nunca teve, nunca presenciou. E era exatamente por isso que chorava: pela vida ter se encarregado de privá-la daquilo tudo.

Ao terminar a caixa, Anahi foi em busca de mais. Apreensiva, ela sacudiu a capa de Arthur e sorriu ao imaginá-lo proteger sua mãe da chuva com aquilo, como ela afirmou que ele fizera uma vez. Na gola da capa, pelo lado interior, havia mais algo bordado com a mesma letra elegantemente traçada dos lenços: Arthur Herrera.

Ela piscou, paralisada. Teve de ler outra vez, mas era exatamente aquilo, não havia se enganado.

Arthur Herrera.

Herrera.

Atordoada, ela começou a revirar tudo o que encontrava pela frente.

Então vieram as constatações, uma a uma.

As gravatas traziam, também na parte interior, "A.H.". Os travesseiros velhos, "Arthur Herrera". As toalhas igualmente. Mas o tabuleiro de xadrez... Este trazia "Alfonso Herrera" desenhado em letras garrafais na madeira frágil e clara. Bem como o taco de beisebol, as luvas, o boné... O nome de Alfonso estava estampado em tudo aquilo e Anahi via as coisas a seu redor como se girasse vertiginosamente em uma história de terror.

Ela cobriu a boca com as duas mãos, atormentada, o cenho franzido e os olhos reluzindo pelas lágrimas que, mais uma vez, voltavam a cair. Gemeu, sentindo-se fraca, zonza, a visão subitamente desfocada. A realidade caía sobre ela como um impacto. Por algum motivo que desconhecia fora enganada. Completamente. Alfonso mentira.

Um ódio fulminante veio invadindo seu corpo, sendo precedido apenas pela crescente decepção. As unhas de Anahi apertaram-se contra a própria palma de sua mão até causar-lhe dor e um grito ensurdecedor nasceu e escapou pela sua boca, deixando-a vermelha, rouca.

Anahi saiu dali pisando forte no chão e não levava apenas sua dor lancinante, tinha nos braços também os objetos de Alfonso. O vento frio batia contra seu rosto; gelado, impiedoso. Os cabelos caíram do penteado e pareceram pesar, bem como os seus músculos fracos e completamente estremecidos. As lembranças apenas nutriam sua ira, impulsionando-a cada vez mais furiosa, embora por dentro se sentisse desmoronar, sem forças.

"– Há quanto tempo você o conhece?

– Não o suficiente. Além disso, tudo o que conversamos é sobre trabalho."

Ela engolia cada soluço e cada evidência como quem engole um punhado de vidro. Sabia agora de mentiras cruéis e deslavadas. Sabia das omissões, das tantas vezes em que Alfonso ocultou o que dizia não conhecer. Sabia que, usando tudo isso, ele a impedira de procurar pela sua própria história e, mesmo que ela não conhecesse os motivos, sabia também que ele não tinha esse direito. Nunca teve. Deus, jamais o perdoaria por isso.

Anahi adentrou na sala de estar. O vestido imundo, os cabelos soltos e as coisas despencando de suas mãos escuras sem que ela se importasse com isso. Estava cega pela raiva. Em poucos segundos subiu as escadas. Margot estava lá para ver e o sentimento de piedade que sentiu ao olhar para Anahi fez seus olhos ficarem marejados. Mas ela não se moveu. Anahi precisava fazer aquilo sozinha.

Dois andares acima, Anahi sequer precisou chegar até o escritório de Alfonso para encontrá-lo. Ele estava vindo em sua direção, no outro oposto do corredor, o sorriso alegre diminuindo tal qual a distância entre os dois.

– O que... – ele murmurou, franzindo o cenho ao encará-la – O que aconteceu com você, Ana?

A resposta dela veio na forma de uma pequena luva de beisebol desgastada sendo arremessada em sua direção. Alfonso baixou os olhos e fitou o objeto. Quando os ergueu novamente para Anahi, entendeu perfeitamente o que estava acontecendo. O momento da verdade chegara.

Ruas de OutonoOnde histórias criam vida. Descubra agora