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Anahi despertou confusa, minutos depois de Alfonso deixar o quarto. Quando viu as enfermeiras ao seu redor, começou a se situar, aos poucos, e sua expressão mudou para uma de reconhecimento. Maite, sentada ao seu lado, reagiu sorrindo ao vê-la abrir os olhos.
– Bom dia, Annie – desejou, acariciando a mão da loira - Dormiu bem?
Anahi assentiu, muda. Pensou com amargura que havia dormido tão bem que era melhor não ter acordado para não ter que se deparar com os fatos. Mesmo assim não externou nada além das mensagens que seus olhos inevitavelmente transmitiam. Calar seus sentimentos faria com que as pessoas não insistissem no assunto, a ajudaria a não estar constantemente lembrando-se deles, até que finalmente eles não pudessem mais fazê-la sangrar.
Do lado de fora, Alfonso apoiou as costas na parede do quarto, deixando os ouvidos atentos a conversa. A chance de Maite lhe confidenciar algo sobre Anahi era quase inexistente e ele precisava saber como ela estava se sentindo, mesmo que por meios não tão leais.
Ele as ouviu conversarem sobre o estado físico e psicológico de Anahi, sobre o castigo de Judith, sobre a visita de Ian - o que deixou Alfonso especialmente incomodado. Por vezes elas riram, por vezes lamentaram. Até que Maite perguntou:
– Por que não chamou?
Seu tom de voz era de alguém incrivelmente machucado. Mai havia chegado no ponto que queria e que mais a angustiava. Anahi ergueu os olhos e encontrou a morena com o rosto franzido e molhado, e subitamente entendeu. Alfonso prendeu a respiração.
– Se Margareth não tivesse escutado a janela, talvez nem mesmo você estivesse aqui - completou - Podia ter gritado, Annie. Por que não gritou?
– Porque queria perdê-lo, preferi que fosse assim – Anahi disparou, fria, exausta de tantas incertezas – Eu sabia que não conseguiria sozinha e sabia que não conseguiria voltar para ele. Não aguentava mais supor e ilusionar. Acabou, Mai. Estou melhor agora.
Maite simplesmente balançou a cabeça, tentando não transparecer a tristeza que ela mesma sentia. Não queria afetar a loira. Apesar de tudo, a perda era de Anahi e ela tinha total direito sobre suas reações. Somente ela podia decidir como era capaz de lidar com aquilo. Aos demais cabia apenas apoiá-la e compreendê-la. Maite esqueceu por um momento, porém, que aquela perda era também de Alfonso.
Ao lado da porta, ele se flagrou arfando, sentindo uma parte de si morrer. E não teve forças para ouvir além, aquilo já era forte demais. Descobriu que também não aguentava mais aquele sentimento. Sempre havia sido um homem confiante e seguro e agora qualquer mínima incerteza o fazia fraquejar, trazendo a tona lembranças e sensações insuportáveis.
Foi embora decidido a raciocinar sozinho, a traçar diferentes estratégias para alcançar um único objetivo: Anahi. Quando regressasse, seria para conversar com ela e expor tudo o que planejava para o futuro dos dois. Mostraria que não havia limites, que faria qualquer coisa que ela precisasse ou que quisesse para que pudessem ficar juntos, para esquecer o passado. Seria mais fácil sem que a angústia por vê-la tão fragilizada desviasse seus pensamentos.
Ou pelo menos assim esperava que fosse.
No quarto, Anahi correu os olhos pelo ambiente, observando as enfermeiras preparando receitas, conversando, fazendo anotações. Lembrava-se que a tia havia gastado muito dinheiro e que temia não conseguir pagar as visitas do médico, então de repente tinha enfermeiras de plantão em seu quarto e era como se estivesse em um hospital. Era estranho. Ela tinha suspeitas quanto a isso e esperava, honestamente, não confirmá-las.
– Quem as mandou? – ela questionou. A entonação de sua voz deixou as coisas muito claras para Maite.
– Ian – a morena mentiu – Ficarão aqui o dia todo até que você possa retomar sua rotina. O médico garantiu que será em pouco tempo.
– Quero que faça algo por mim – Anahi pediu. Mai balançou a cabeça.
– É claro, Annie.
– Não deixe Alfonso entrar – ela disse, incisiva – Se mandar presentes, jogue fora. Cartas, cartões, bilhetes, pode queimar. Não quero nada que me faça lembrar que ele existiu. Não deixe que nada chegue até mim, me esconda qualquer tentativa. É o mínimo – em seguida lançou a Maite um olhar duro que não deixava margens para dúvidas quanto a seriedade do seu desejo – Estou na minha casa e eu exijo.
Maite demorou a digerir, pensando honestamente em protestar em prol de Alfonso pelo menos uma vez. Mas no final cedeu ao pedido de Anahi, calada. E foi assim - exatamente como Anahi supôs -, que as coisas vieram a acontecer. Alfonso mandou flores, bilhetes, cartas, jóias, um milhão de caixas e um zilhão de presentes. Nenhum deles chegou a Anahi, nem sequer a notícia. Todos da casa pisavam em ovos para que ela não soubesse. Foi exatamente como Anahi havia previsto. Exceto por uma coisa. Ou melhor, uma pessoa.
Maite conhecia seu irmão como a palma de sua mão. Ele estava arrependido, embora nunca houvesse se declarado como tal. Distanciá-lo da esposa, impedindo que ele sequer tentasse se reaproximar, iria matá-lo. Se não de frustração então de fúria. Por isso não conseguiu negar que ele cuidasse de Anahi pelas noites, enquanto ela dormia. Agora que ela havia voltado à medicação, não acordava durante o sono. Levaria tempo até que Alfonso pudesse admitir abertamente seus erros; tempo suficiente para Anahi se recuperar. A raiva teria se dissipado, ela estaria disposta a ouvi-lo e gostaria do que iria escutar. Eles poderiam ter uma chance, um casamento normal, construído em cima de sentimentos reais. Mereciam isso. Era a esperança de Maite.
Ela começou, então, a manipular os dois. Os demais assistiam às investidas sorrateiras da morena, isentando-se de participar daquilo. Mas para Maite sua família era tudo o que tinha e vê-los como pontas soltas a fazia infeliz, portanto não pouparia esforços para uni-las novamente.
Pela manhã, antes de Anahi despertar, Maite despistava Alfonso e recolhia os presentes, que logo começaram a se acumular em outro quarto. Quando ele voltava na noite seguinte, tentava saber porque não estavam mais lá, e ela dizia que Anahi não podia guardar muitos objetos no quarto, por questão de saúde. Ele aceitava, sem tentar questionar. Depois começou a indagar sobre porque não podia vê-la acordada. Queria conversar, explicar, vê-la reagir a ele de alguma forma... E Maite lhe explicou que apenas quando ela estivesse recuperada. Aquilo tinha algo de sentido. Talvez sua ansiedade estivesse fazendo as coisas parecerem andar mais lentas que o real. Então ele também não discutiu; estava disposto a esperar.
Até que numa noite, muito perto de Anahi dormir, Alfonso chegou a sua casa e encontrou uma Maite pálida e gelada esperando na sala. Nervosa, ela o puxou pelo braço, tomando distância do quarto da loira.
– Anahi quer vê-lo – sussurrou, aflita – Pediu que eu o chamasse e... – ela se interrompeu, vendo Alfonso passar por ela de súbito. Uma onda de pavor a dominou e Maite o segurou novamente, tendo que empenhar força para conseguir pará-lo – Não esqueça que ela está se recuperando. E não estrague tudo, por favor.
Alfonso marchou para o quarto sem lhe dizer nada. Maite gemeu. Nem fazia ideia do que viria, Anahi havia se recusado a contar. Temia que fosse descoberta, porque caso isso acontecesse, não conseguiria mais intervir. E por isso temia, sobretudo, pelo futuro dos dois. Duas pessoas tão machucadas e cheias de traumas tinham grandes chances de se machucar ainda mais.
Alfonso estava sorrindo de antecipação antes mesmo de entrar no quarto e vê-la. Suas mãos suavam, frias. Ela o olhou sem esboçar reação e isso já era bom, porque pelo menos não o havia repelido. E embora a memória de Alfonso agora não conseguisse mostrar tudo o que ele havia planejado dizer, se ela quem o havia convidado amistosamente, então provavelmente aquela conversa teria um bom final.
O pensamento animou Alfonso, que alargou o sorriso à medida que diminuía a distância entre os dois. Ele aproveitou o estado inerte da loira para apanhá-la pelas mãos, beijando-a demoradamente nos nós dos dedos.
– Oi, anjo – murmurou, sentando-se ao seu lado na cama – Como você está?
– Bem – Anahi respondeu, tranquila, aceitando o carinho que ele fazia em sua bochecha.
– Ótimo. Parece melhor – ele disse, entusiasmado – Fico feliz em vê-la assim.
Anahi pigarreou, molhando a garganta.
– Chamei você para conversarmos sobre uma coisa – ela o viu assentir, parecendo maravilhado por estar ali. O olhar de Anahi endureceu, seu queixo se ergueu um nível mais e ela afastou a mão de Alfonso antes de continuar: – Eu quero o divórcio.

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Ruas de Outono
Fanfiction[CONCLUÍDA] *** Londres, 1874 Alfonso massageou a densa cascata de cabelos dourados que caía sobre o travesseiro ao seu lado. Anahi estava adormecida há algum tempo, imersa em um sono profundo, enroscada nos alvos lençóis de seda. Enquanto isso, el...