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Algumas semanas mais tarde, Alfonso despertou e viu que Anahi não estava ao seu lado e a porta estava escancarada. Ele praguejou, saltando da cama. Estava farto de brincar daquilo; era sempre a mesma coisa. Anahi se esquivava dele a todo instante, tratando-o como um bicho. Quando ela descobriu que ele havia proibido sua saída da mansão sem autorização, dera um escândalo maior que todos os outros. Desde então vivia fugindo, dando olés em todos com Scorpion, levando Alfonso ao limite da razão.
Porém naquela manhã ele não precisou de grandes esforços na busca por Anahi, pois ela estava na sala de entrada, tomando uma xícara de chá. Maite, ao seu lado, apoiava uma mão no joelho da loira, como se a consolasse, e trazia no rosto uma expressão de desolamento que mudou imediatamente quando viu Alfonso. Annie pôs a mão sobre uma lágrima em sua bochecha, mas o marido não disse nada. Era estranho, porque há muito tempo ele não a via deprimida assim. Estava sempre eufórica, tentando agredi-lo, amaldiçoando-o. Reagia com raiva a presença dele, não com tristeza.
– Fofocando a essa hora da manhã? – ele perguntou apanhando o que a empregada viera lhe oferecer. Ele sentou ao lado da irmã e ela balançou a cabeça negativamente, respirando fundo antes de virar-se para ele.
– Você é a pessoa mais egoísta que eu já imaginei conhecer.
Alfonso engasgou com o café, franzindo o cenho.
– Desculpe? – perguntou, sorrindo – Você não costumava levar tão a sério quando eu...
– Você não enxerga o sofrimento de ninguém, nem mesmo quando ele está tão próximo de você – Maite rosnou, dura. Alfonso simplesmente ouvia – Você deixa as coisas para trás quando elas não te servem mais. Os lugares, os objetos, as pessoas... Você abandonou Arthur para ir a Los Angeles. Você me abandonou para voltar. E você vai abandonar Anahi, vai fazê-la passar por isso outra vez. Você... – furiosa, ela apontou o dedo para ele – É um imundo.
Anahi arregalou os olhos e escondeu o sorriso por trás da xícara, bebendo seu chá. Alfonso piscou, paralisado. Maite não disse mais nada. Estava transtornada e não conseguiria ficar perto dele enquanto não se acalmasse. Ergueu-se do sofá e saiu dali.
– Nossa! – Anahi sussurrou – Ela reagiu pior que eu.
Alfonso olhou para ela, erguendo uma sobrancelha. Anahi não estava mais chorando. Na verdade, ele chegou a conclusão que ela já não estava chorando antes.
– Você não ia conseguir resolver entre nós dois? – perguntou, ultrajado.
– Lamento, Alfonso. Não consegui segurar – deu de ombros – Você sabe... Fofocas...
– Então você quer que esse casamento vire uma guerra, não é, meu bem?
Anahi riu, depositando sua xícara sobre a mesa de centro. Era a terceira, de chá de camomila. Ajudava a acalmá-la. De fato, ela se sentia calma.
– Você me chantageou. Era a única forma de me fazer ficar, então entendo perfeitamente – dispensou com um gesto quando Alfonso ia abrir a boca. Ele resolveu prestar atenção – Você precisou disso para que pudesse se olhar no espelho e me ver ao seu lado como se eu estivesse aqui porque quero. Só para se auto afirmar, para ter o ego acariciado. Você precisa de mim para tudo. Precisou de mim até para ter essa mansão. Perceba que quem não tem segurança é você sem mim – ela declarou e Alfonso se acomodou melhor no sofá, rindo – Pode ser que ninguém saiba disso, Alfonso. Mas eu sei e vou mostrar para você.
– E como vai ser, Ana? – perguntou, cético – Preciso estar preparado.
– Quando você me deixar partir, porque você vai deixar, então você vai ficar com tudo, mas não vai ter nada. Vai haver gente por todos os seus lados e você vai estar sozinho. Você pode ter até um sorriso no rosto, como o que tem agora, mas vai ser a pessoa mais triste e infeliz da face da terra.
Alfonso assentiu, mas Anahi sabia que ele estava debochando. E pela primeira vez, ela não se importava com isso, não queria avançar sobre ele e cravar as unhas em seu rosto. Era sua vez, então não ia perder o controle.
– E quanto tempo você me dá?
– Não tenha pressa, querido – ela retrucou – Cada coisa a seu tempo.
– Uhum – ele consentiu, absorvendo – O que você vai ganhar com isso tudo, meu anjo?
– Desde que você perca... Eu me sinto vitoriosa.
Alfonso riu alto, inclinando a cabeça para trás. Não conseguia dar atenção. Ele sabia como ela era cautelosa em tudo que fazia, como se preocupava com sua imagem. Se ele ameaçasse sujá-la mais uma vez, Anahi desistiria até de perder tempo dizendo aquelas besteiras. Mas seria divertido acompanhar, então ele não protestou.
– Como você é má, Ana! – acusou, divertido – Deus vai te castigar.
– Eu não quero ficar em desvantagem – ela sorriu, despreocupada – Eu vou jogar da mesma forma que você.
– Entendi – disse ele, inclinando-se na direção de Anahi. Buscou a mão da loira que trazia uma nova aliança ainda mais grossa que a de antes, mais apertada, mais cruel. Beijou-a delicadamente sobre os nós dos dedos e o sorriso de Anahi foi morrendo aos poucos – Você vai jogar da mesma forma que eu? Então acho isso ótimo. No meu jogo, nós podemos... Você sabe. Podemos fazer muitas outras coisas sem que isso signifique que estamos cedendo.
– Me larga – Anahi puxou o braço e levantou da poltrona, indignada, esfregando a mão no vestido – Nojento.
Ela saiu batendo pé e Alfonso relaxou no sofá, rindo. Se ela queria assim... Então assim seria.
Mais tarde, Anahi colocou todo o chá para fora. Era a única coisa que havia "comido" de manhã. Saíra da sala tão nervosa que aquilo revirou em seu estômago e ela tinha certeza que havia vomitado até a última gota. Alfonso saiu, como todos os dias, e mesmo assim ela não conseguiu escapar da mansão, tinha sempre um brutamontes em seu encalço. Dessa vez ele estava de braços cruzados na sua frente.
– Eu só vou até aquela casinha – Anahi explicou, angelical, apontando a instalação de madeira distante do quintal. O homem nem sequer olhou para trás. Uma vez ele fez isso e ela correu até sumir das suas vistas como mágica – Ok. Você pode me acompanhar se quiser.
Ele foi, atento em dobro. Anahi abriu a porta e sentiu o peito se encher de um sentimento diferente, um misto de bom e ruim, pesado e leve... Ela ficou boas horas relendo as cartas da mãe, observando as gravatas do pai. Parecia descobrir algo novo a cada vez que ia até lá. Ela se via ali, apesar de tudo, aquilo era parte da sua vida também. E agora acalentava, esquentava seu coração. Era bom. Alguma coisa naquela mansão parecia valer a pena.

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Ruas de Outono
Fanfiction[CONCLUÍDA] *** Londres, 1874 Alfonso massageou a densa cascata de cabelos dourados que caía sobre o travesseiro ao seu lado. Anahi estava adormecida há algum tempo, imersa em um sono profundo, enroscada nos alvos lençóis de seda. Enquanto isso, el...