Teresa
Mônica estava estranha nos últimos dias. Eu não sabia o que era e todas as vezes que perguntava, ela dizia que não era nada.
– Você tem certeza? Faz tempo que te vejo assim, nervosa e agitada. – Falei entranhando.
– Não se preocupe comigo, minha menina. É só um bom pressentimento que estou sentindo. – Ela sorriu para mim.
– Tudo bem, já que você não quer falar, eu vou respeitar. – Levantei da mesa indo até a pia lavar minha xícara de café. – Estou indo para o trabalho e qualquer coisa você me liga, tudo bem? – Ela balançou a cabeça concordando. Mais um motivo para achar a Mônica estranha, em quase um ano que estou morando aqui, ela quase nunca faltou ao trabalho. Isso me preocupa, mas já que ela não me diz o que é, vou tentar chegar mais cedo do hospital e tentar arrancar dela o que realmente está acontecendo.
Parecia que o dia não ia ter fim, todas as crianças estavam barulhentas e inquietas hoje. Era choro, grito, fugas tudo de uma vez só e eu estava voltando para casa exausta. Só queria tomar um banho, cair na cama e acordar no outro dia implorando aos céus que estivesse tudo em paz lá no hospital. Quando cheguei em casa, chamei pela Mônica que veio do seu quarto com um semblante sério.
– O que aconteceu, Môni? – Pensei logo o pior.
– Minha menina, eu preciso conversar com você. – Ela falou direta e eu senti meu coração começar a bater mais rápido.
– O que aconteceu? – Repeti e percebi que ela segurava uma pasta cheia de papéis.
– Tome um banho e depois venha até a cozinha. – Ela se dirigiu à pequena mesa onde fazíamos as refeições.
– Não. Eu quero saber o que está acontecendo. – Cruzei os braços teimosa.
– Minha menina, por favor. – Ela pediu. – Faça o que eu disse e então você saberá de tudo. – Ela falou séria e eu sabia que não podia ir contra a Mônica. Se ela estava séria assim, então era uma coisa muito importante. Corri para o meu quarto para fazer o que ela disse, nunca tomei um banho tão rápido em toda minha vida – que eu lembrasse.
– Pronto. Estou aqui. – Falei me sentando dez minutos depois que entrei no quarto. Vi a Mônica suspirar e estalar os dedos. Aquela pasta estava em cima da mesa e eu prestei atenção nela. Era do hospital de Doce Horizonte. Meu coração voltou a bater mais rápido. Era o que eu estava pensando? – Mônica... – Falei baixo e ela olhou para mim.
– Aqui está a resposta de todas as suas dúvidas. – Ela disse segurando aquela pasta e me entregando. Comecei a me tremer.
– Onde conseguiu? – Peguei a pasta de suas mãos com as mãos trêmulas.
– O Marcelo me ajudou. – Mônica disse suavemente.
– Você não me disse nada. – Olhei para ela surpresa. Desde quando ela tinha pedido ao Marcelo?
– Não sabia o que iria encontrar. Se é que iria encontrar alguma coisa. Não queria criar expectativas em você, menina. – Ela segurou a minha mão. Eu olhei para ela e depois para o arquivo. Estava com medo do que poderia encontrar ali dentro. – Antes que você abra, eu preciso te dizer o que não está ai. O que aconteceu naquele dia. – Ela me disse séria.– Não sei se estou preparada. – Falei baixinho.
– Mas você precisa ouvir. Só assim poderá entender o que realmente aconteceu. – Balancei a cabeça permitindo que ela começasse.
– Tudo bem. – Susurrei. Mônica começou a me contar e eu ouvi atentamente cada palavra.
– ... E então, com esse acidente grave, o hospital teve que transferir alguns pacientes para o hospital daqui e pra outros, porque lá estava com a capacidade máxima ao mesmo tempo que você chegou lá. Pelo que li no arquivo, essa mulher já tinha chegado morta, o acidente dela foi fatal. Vocês duas tinham as mesmas características. Eu tenho certeza que houve um erro gravíssimo na hora de transferirem vocês. Ela já estava morta do outro acidente e disseram que ela era você. A verdadeira você. Enquanto você foi transferida para cá. – Ela parou um pouco vendo que eu estava digerindo tudo. Ficamos em silêncio por um momento.
– Então, quer dizer que trocaram os corpos, ela passou a ser eu e eu a ser ela. – Mônica balançou a cabeça concordando.
– Diz aí no arquivo que você chegou completamente machucada, cortes no rosto e ossos quebrados. Parece que foi feio o acidente. Talvez não deixaram a família ver seu corpo para que eles não ficassem com essa imagem. Acontece às vezes. – Ela disse tentando achar uma justificativa para toda essa história que parecia ser impossível de acontecer.
– Tudo isso que estou vivendo foi causado por negligência do hospital. Erro médico. E eu estou pagando por tudo. – Não consegui controlar o choro. Estava entalado. Todo esse tempo, a minha família achava que tinha me enterrado, quando na verdade era outra pessoa. Tudo por causa de um simples equívoco.
– Minha menina... – Mônica falou e eu sentia um peso em sua voz.
– Mônica, eu preciso ficar sozinha. – Ela balançou a cabeça entendendo mesmo estando triste, tentando me consolar. Mas eu precisava ficar sozinha para colocar todas as ideias no lugar, pensar, ler o que estava escrito ali, então me levantei e fui para o meu quarto.
Me tranquei no quarto e comecei a chorar com tudo o que ouvi. Eu não sabia definir o que estava sentindo, uma mistura de dor e raiva, tudo ao mesmo tempo. Não podia acreditar que tudo isso tinha acontecido na minha vida, que se não tivessem feito pouco caso, eu poderia estar em Doce Horizonte naquele momento, junto com a minha família. Enxuguei as lágrimas e me sentei numa cadeira que havia no quarto abrindo o arquivo e começando a ler atentamente cada informação que estava ali. Às vezes, eu precisava parar um momento porque as lágrimas embaçavam minha vista e eu deixava elas caírem. A primeira informação que me chamou atenção foi o meu nome, meu nome verdadeiro. Teresa Rezende Lários. Era assim que eu me chamava. Confirmando o sonho que tive há algum tempo atrás, quando ouvi me chamarem de Teresa. Quis imediatamente pesquisar sobre minha família para saber quem era e o que tinha acontecido com eles, mas não, eu precisava entender o que tinha se passado naquele dia fatídico do acidente antes de qualquer coisa.
Depois que pareceram horas, finalmente fechei aquela pasta e deitei na cama. Estava sentindo minha cabeça latejar do choro que tinha soltado mais cedo. Peguei minha corrente, que agora usava no pescoço e olhei para as duas bonequinhas desenhadas ali. Era a hora de por um rosto naquele bebê que tanto sonhava. Já estava para completar três anos de tudo o que tinha acontecido, minha menina deveria ter em torno dos cinco para seis anos naquele momento.
Peguei o celular e digitei no navegador o meu nome, Teresa Rezende Lários. Uma infinidade de coisas apareceu nas buscas, sites de fofocas falando sobre o acidente e de como era triste a perda para a poderosa família Lários de Doce Horizonte, mas ainda não queria buscar isso, eu tinha urgência em saber sobre outra coisa. Comecei a pesquisar um pouco mais, mesmo as lágrimas rolando mais uma vez pelo meu rosto vendo o quanto perdi da minha família, até que achei uma foto do homem de olhos verdes. Gustavo Lários. Era esse o nome dele.
– Gustavo. – Falei o nome dele passando o dedo na tela do celular desejando que fosse o rosto dele para sentir a textura. Gostei de como soava o nome dele na minha voz com o sotaque. Combinava. Encaixava. Não aguentei segurar o choro e soltei um pouco mais da dor que estava tão guardada no peito, agora eu tinha nomes para os rostos de meus sonhos.
Mas ainda faltava uma pessoa, a minha menina. Pesquisei mais um pouco e vi uma foto do Gustavo com uma menina vestida de super heroína em um site de fofoca de Doce Horizonte. Parecia uma festa de aniversário. Li o texto e não acreditei, era o aniversário de seis anos de minha menina que tinha acontecido no final de semana passado. Dulce Maria. Dulce.
– Minha Dulce. Eu perdi o seu aniversário, filha. Eu nem sabia. – Eu não tinha ideia da quantidade de lágrimas que estavam guardadas em meu coração, sentia meu rosto inchado e quente, mas o coração estava pior. Pesado. Fechei os olhos para que pudesse guardar o sorriso da minha menina na alma, mas as coisas começaram a sair do controle. Comecei a sentir fortes dores na cabeça e um milhão de imagens rodavam pela minha mente como se tivessem acelerado a fita de um vídeo.
Imagens misturadas, eu conseguia ver imagens com Gustavo no momento de meu salto de asa delta, imediatamente mudando para Dulce Maria, naquele dia, me acordando com beijos molhados e dizendo o quanto me amava. A minha cabeça começou a latejar forte, uma dor insuportável, parecia que ia explodir a qualquer momento, vi tudo ficar escuro e gritei de dor antes de desmaiar.
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A volta de Teresa
FanficE se o acidente de asa delta da Teresa não tivesse sido fatal? Se ela tivesse sido dada como morta mas, na verdade, não foi o seu corpo que foi enterrado naquele dia? Por um acaso do destino, Teresa sobreviveu ao acidente que mudou o rumo da sua vid...