Os Sentidos da Morte

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Uma semana havia se passado desde que eu chegara em Beacon Hills, mas parecia um ano. Tanta coisa havia acontecido, tantas emoções novas e decisões difíceis, assim como descobertas tanto boas, quanto ruins e a pior delas, me atormentava agora no amanhecer do oitavo dia: eu era um fantasma! Estava morto desde aquele encontro no cerrado onde o homem carneiro e seus cúmplices me perfuraram com uma estranha adaga ritualística.

Decidi testar minha condição atual e dei de cara com a parede da sala. Talvez eu não fosse um fantasma afinal, ou tudo sobre mortos estivesse errado. Sai para o lado de fora da casa do Scott e andei até a clínica veterinária enquanto o sol nascia, intensificando o movimento na cidade. Demorou algum tempo até que Deaton abrisse a porta da frente e ficou surpreso por me encontrar ali esperando.

O druida me convidou para entrar e eu lhe contei o que havia sonhado, o que tinha se passado comigo desde então e ele riu da minha conclusão idiota de que era um fantasma. Ao mesmo tempo, ele parecia espantando e alegre com alguma constatação própria, que ele ainda não havia me dito.

– Você é um milagreiro – revelou Alan com um sorriso – mas eu achei que fosse só lenda.

– Milagreiro? – perguntei testando o som da palavra que não me agradava – o que significa isso?

Houve um tempo, muito tempo atrás – ele contou – em que era muito mais comum pessoas nascerem com o dom de curar as outras com o toque. Alguns apenas tiravam a dor, outros eram capazes de regenerar feridas abertas. Havia ainda relatos de indivíduos que podiam reconstruir um membro perdido ou eliminar doenças incuráveis. Pessoas ruins começaram a caçar e matar esses curandeiros porque eles normalmente faziam isso sem cobrar nada. Durante esse expurgo, famílias inteiras foram massacradas e a capacidade de cura na humanidade surgia cada vez menos, até se esgotar completamente, nos dias atuais. Foi ainda durante esse expurgo que dizem ter sido encontrados os milagreiros – entenda, não há registro oficial sobre isso, apenas boatos entre os mais antigos – pessoas que podiam curar praticamente tudo e que viviam muito tempo, já que seus corpos nunca adoeciam e sua velhice era retardada.

– E eles foram todos mortos? – perguntei angustiado, absorto pela narrativa – os milagreiros?

Um milagreiro não pode ser morto – ele continuou a contar – foi o que se descobriu. Sempre que um ferimento de morte instantânea era causado, o milagreiro se desfazia em luz amarela, surgindo em um local seguro não muito distante do ponto onde ocorreu o fato. Eles eram bem poucos, no entanto e aqueles interessados em acabar com a cura gratuita, aprisionaram os milagreiros até que morressem de velhice, sem poder deixar descendentes.

– E como eu fui nascer com isso? – perguntei ainda sem ter certeza de que era algo bom.

– Talvez algo tenha acontecido para que algum antepassado seu escapasse e criasse família, o que resultou no que você é hoje.

– Então eu não posso morrer? – questionei assombrado.

– Nunca foi testado os limites de um milagreiro, como eu disse antes, sempre se achou que fosse apenas uma lenda.

– Então – concluí – acho que preciso começar a tomar nota. Sei que eu sinto dor e já "morri" algumas vezes.

– Você deve manter isso totalmente em segredo – alertou Deaton – é um dom muito cobiçado, como você vem vivenciando desde que fugiu de casa.

– Acho que só nós dois sabemos, mas eu vou contar ao Scott.

– Se você confia nele, conte, mas lembre-se, quanto menos gente souber, mais seguro você estará.

– Obrigado – disse com um sorriso ao sábio jovem homem negro – eu estava meio que surtando e não sabia para onde ir, por isso vim para cá. Você parece bem informado sobre o mundo sobrenatural.

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