Reencontro

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Não sei por quanto tempo dormi, mas posso dizer que não sonhei nada importante ou de que conseguisse me lembrar. Acordei com uma brisa gostosa e o barulho das ondas do mar não muito distante e alguém martelando alguma coisa de maneira insistente o que no meu estado semi desperto, parecia com trovões distantes. Me sentei nos panos em que estava largado e olhei em volta e depois para mim mesmo. Ainda estava na praia, mas não no mesmo lugar em que apareci e onde o deus lua foi consumido pelo sol. As memórias vívidas me diziam que não tinha como aquilo ter sido um sonho. Sentia dentro de meu ser a ausência da luz amarela, consumida no esforço final para vencer a criatura.

Era uma espécie de cabana na praia, mas não tinha paredes. Havia três redes dispostas ali, amarradas nas pilastras de madeira, oito delas, que davam sustentação à construção. O teto era côncavo, feito de palha de coqueiro, de tamanho impressionante. Podia se contar três cômodos separados por lençóis floridos e transparentes, de tecido pesado e em constante movimento pela brisa que castigava contínua aquele local paradisíaco. Havia uma bagunça organizada ali, com várias caixas, isopores, malas grandes, uma motocicleta e um fogareiro de duas bocas sobre um giral de madeira interno. Do lado de fora, debaixo de um "guarda-sol" feito de palhas de coqueiro, um menino loiro bronzeado de uns doze anos, martelava um pedaço de madeira que tinha a forma de uma prancha de surf, embora nem de longe se parecesse com uma.

– Oweeeeen, ele acordou – gritou em bom inglês o adolescente, para alguém que eu ainda não vira e devia ser o responsável pelo meu resgate.

– O que eu te falei sobre gritar, moleque? – Uma voz grave se fez ouvir. Reparei que eu estava de regata e bermuda floridos, roupas que não eram as minhas.

Me adiantei para fora daquela estranha construção e vi o rapaz que se aproximava com um celular na mão – tudo o que eu precisava, se conseguisse lembrar algum número importante – usando calça preta, jaqueta preta e camisa branca. Parecia bem jovem, mas li em suas memórias residuais que tinha vinte e oito anos, usava um relógio de pulso no braço esquerdo, mochila nas costas e barba e bigode castanhos, cabelo castanho ralo penteado, mas já bagunçado pela brisa. Os olhos eram verdes e me demorei neles o bastante para saber que o rapaz era um lobisomem. Não sei se ser encontrado por ele foi uma coisa boa afinal.

– Vejo que já está melhor – falou usando um inglês com leve sotaque, comum naquela parte do mundo.

– Aqui é Cooktown? – Perguntei tímido e a voz saiu fraca.

– Sim, parece que você sabe onde está. Vai me contar o que aconteceu, ou eu devo chamar as autoridades?

– Meu nome é Gabriel, sou do Brasil – falei tentando parecer calmo – e lobisomens dificilmente chamam as autoridades, preferem resolver as coisas à sua maneira.

Ele trocou um olhar sério com o mais novo e depois um sorriso compreensivo. Entrou na construção, provavelmente obra dele mesmo e eu o segui, junto com o menor.

– Você não cheira a lobo – falou depois de largar a mochila sobre o giral – esteve desacordado por um longo tempo, nunca vi ninguém dormir tanto.

– Meu corpo meio que se desliga em longas viagens. Obrigado por me resgatar.

– Eu me chamo Mike – disse o rapazinho estendendo a mão e abrindo um belo sorriso branco naquela face avermelhada pelo sol – também sou um lobisomem, mas nasci assim.

– Mike! – Ralhou o mais velho – ainda não sabemos se podemos confiar no Gabriel do Brasil, então controle essa língua moleque.

O menor fechou a cara, mas apertei sua mão antes que a retirasse e sorri de volta o melhor que pude.

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