Especial - Presente de Natal

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Vinte e duas horas da noite, a casa fervia em alegria e conversas. Tanta gente celebrando o natal acabava por sufocar a tristeza das perdas sofridas recentemente, mas acabei ficando mais introspectivo do que de costume. Embora ninguém mais reparasse nisso, Scott apertava minha mão com firmeza o tempo todo e se mantinha ao meu lado. Eu tentava entrar nas conversas, responder o que podia, sorrir como conseguia, mas não estava sendo nada fácil. O que me movia era o fato de que se eu esmorecesse e chorasse, estaria dando mais uma vitória ao velho Álvaro Or Doré.

Scott me levou para a varanda lateral quando viu que aquilo estava ficando mais difícil para mim, com a desculpa de dar um pouco de privacidade ao casal (nós mesmos). A noite estava linda e sem lua visível, com algumas nuvens e várias estrelas. Vi uma estrela cadente e desejei a morte de meu tio. Não era algo legal, especialmente nessa noite, mas me fez sentir incrivelmente melhor. Sorri revigorado e beijei a boca dele, levando-o de volta para o meio das pessoas. Percebi que Melissa sorriu aliviada com nossa volta e continuamos celebrando o natal, enquanto os comes e bebes estavam quase terminados.

Depois da ceia, trocamos presentes e Scott me levou para o quarto para ficarmos a sós e não precisar agradar ninguém ou sorrir sem vontade. Tomamos banho e nos deitamos juntos, nenhum de nós queria tentar dormir, mas não havia clima para outra coisa. Coloquei meu rosto sobre seu peito nu e ele ficou brincando com meus cabelos.

– Foi um bom natal – ele disse alegre – melhor do que não ter a mãe perto e cear na casa dos outros.

– Foi sim – respondi com um suspiro – melhor que um hotel de beira de estrada e algumas horas de sono sem descanso.

– Você pode dormir sossegado toda noite meu amor – ele disse como uma promessa. – Não tem mais porque fugir, nunca nada vai te ameaçar de novo.

– Eu me sinto seguro com você – respondi olhando seus olhos de baixo para cima.

– Não consigo parar de imaginar como ele estará agora – Scott disse suspirando também.

– O velho não vai fazer mal ao garoto, pelo menos disso eu tenho certeza, mas queria ele aqui comigo, em nossos braços.

– Nós vamos tê-lo de volta. Nenhum juiz vai contradizer um exame de dna.

– Meu medo é a influência de Álvaro, Scott. Ele tem muito dinheiro e muitos amigos. Não vamos ter paz, mesmo conseguindo a guarda na justiça. Eu devia tê-lo deixado morrer de câncer.

– Se você fizesse isso – meu alfa disse sereno – nunca se perdoaria, ia se sentir um assassino. Ele também não teria mandado sua prima e nosso pequeno nem existiria.

– É, sei disso, mas não consigo parar de querer que ele morra. Homem desprezível.

Scott levantou meu rosto com a mão e beijou meus lábios. Ficamos um longo tempo assim, apenas sentindo um ao outro, até finalmente dormir, no meio da madrugada.

Logo de manhã me forcei a levantar, me descansei e, com o pensamento positivo de que hoje seria um dia melhor, me coloquei a ajudar Melissa com a bagunça da noite anterior. Precisávamos deixar a casa arrumada para o almoço de natal e abrir o restante dos presentes. Scott nos ajudava depois que se levantou e Chris saiu prometendo que seria por pouco tempo. As outras pessoas já tinham voltado para suas respectivas casas e Lydia para um hotel, já que a mãe dela não queria ficar no quarto de hóspedes.

Ouvimos buzinas e chamados insistentes na porta e fomos nós três receber tão inconveniente visita. Dois carros grandes e pretos, muito luxuosos estavam parados diante da porta e do maior deles, um homem de terno preto, cabelos volumosos brancos, olhos escuros, aparentando sessenta e poucos anos desceu, escoltado por vários seguranças e veio até nós. Do outro carro, os empregados abriam as portas e tiravam alguma coisa do porta malas.

– Gabriel Or Doré Chrisóstomo, por favor – perguntou o rapaz baixinho e franzino que parecia ser o secretário daquele importante homem.

– Sou eu – me coloquei na frente e Scott me segurou pelo ombro.

– O que querem aqui? – Perguntou o alfa já sentindo no ar cheiro de problema.

– Me senti compelido a vir até aqui, em consideração à criança – disse o ricaço. – Infelizmente, ele não sobreviveu.

Do outro carro, vi quando seguranças traziam uma espécie de tubo transparente, com alças e buracos, dentro do qual estava o corpo de Elliot. Tudo ficou escuro e perdeu o sentido.

– Gabriel! – Chamava insistente a voz de meu alfa, mas eu não parei de correr.

Me precipitei pelo campo verde florido em direção ao sol, na esperança de que ele me engolisse com sua luz. Meu filho estava morto, perdido para sempre porque eu não consegui protegê-lo. Eu tinha que morrer de vez, merecia isso. Era um inútil como pai e como companheiro, não sei porque aquela voz continuava a me chamar.

– Gabriel! – Scott rugiu e a realidade ondulou e se desfez me trazendo de volta à consciência. Eu estava deitado no sofá da sala com um pano úmido na testa e meu namorado tentava me despertar. Não havia mais ninguém ali.

– Você está bem amor? Fala comigo!

– Elliot, ele... ele... – foi tudo o que saiu.

Scott me abraçou forte, não sabia se ele ria ou chorava. Um choro foi ouvido e Melissa entrou na sala, carregando o embrulho que fiz pra ela e percebi que o som vinha de meu filho. Corri e o peguei nos braços, estava vestido ricamente, mas estava vivo e isso é o que importava. Beijei e cheirei várias vezes, com vontade de apertar, se ele não fosse tão pequenino e frágil.

– Como? – Perguntei aturdido – o que aconteceu?

Álvaro Or Doré estava morto, era dele quem o ricaço falava. Resolveu que a criança era inútil sem o velho, já que ele nem chegou a registrar o menino. A televisão mostrava a bizarra morte do meu tio, seu corpo encontrado parecendo uma ameixa seca. Todos diziam que ele não suportou a felicidade de encontrar um sobrinho vivo, já que não poderia ter mais filhos e os problemas de saúde que vinha escondendo o levaram a morte. A mídia queria saber o que aconteceria com o império financeiro do magnata, já que não possuía herdeiros conhecidos, mas seus assessores e diretores não revelaram nada sobre um possível herdeiro, já que o pequeno bebê que ele dizia ser seu sobrinho demoraria muito para poder assumir as responsabilidades exigidas por sua herança.

Scott teve que usar um pouco de força para que eu soltasse Elliot e ele pudesse ter o filho nas mãos por um momento. Eu não sabia se ria ou se chorava, se gritava ou corria. Era meu primeiro presente de natal de que me lembrava e o melhor de todos – não a morte do velho, mas o retorno seguro de meu rebento.

– Espertinhos – disse Chris, de óculos, analisando um monte de papéis que haviam sido deixados pelo ricaço.

– A imprensa vai voltar em peso para Beacon Hills – afirmou Melissa preocupada, mas o que importa é que meu neto está aqui e bem!

A pobre criança passou de mão em mão várias vezes, até Argent queria segurá-lo um pouco e quando isso começou a estressar o pequeno e o fez chorar, tomei-o no colo e comecei a embalá-lo. Uma coisa não me saía da cabeça: a morte ressecada do velho dava a impressão de que fora sugado por um vampiro, mas algo me dizia que era obra de Elliot, como fizera com sua mãe. Toquei o peito do bebê e o analisei com meu dom de cura, percebendo espantado que ele possuía uma energia ruim em si, bem como memórias residuais de Alvaro Or Doré em seus olhos. Apaguei os traços do velho como se limpa algo imundo e percebi ainda que essa criança tinha esferas de poder dentro de si que estavam adormecidas, mas que fariam dele uma entidade sobrenatural poderosa. Não queria tirar de meu filho a chance de ser aquilo que nascera para ser, mas não podia permitir que ele matasse alguém por acidente – embora isso tenha sido providencial no caso de meu tio – e tomei uma decisão importante.

Com muito cuidado e paciência, como fizera uma vez com meu alfa, envolvi seus poderes sobrenaturais um a um em casulos de energia de cura e os mantive "presos" dentro de seu corpo. Quando o pequeno fosse maior e entendesse melhor a vida, liberaria seus dons. Se eu chegasse a morrer definitivamente, ele recuperaria isso gradativamente sozinho, com o dissipar do que eu havia feito. Levantei com Elliot dormindo tranquilo e o ofereci a sua ansiosa avó. Ela fez menção de pegar o embrulho protetor, mas eu disse que não era mais necessário. Talvez tenha agido errado, já que parecia que ela ia matá-lo afogado de tantos beijos.

Foi o melhor presente e o melhor natal de todos.

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