Banho de Lua

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A noite estava linda e agradável. Assim que o jovem quimera chegou, tive que me separar do abraço gostoso de meu alfa para ir com ele em nossa aventura noturna. Scott não gostou nada daquilo, mas não tinha como levar Elliot, que dormia tranquilamente e já que eu precisava ir de qualquer jeito, ele teria que ficar cuidando da criança até a volta. Acho que me mandou tomar cuidado e ligar para ele qualquer coisa umas vinte vezes e eu sempre tentava fazê-lo ficar calmo com um beijo. Eu tinha ido no Brasil e na Groelândia no mesmo dia, não é como se uma ida ao bosque há uma hora dali fosse ser mais perigoso. Claro que era a noite e era Beacon Hills, mas tentei não deixar isso me assustar. Corey por outro lado, estava bastante receoso, mas como era a primeira lua cheia de Maltec e Liam como casal, eu não queria chamar nenhum deles e Kira e Malia deviam estar bem ocupadas cuidado de si mesmas e do lobo vermelho que adotaram. Stiles ficou enrolado com coisas policiais e Lydia estava de viagem com suas amigas banshees, que estavam vindo aos poucos para perto da alfa.

– Se você não se sente seguro, eu entendo – falei tentando tranquilizar o rapaz – eu posso ir sozinho. Amanda e os caçadores devem estar por lá, vai ser bem tranquilo.

– Você não me chamou por acaso – ele disse cruzando os braços e fazendo bico – quer me dispensar agora porque?

– É que você parece assustado. Eu só queria fazer o que preciso por lá sem ninguém ver.

– Então vamos. Eu posso garantir isso – ele deu um sorriso alegre por ser necessário.

Andamos por um pouco mais de duas horas, tentando ser silenciosos com nossas lanternas no meio das árvores. Me mantive sempre perto do rapaz para saltar com ele ao menor sinal de perigo. Nenhum de nós conseguia andar sem fazer barulho, então eu esperava contar com seja lá o que fosse que mascarava meus rastros e torcia para que nos mantivesse a salvo. Finalmente avistamos as tendas de Amanda e dos caçadores e a imponente árvore no meio das demais, já despontando mais alta que todas as outras, uma visão de tirar o fôlego. A lua cheia brilhava no horizonte e sua luz fazia meu coração acelerar e meu sangue correr mais rápido, trazendo lembranças de quando iluminava minhas fugas pela vida mundo afora. Assim que nos aproximamos do tronco, percebemos movimentos de pessoas vindo das tendas.

– Gabriel? O que vocês vieram fazer aqui a essa hora? – Amanda perguntou de braços cruzados, acompanhada pelos dois caçadores que vigiavam o local hoje, um jovem e outro mais velho.

– Ah, então, só queria ver como a árvore cresceu – talvez devêssemos ter ficado invisíveis antes, pensei trocando um olhar com Corey, que indicava que ele pensou a mesma coisa.

Um olhar nos olhos da irmã de Maltec foi suficiente para perceber que haveria problemas e ela ergueu a mão esquerda, gesticulando com a direita, enquanto dizia algo em uma língua desconhecida. Percebi sombras azuladas e escurecidas em volta dos olhos dos caçadores. Tentei me mover, mas alguma coisa me impedia de andar e o mesmo parecia estar afetando Corey.

– Vocês não deviam ter vindo – ela disse parecendo desgostosa, andando de lado e cortando o contato visual. Não consegui mover a cabeça para acompanhá-la. – Não nessa noite.

Um vento sinistro e gelado balançou as lonas das tendas e assoprou folhas secas e gravetos para todos os lados. Amanda apoiou um dos joelhos no chão como se adorasse alguma coisa e os dois caçadores imitaram seus movimentos. Uma força sinistra pesou em meu coração e eu fiz um esforço, resistindo à magia da mulher e consegui segurar na mão de Corey. Se algo ruim acontecesse, eu até poderia ser morto e voltar, mas não deixaria o rapaz se dar mal por tentar me ajudar.

Um homem escuro veio andando por entre a vegetação, atravessando os troncos das árvores como se fosse um fantasma. Seu corpo era formado por algo azul bem escuro, quase negro e pontilhado de branco como estrelas no céu noturno. Tinha a forma humanóide, mas olhar para ele era como enxergar o próprio espaço infinito e estrelado em uma noite sem a presença da luz. A cada passo dele em nossa direção, meu coração parecia mais dolorido e pesado. Algo em mim ansiava estar longe da criatura, como se um não pudesse existir ao mesmo tempo que o outro.

– O último filho do sol – disse uma voz grave que não parecia vir do vulto em forma de homem e sim do alto das grandes árvores em volta de nós. – Vocês nunca realmente acabam?

Duas grandes estrelas brancas reluziam no lugar onde deveria haver olhos na criatura. Amanda e os caçadores continuavam abaixados e aquela coisa me encarou nos olhos, sendo necessário muita força de vontade para não me perder no espaço infinito que sua presença tentava impor. Consegui algumas informações assustadoras, mas também muito interessantes ao ler seus olhos estrelados.

– O que foi que doeu mais? – Perguntei encarando sua face sinistra – a lança que atravessou seu coração ou saber que a mão que a empunhava era da pessoa que você mais amava?

– Eu fui traído – ele rugiu ao falar, levantando mais folhas e fazendo os animais noturnos fugirem – no amor e na vida, mas ele também está morto.

De fato, vi nas extensas memórias da entidade que ele fora ferido de morte em combate com o deus sol, mas também o matara naquela batalha, impondo sua sombra maligna no corpo do outro. Apesar de ser muito antigo, não me perdi lendo seus olhos, era como se ele quisesse que eu visse aquilo colocando as memórias certas em evidência.

– Seu tempo já passou – falei ainda o encarando de frente – o que quer aqui?

– O poder da lua está desperdiçado com bestas desnecessárias. Essa mulher prodigiosa – ele apontou para Amanda ainda abaixada – conseguiu me contactar onde minha essência ainda reverberava e com sua magia, me permitiu manifestar-me no plano físico outra vez. No entanto, isso é deveras limitado e me faz precisar de avatares para cumprir aquilo que eu quero. Quando a magia da lua estiver outra vez livre de tudo que a toca e conspurca, poderei voltar à vida e comandar o destino da Terra, como é meu direito.

Ele tentou tocar meu rosto com sua mão de sombra e eu me apavorei como se aquilo fosse simplesmente inaceitável. Saltei usando a luz amarela para alguns metros longe e me vi livre da magia paralisante da maga.

– Vejo que ele não o deixou indefeso. Não há para onde fugir, criança. Sob a luz da lua, meu poder é irrefreável.

Teleportar na presença do monstro parecia muito mais difícil. Meu corpo doía em lugares que eu não achei que seria possível sentir dor e eu me afastava andando de costas, enquanto o vulto estrelado se aproximava paciente, andando devagar, para o toque que de algum modo eu sabia ser final. Bati com as costas no Nemeton e a criatura parou há metro e meio de mim. Olhei para cima e percebi a luz amarela das linhas de ley que desciam diretamente sobre a árvore, dentro das quais ele não poderia entrar. Precisava deter a criatura, de algum jeito, mas temia até mesmo seu toque. Tentei pensar rápido e desejei ter a mente aguçada de Emma para resolver o problema. Pensando na moça meio doidinha, lembrei-me dos fusos horários que ela havia pesquisado para mim e tive a ideia mais perigosa e maluca de todas, mas talvez fosse minha única oportunidade, a única chance para todas as criaturas sobrenaturais que estavam ligadas à lua, como meu alfa e nossa alcateia. Pedindo perdão mentalmente para Corey por ter que deixá-lo para trás, torci para que Amanda e os caçadores voltassem a ser boas pessoas caso eu tivesse sucesso e corri para cima do monstro que ergueu as mãos surpreso com minha coragem repentina.

Assim que a criatura tocou meu ombro, senti sua mão fria e como se minha existência esfriasse prestes a desaparecer e num último esforço, chamei a luz amarela focando minha mente nas praias ensolaradas da Oceania, que eu havia visto na internet e Deaton surgiu me lembrando que poderia perder o poder por vários dias caso tentasse aquilo a noite. Minha visão turvou e escureceu, mas foi tomada pela luz do sol em seguida e pelo som do balanço do oceano que devorava o horizonte. A criatura me soltou e começou a esfumaçar, consumida pelo sol do lugar e rugindo furiosa. Por sorte não havia nenhum ser humano naquela praia naquele momento.

– Não, você não vai me deter outra vez, amor – ele disse apontando para o alto – eu vou...

O corpo físico fantasmagórico da criatura se dissolveu e o meu pesou terrivelmente, me derrubando de joelhos. Tentei saltar vinte metros, mas não possuía mais comigo o poder da luz amarela. Me arrastei pela praia ouvindo várias vozes jovens e tudo ficou totalmente escuro outra vez.

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