Lobinho Guará

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Quem vale mais

Ouro ou comida?

Quem sofre mais

Chegada ou partida?

Or Doré, Or Doré

Quem te deixou sair?

Foi o uivo lá na mata ou bem mais perto daqui?

Or Doré, Or Doré

Quem agora vai dormir?

O lobinho guará, onça pintada ou o saci.

Quem paga mais

A noite ou a lida?

Quem sonha mais

Esperança perdida

Quem ama mais

A morte ou a vida?

A voz que cantava era levemente grave, mas feminina. Meus dedos pequeninos, de olhos fechados, brincavam com as extremidades de seu longo cabelo e com os dentes sem pontas no colar que trazia no pescoço, dentes de lobo do cerrado. Abri os olhos, deitado na grama verde, no campo florido de infinito por do sol e a voz que antes parecia vir do céu, agora tinha um corpo, a jovem mulher sentada e sorrindo ao meu lado. Pele branca bronzeada pelo sol, cabelos longos negros presos na testa por uma fina corda, vestido longo branco e pés descalços. Seu pescoço ostentava um colar, feito de imbira de buriti, uma corda fina tecida à mão pelos moradores de onde nasci, em cuja ponta três dentes de lobo guará estavam presos: o pai, o maior; o filho, o menor e o escolhido do pai, como minha mãe me contava sempre que lhe perguntava sobre o colar.

Me sentei em silêncio, memórias da infância em conflito com as dores do presente e me senti covarde por estar refugiado ali, fugindo da dor da perda. Uma voz e um cheiro bons chamavam por mim, mas minha consciência ainda não queria partir. Olhei de novo para a mulher que me sorriu com ternura e me lembrei seu nome. Amargurado pela perda, engolido pela raiva, perguntei de forma áspera:

– Porque agora, depois de tanto tempo?

– Porque tudo acontece no momento certo.

– Você sempre dizia isso quando não queria que eu fizesse algo. Como pode estar aqui, depois de eu ter te feito morrer? E a meus irmãos?

– A jornada deles chegou a um fim, a sua não. E a minha de certo modo também não.

– Eu matei a senhora. – Falei angustiado, segurando o choro – matei meus irmãos!

– Você não empunhou a faca nem escolheu o destino que nos trouxe até aqui. Perdoe-se Gabe, você não tinha como saber nem como evitar o que aconteceu.

– O papai já tinha morrido há um ano, porque não nos deixaram em paz?

– Seu pai carregava um nome de peso, assim como você. Or Doré.

– Eu odeio esse nome, por causa dele, perdi meu filho.

– Seu pai era um Or Doré e era a melhor pessoa que já conheci. Sua avó, minha sogra, também era maravilhosa, um anjo na terra. Então você não pode culpar o nome, pelas ações de uma pessoa.

– Essa música, a senhora cantava para eu dormir.

– Eu a comecei compor quando seu irmão mais velho nasceu, mas só consegui terminar, quando o tive em meus braços. Tão parecido com seu pai. Eu sempre vou amar você, Gabriel.

– Porque eu estou aqui?

– É onde sua mente repousa, onde a dor não pode tomá-lo. Você se esforçou muito, a luz amarela cobra um alto preço do corpo físico.

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