Uma Improvável Armadilha

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Durante o almoço, o celular do Scott tocou e ele confirmou que Deaton estava na clínica e queria encontrá-lo para saber das novidades. Ele não revelou nada por telefone, apenas afirmou que o chefe ia ter muito o que conversar e entender. Desligou com um sorriso maroto e eu fiquei imaginando se o druida seria uma pessoa curiosa, pois se fosse, estaria bem agoniado agora. Terminamos a refeição e fomos eu, Scott, Derek e Chris para a visita na clínica, deixando para trás Corey, Theo e Liam, todos resignados porque queriam ficar a par de tudo em tempo real e Melissa para controlá-los e aproveitar a mão de obra para ajeitar as compras excedentes que fizemos mais cedo e a casa bagunçada pelo grande número de jovens que perambulavam por lá. Não era necessário nem prático tanta gente de uma vez indo falar com o veterinário, podendo até mesmo causar confusão e enrolar a coisa ainda mais. Chris Argent estava determinado a matar o homem carneiro ainda hoje.

Alan Deaton nos recebeu do lado de fora, estranhando meu rosto desconhecido e mantendo o meio sorriso agradável comum em reencontros. Negro, careca, de cavanhaque, não muito alto e de bochechas grandes achatadas, tinha olhos pequenos e profundos, com um conjunto de rosto que passava sabedoria e respeito. Ele me olhou insistente desde que nos viu ao longe caminhando até a clínica – viemos de pé porque era perto e agradável andar até lá – até o momento em que chegamos na entrada do prédio onde funcionava o trabalho de Scott.

– Você também tem novidades – falou primeiro com Scott e deu lhe um abraço amigo – achei que só eu trazia problemas.

– É melhor conversar lá dentro – respondeu nosso alfa genuíno apreensivo, mas sem perder o sorriso alegre do reencontro – temos muito o que discutir.

Colocamos Deaton a par de todos os fatos, com o máximo de detalhes que lembramos e eu espremi meu cérebro para dar todo detalhe que conseguia recordar sobre o homem carneiro, sobre o sonho e outros encontros durante meus anos de fuga. Perdemos várias horas nisso. Alan nos contou ainda que havia um grupo de pessoas ou criaturas desconhecidas pelo mundo destruindo definitivamente os nemetons – seja lá o que isso fosse – por todo o mundo e que fatalmente viriam para Beacon Hills. Ele havia se encontrado com outros druidas em um estado estadunidense do sul e formaram grupos para tentar proteger esses locais sagrados. Scott contou que eu fui atraído para cá pelo Nemeton e explicou, vendo minha cara de interrogação, que era uma árvore sagrada dos druidas que ficava no bosque onde fui atacado ao chegar e que estava crescendo de novo depois de acontecimentos recentes.

– Esse poder que você tem – disse o veterinário me olhando nos olhos – é incrível. Nunca foi registrado antes, é algo totalmente novo. Essa criatura, no entanto – ele falou agora se dirigindo ao resto do grupo – tem sido vista ao longo dos séculos e citada em vários compêndios da nossa religião. Nunca se conseguiu destruí-la, embora já tenha ficado presa em tramazeira em algumas ocasiões. Infelizmente ela escapou em todas e por onde passa, causa discórdia, destruição e morte. Alguns o chamam até mesmo de deus, mas acredito que é um ser sobrenatural, como um lobisomem, uma banshee ou um mago, que nasceu com dons raros e os utiliza, infelizmente, para o mal e em benefício próprio, por isso tem de ser detido.

– Assim que nós o encurralarmos – disse Chris com um sorriso sádico – eu vou queimá-lo, ou eletrocutá-lo. O que surtir mais efeito.

– Temo que isso não vá funcionar – disse Alan balançando negativamente a cabeça. Ele poderia controlar sua mente ou possuí-lo e escapar antes que pudesse mata-lo. Nossa melhor chance – ele me olhou com preocupação – é tirar o poder dele antes de matar.

– Não – disse Scott se levantando exaltado – é arriscado demais!

– Ele não quer me matar – eu disse tentando acalmar meu jovem alfa genuíno – então sou o que tenho mais chance de agir contra ele, se acreditar que estou indefeso.

– E se ele possuir você – perguntou Derek também preocupado – como fez com Scott?

– Ele não pode – quem afirmou foi Deaton – o poder de cura sobrenatural do nosso amigo aqui iria consumir a essência da criatura e ele sabe disso. Seria como se nos deixasse vencer.

– E se ele perceber o plano – Scott andava de um lado para o outro preocupado, tentando achar outra alternativa – precisamos de uma maneira para garantir que o R fique seguro.

– Eu entendo sua preocupação – eu me levantei e o fiz parar de andar, segurando seus antebraços e olhando em seus olhos – mas eu vou ficar bem. – Quase me perdi naqueles olhos e não consegui concluir, mas acabei falando – Eu trouxe esse problema até vocês, é o mínimo que eu posso fazer.

– O rapaz é corajoso – elogiou Argent com um sorriso malvado – e nós não vamos estar muito longe. Relaxa Scott, vai terminar tudo bem. Ele se deu por vencido, embora não satisfeito e aceitou colocar aquele plano em prática.

Eu não tinha tanta certeza disso, afinal, fugia da criatura há muito tempo e sabia o quanto ela era esperta e precavida, mas não deixei transparecer meu medo. Estava determinado a por um fim nisso, mesmo que fosse com minha morte. Queria perguntar ao druida se o homem carneiro podia tirar meu poder de meu corpo morto, mas isso faria Scott e Derek surtarem, com certeza, então resolvi confiar que não e bolei meu próprio plano B. Levaria uma lâmina e me mataria, caso percebesse que o homem carneiro fosse vencer. Minha vida era um preço pequeno perto da segurança de minha alcateia. Não conseguia não sorrir como um bobo ao pensar nesse termo: minha alcateia!

A tarde voou com os planos e preparativos para a caçada e nos dividimos em grupos de dois, posicionando-nos em locais estratégicos para a execução da tarefa. Eu ia acampar sozinho numa clareira distante no meio da noite, com uma fogueira bem chamativa, onde certamente a criatura viria me encontrar. Antes de tudo, a armadilha de tramazeira fora preparada e seria concluída em um segundo quando o homem carneiro estivesse dentro dela comigo. Apesar de meu dom sobrenatural de cura, eu não era afetado pelas cinzas e estaria seguro para sair do círculo caso fosse necessário, embora não tivesse essa intenção. Ou tirava o poder do meu inimigo e algoz ou morreria ali mesmo para que ele não tivesse acesso ao meu dom natural de cura e o utilizasse contra Scott e nossa alcateia.

Argent preparara o local e sondara o terreno bem antes, certificando-se de não haver olhos e ouvidos para delatar nosso plano. Scott estaria a alguns metros, invisível com Corey e aguardando para me salvar caso desse tudo errado – mas não poderia entrar no círculo a tempo de me impedir de fazer uma loucura, assim eu esperava, pois era para o bem de todos, menos o meu – e enfrentaria o homem carneiro, já que era capaz de resistir ao controle e possessão do mesmo. Derek estaria escondido no bosque a nordeste, Theo a noroeste, Liam a sudoeste e Deaton a sudeste, pontos estratégicos fora das trilhas e bem escondidos. Montei porcamente minha barraca de camping emprestada, coloquei carne para assar na fogueira e fiquei esquentando as mãos no fogo. Olhei em volta onde eu sabia estar meus amigos, minha alcateia, mas não via nada, parecia realmente sozinho e isso me dava uma agonia terrível. A lata de refrigerante ao meu lado na verdade era o restante da tramazeira, que eu devia espalhar perto de mim, fechando o círculo e impedindo a fuga de meu adversário.

Várias horas se passaram e eu tive que pegar um cobertor, já que a fogueira não estava segurando o frio sozinha. Quando já estava pensando que não daria certo, uma coruja voou ali bem perto e dela se desprendeu uma conhecida névoa branco acinzentada, que formou próximo da fogueira, a figura sinistra do homem carneiro, com seu sorriso maligno e olhos dourados no rosto comprido.

– Ora, ora, meu amigo fujão. Não achei que seria tolo o bastante para acampar sozinho e ficar a minha mercê, depois de tudo o que passou nesses anos de perseguição.

– Não achei que cairia tão facilmente nessa – eu disse já lançando a tramazeira e fechando o círculo em torno de nós, fazendo o sorriso irônico do homem carneiro desaparecer ao perceber a armadilha – quem é o tolo agora?

– Acha que eu não vou matar você? Mesmo que não pegue seu poder, me livrar dele já seria bom o bastante. Era o plano inicial, eu confesso, antes de conhecer a extensão do que você é capaz.

– Você não pode me possuir, nem controlar – desafiei – e talvez me mate mesmo, mas será que conseguirá fazer isso antes de eu tirar seu poder?

– Muito corajoso para um humano sozinho homenzinho – ele rangeu os dentes exibindo as presas e veio rápido em minha direção. Eu abri as mãos e exibi as palmas esperando que se aproximasse mais.

– Vamos decidir isso de uma vez, chega de fugir – falei.

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