Noventa & dois

1.2K 171 26
                                    

Olhei para Zulu que me olhava com serenidade segurando uma arma grande na mão, ele me encarou sereno, eu não o conhecia o pouco contato que tive com ele foi em um dos meus casos na qual ele foi o meu cliente e não sei por que no dia que eu troquei ideia com ele sobre o filho dele no fórum mensurei meu irmão. Então ele sabia que aquilo foi pela honra, seu olhar me observou e ele abaixou a cabeça em um cumprimento sutil. Talvez eu não fosse o único ali que quisesse a morte do Formiga, no final das contas ele correu.
Escutei o som da viatura, eles estavam vindo e eu sabia que fugir seria pior.

— Levanta a mão para o alto! — gritou uma voz estridente.

Levantei vagarosamente a mão, olhando minha camisa branca encharcada de água e sangue.

— Perdeu perdeu! — disse outro me derrubando no chão de concreto molhado.

Senti meu rosto grudar no concreto, a lágrima ainda escorria no meu rosto junto da chuva, e meus olhos olharam para o rosto fodido do formiga. Quando fui puxado pelos policiais, já algemado cuspi em direção ao Formiga, e um riso desesperador invadiu meu eu, como se aquela agora fosse a cena mais feliz da minha vida. Eu mateu o monstro que tanto me assombrou, eu matei, depois dele ter destruído minha familia. Eu o matei, depois de ver minha mãe chorar pelo meu irmão durante noites, depois de ver meus pais sofrerem durante anos, eu me vinguei, eu acabei com toda aquela dor, eu podia rir agora! Eu estava leve, de alma livre.

{...}

Eu já havia feito minha ligação, Janaína iria ser minha advogada, eu sabia que ela era inexperiente na situação e sabia que ela não sabia advogar, podia ser qualquer um mais experiente, eu não só fui algemado como levei umas pancadas da polícia, nada no rosto para não deixar marca mas uns chutes aqui outro ali. Um advogado não iria adiantar nada, eu fui pego em flagrante, não havia defesa alguma que me livrasse daquilo.
E vamos ao fato principal: embora eu fosse advogado, nada que eu dissesse poderia ser levado em consideração, pois minha palavra ali dentro estava sem valia, fui preso em flagrante por duas mortes, uma que eu causei propositalmente e outra que seria meu fardo, o garoto morto era de menor e também foi uma autoria minha perante aos policiais e eu não iria perder tempo me explicando, o que estava feito estava feito e nada poderia mudar aquilo. Nada mesmo, a delegacia estava movimentada, todos ali basicamente me conheciam e muitos me odiavam, então ouvi policiais dizerem que era tão igual ao resto que um dia eu defendi.

Voltemos a Janina, ela podia ser inexperiente mas ela tinha familiares policiais, por isso escolhi ela, não que ela pudesse fazer um apelo familiar pela minha soltura mas ela podia fazer algo, que foi meu único pedido a ela, o Taz, ela tinha de trazer ele, e eu tinha que falar com ele nem que fosse cinco minutinhos antes de sabe-se Deus o que haveria comigo. Se fosse em outro país eu não passaria dessa semana em uma pena de morte.

Eu estava dentro de uma salinha quando Janaína após chorar para o delegado, conseguiu que ele deixasse eu receber a visita do Taz, ao abrir a porta da sala escutei a voz da minha mãe gritando em pânico, desesperada, Taz entrou, já chorando.
Loirinho Chorão.

Eu sorri, sentindo meu peito aquecer e ele correu me abraçando.

— Você prometeu Kauã — disse ele chorando — você havia prometido.

Senti meus olhos encherem. Aquela seria a nossa última noite de amor se eu não tivesse o levado no restaurante, por que provavelmente no dia seguinte eu iria atrás do Formiga e talvez eu não voltaria com vida. Tudo me favorecia, até mesmo a noite de amor que eu não lhe dei, e eu ficaria com aquela dívida, o apertei nos braços, eu ainda estava sujo de sangue mas o sangue havia secado em minha pele. Entretanto minha roupa ainda estava molhada, encharcada de sangue.

— Taz me escuta, o delegado só deu 3 minutos, tudo está no seu nome, tudo mesmo, casa, apartamento, meu carro, eu queria ter tido tempo para ensinar você a dirigir, te ajudar mas... Desculpa. — falei segurando sua cabeça o fazendo me olhar.

Ele negou com a cabeça.
Eu já disse que eu não era trouxa. Eu tinha um apartamento avaliado em um milhão, duas casas e as duas no valor de meio milhão, eu tinha carro massa, um puteiro, um veleiro, e muito, muito dinheiro no banco, eu construí um império sem muitos gastos, mas o dinheiro ou a ganância nuca foi meu forte eu não queria luxar, não queria nada, mesmo que parte desse dinheiro fosse sujo, uma vez que fosse para a conta do Taz ele ficaria limpo, ninguém saberia a procedência dessa grana, a não ser que investigassem isso e claro que iriam investigar. Mas eu fiz de uma maneira sigilosa, ocultei todos os meus rastros bancários, todos o meus dados, e Taz vai receber o bolão como se tivesse sido herdado. Eu fiz tudo certinho, parte sozinho, outra parte com a ajuda da Janaína que seria a principal responsável por ajudar o Taz, ela seria minha advogada e advogada dele caso ele precisasse, pois desembolsei para ela uma grana que vai render anos em sua conta. Deixei ele a disposição de tudo, meu escritório, meus sonhos, meu amor.
Eu sabia que ele cuidaria de tudo muito bem.

— Taz eu já transferi tudo, Janaína vai explicar tudo para você. — falei baixinho

— Kauã não — falou com os olhos cheios de lagrima.

— Taz escuta, cê tem que seguir beleza? — falei frio.

Abri a mão dele e coloquei a minha aliança suja de sangue, naquele momento ele desabou em choro, um choro desesperador, fechou a mão, e começou a soluçar sem parar.

— Não, não, não. — falou com aquela vizinha de chorar que mal saia de sua garganta

— Taz não quero que venha me ver, eu estou terminando com você. Não quero que tente contato comigo, não quero nada, quero que você viva a sua vida — falei sentindo um engasgo na garganta — Aproveita, beleza? Eu... Eu...

Tentei dizer que eu o amava mas não saiu, engasguei enquanto ele chorava sem parar. Eu o abracei e ele me empurrou me olhando bravo. Acho que ficamos um minuto se encarando, e sério ele só chorava e acho que eu queria chorar também, deixei uma lágrima escapar mas sequei rapidamente.
Eu não queria que aquilo fosse dramático, tinha que ser como uma ferida que é causada por lâmina afiada, um corte rápido, preciso, um corte único.

— É isso! — falei firme e com brandura.

Eu já te machuquei de mais Taz, eu já te machuquei de mais.

— Eu espero que tu realmente esteja feliz agora — disse ele com a voz de choro entalada na garganta. — A Carol estava certa, tu és egoísta, tu não ama ninguém. Nunca me amou! Eu te odeio!

Os olhos dele me fitaram com ódio, avermelhados de sobrancelha apertada.

Eu amei, amei cada segundo.

Mas eu não podia dizer aquilo, eu acho que no fundo eu queria que ele sentisse raiva de mim, ódio, por que assim eu teria a certeza que ele não viria atrás. A porta se abriu, o nosso tempo havia acabado, e ele saiu, com a cabeça erguida me olhando friamente mas de olhos cheio, ele estava tentando conter o choro, tentando ter uma postura trivial sob mim. Mas eu sabia que ele ali dentro era só um bebê. Talvez o meu bebê.

Eu fui injusto, injusto, mas injusto comigo, justo com meu irmão.
Senti meu peito rasgar.

O Taz foi de longe o amor mais genuíno que eu tive, tudo que compunha ele era perfeito para mim, e agora eu acabei de destruír o coração dele e ele. Talvez aquela fosse a primeira dor dele, do primeiro amor dele, o primeiro que deixou ele, e no fim eu fui o primeiro, entre todos a fazer tudo que um grande amor faz. Eu fui o primeiro, primeiro a transar com ele, primeiro a o amar, primeiro a me deitar com ele, primeiro a passar a noite com ele e o primeiro quebrar o coração dele.

A Ordem do CaosOnde histórias criam vida. Descubra agora