Cento & vinte & quatro

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Os terrores noturnos eram constantes, as vezes eu acordava num pulo, num sobressalto, e em quase todos os sonhos Taz estava presente agora, mais do que o meu irmão.
As vezes eu ficava o dia todo com um mau pressentimento sobre o que podia acontecer.

Todos os dias eu assistia o noticiário pela manhã e ao entardecer, esperando o momento que mostrasse que eu era o mais novo procurado da polícia, mas isso não aconteceu, eu não era o novo procurado da polícia federal.

As horas aos pouco se tornavam lentas, eu não tenho muito o que fazer nesse espaço e estou morrendo em tédio. Comprei um computador e averiguei algumas casas, analisei alguns lugares que pareciam ser lindos, casas enormes de interior com piscina gramado jardim, avaliadas em um milhão ou mais, casas perfeitas para uma vida tranquila. Eu realmente estou com a ideia na cabeça de aposentar as botas, criar o Gabriel e viver tranquilo, sem que eu fique confinado em uma casa. Quero trabalhar, talvez me descobrir em algo que eu goste e talvez Taz pode vir junto.

Não consigo esquecer o beijo, nem nossa noite de sexo, embora eu não me lembre muito de muita coisa por conta do álcool consigo lembrar que foi algo que... Eu quis muito. Queria transar com ele de novo, dessa vez são, quero tocar seu corpo, sentir seu beijo, sua boca e cada detalhe dele. Já se passou uma semana desde então, hoje segunda feira e tive uma ideia brilhante.

Compro um ingresso para o Aquário de São Paulo, e já que a montanha não vai até Maomé, Maomé vai até a montanha, é o que dizem.
Aluguei um carro, com cadeirinha e tudo para levar o Gabriel, ainda são nove horas com muita sorte chego antes do almoço e posso ao menos convidar ele para almoçar comigo. Hoje em especial peguei um pouco de trânsito e o Aquário está com bastante visitantes. Pego Gabriel no colo após estacionar o carro em um estacionamento ao lado do Aquário, ótimo. Eu preciso ver o Taz, falar com ele, ao menos pedir para que ele não suma, não desapareça. Talvez convidar ele para ir embora comigo, não sei.

Passei por uma jaula de morcegos ficantes, Gabriel está facinado, confesso que eu também, parecem cães de asas e para ele aquilo é um passeio já que estraguei a primeira vez que vim com ele, de modo paciente e olhando para todos os lados fui tentando enganar o Gabriel. “gabriel vamos ali ver os peixes” “vamos ver o urso” “quer ver os pinguins?” e enquanto eu o levava procurava o Taz todo canto. Há um corredor por onde há água para todo lado, é como se fosse um tubo debaixo da mar, da para ver peixes passando a cima de mossas cabeças, esse está um pouco vazio e Taz está ali, vestindo seu uniforme de trabalho, parado olhando para seu celular. Me aproximo cautelosamente.

— Oi... — falei tentando controlar a ansiedade na voz.

Taz arreganhou os olhos assutado.

— Kauã? O quê? O que você está fazendo aqui cara?

Nem eu sei aquela resposta

— Eu... Eu... Taz eu... — ajeitei Gabriel no meu colo — Eu precisava te ver, eu ...

— Não, não, cê precisa ir — ele falou me empurrando — Agora, precisa ir agora eu marquei de almoçar com o Gustavo e ele já deve estar chegando e... Kauã

Ele me empurra e eu resisto caminhar.

— Taz — ecoou uma voz vindo de trás de nós, e ambos de nós nos viramos quase mecanicamente.

Taz perdeu o a cor ficando assustado, paralisou, o homem deve ter entorno de uns 30 anos, mas é um tanto acabado, tem uma cara de patrão, cabelo preto uma barba meio mal cuidada. Uma cara de quem não dorme, tem os ombros pequenos, o corpo também não é lá essas coisas é um rapaz meio comum, não grandão como eu, nem tatuado, meu braço é dois do dele, começo a me comprar automaticamente, quase como se eu estivesse dominando um espaço, quase como se fossemos dois leões em um mesmo território, ele não é nada chamativo, na verdade parece um nerdão estranho para caralho, nada contra os nerds mas ele carrega aquele ar de senso de humor deprimente e irritante, que fala de coisas como trabalho e não come no mesmo prato que o seu, suas mãos não são lá tão masculinas, tem dedos cumpridos e nitidamente delicados, é do tipo que corta e lixa as unhas e não as roe, do tipo que passa creme corporal e loção pós barba para não ficar com a pele irritada e cheira sorrateiramente a naftalina pois tem alergia a perfumes, sim, ele tem cara de ser alérgico, alérgico a alguma substância de seu próprio corpo, suor por exemplo? Ou até mesmo desses que lê rótulos para evitar glúten, ou qualquer coisa que ele cismou ser um problema como cloro na água, ou flúor, alérgico a camarões talvez amendoim ou a pó, desses que tem um floreio frescurento e rico, que separa cédulas de dinheiro na carteira, penteia os cabelos que estão ficando ralos para o lado para disfarçar as entradas, ele não é do tipo bonitão, mas nítido que seu sorriso e formato de seu rosto exala um certo charme de seriedade inigualável, como se flertar com os olhos e os dentes fosse sua melhor alternativa, além de escolher as palavras certas para falar na hora da conversa, não diz o que pensa, a não ser que ele queira que você saiba o que ele pensa, é desses que é chato e solitário gosta de garotos novos pois nenhum homem mais velho ou perto de sua idade teria interesse nele, deve amar ir ao museu, e trabalhar vendo gráficos fúteis fingindo ter alguma importância. Nesse caso sou mais interessante do que ele, isso não se dá pelos meus hábitos mas sim pelo simples fato de eu ser esteticamente mais encorpado, viril e predominante nas estrelinhas, ele é do tipo que não tem isso, que não tem medo de homens fortes pois sempre ganha brigas na lábia e homens como eu é do tipo que perde discussão na porrada, assim como o Taz também tem essa característica de que é muito capaz de bater em alguém que o tirar do sério, esse homem não demonstra fragilidade mas sim esperteza, e esperteza é algo que me assusta, se este é o Gustavo, o que não duvido, o Taz é muita, MUITA areia para o caminhãozinho dele.

— Não vai apresentar seu novo amigo? — ele falou com meio sorriso preso em malícia

— Não, esse. É...

— Prazer Kauã — estiquei a mão

Ele não pega na minha mão, da um sorrisinho, é exatamente o tipo de homem que imagino, Taz parece estar apavorado, como quando ele falava do seu pai quando eu e ele namorávamos. Encolhi a mão meio sem graça e inclino o queixo fazendo uma cara feia o encarando, um cuzão pelo visto é o que esse arrombado é – presumo.

— Kauã? — Gustavo ergue a sobrancelha quase que teatral e olha para Taz — Ah... Esse é Kauã não é? Aquele que a sua gerente do banco falou no telefone na semana passada e você disse que não conhecia ninguém com esse nome, não Taz?

Houve um silêncio. A maneira na qual ele falava, corretamente quase sem atropelar nenhuma vírgula, um home empertigado, de que questiona português. É melhor que eu não erre, melhor não ser uma piada em sua boca, caso contrário eu estouraria seu nariz caucasiano que nunca foi quebrado, e é visível na estrutura óssea sua perfeição.

— Gustavo, vamos embora, é... Eu te conto no caminho. — disse Taz avermelhado e nervoso.

— Tá doido para dormir no sofá de novo né? Depois fica chorando falando que não quer ficar sozinho. — ele tussiu um riso como se houvesse alguma graça — O quê eu falei para você sobre mentiras? — ele falou bronqueando o Taz mordendo os dentes — O quê eu falei que ia fazer com você da próxima vez que você mentisse para mim? Hein?

— irmão eu...

— Cala boca, não te mete — disse ele para mim

Dou dois passos para trás o medindo de cima em baixo, na distância que estou é fácil acertar um soco, mas eu confesso que eu tinha de pensar bem antes de fazer isso, pensar em Gabriel principalmente que está em meu colo, e até me imagino arrebentando sua cara, enquanto o Taz grita, mas o problema seria esse: o Taz, ele ficaria bravo comigo, mais do que já tá, e eu não quero esquentar as coisas.

— Em casa a gente conversa — disse ele apontando o dedo no rosto de Taz

Taz se encolheu e ele saiu, furioso, Taz me olha com um olhar de pavor e corre atrás de Gustavo, mas ainda olha do para trás quase como se estivesse pedindo ajuda.

— Gustavo, espera, amor eu... Espera eu vou te contar espera eu... — a voz dele foi ficando inaudível a medida que foram se afastando

Lisa apareceu na ponta do corredor.

— Gente eu já reservei a mesa! — gritou ela empolgada.

Eles não deram a mínima para ela, passaram reto pela Lisa, Lisa parou confusa olhando de um lado ao outro, afinou os olhos ao me ver e depois deu um pulinho com uma cara surpresa vindo em minha direção.

— O que você está fazendo aqui? — diz ela meio brava — Oi bebê ,— olha para o Gabriel toda meiga mas depois volta a olhar para mim , — cê tá loco cê não tá jurado de morte?

Respirei fundo a olhando.

A Ordem do CaosOnde histórias criam vida. Descubra agora