Cento & cinco

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Entra um menino todo desconfiado na sala, na quebrada basicamente todo mundo conhece todo mundo e eu já o vi. Esse menino vivia aprontando de cima para baixo, é novinho, trabalha como ajudante no mercadinho próximo.

— Desenrola, qual o problema?

— É que... Lobão eu tenho algo. Na verdade eu descobri, minha mãe pediu para eu não me envolver nisso mas... Eu soube que você estava atrás de um malote de drogas. — ele olhou desconfiado para Zulu

Olhei para Picolé dando sinal para que ele fechasse a porta, e depois para Zulu que empunhou seu fuzil olhando severamente para o garoto. O garoto olhou para Zulu meio amedrontado e depois para a porta se fechando.

— Vamo, solta o papo menor. — falei

— Está com o Zé-do-Corte mas ele está tramando contra você, ele está fazendo tudo isso por que quer vingar o Formiga. — disse ele.

Cruzei os braços olhando na bola do olho do moleque.

— E como sabe disso cuzão?

— Meu tio mora no Singapura e meu primo é do movimento do Zé-do-Corte, ele me contou e pediu para eu não contar para ninguém. — respondeu

— E a troco do que tá de traição com seu primo cuzão? Por que tu não tá honrando o moleque em silêncio? — perguntei

— Quero fazer parte do seu movimento pô, sou gente boa, sei atirar, sei fazer tudo, sou leal a você, faço até uns corre com os cara assalto a mão armada fora da comunidade e tudo pô — disse ele

— Quantos anos tu tem moleque?

— Dezessete

— Fica atento então, se eu precisar de tu eu quero tu lá beleza?

— Não, tudo suave. Eu vou estar onde você quiser irmão — respondeu

Dezessete anos a ficha é limpa, isso é uma vantagem, se ele for preso e menor, ele é solto muito em breve, isso é bom para mim, é bom para o movimento. Na favela não existe politicamente correto para o crime, a lei é do mais forte e o mais forte sempre prospera, olhei para Zulu e para o Picolé após o moleque sair.

— Eu sabia porra — joguei o lápis na mesa. — Não é a primeira vez que o Zé-do-Corte tenta me passar a perna, teve aquela confusão de Leninha lembra?

— Sim patrão — disse Zulu.

— Desde aquilo tenho pé atrás com ele. Aí pede para os cara livrar a barra do Jacob beleza? — falei ao Picolé. Ele balançou a cabeça positivamente saindo da sala.

Alisei o bigode pensativo.

— Ae chefia vou ir para casa que  o meu moleque veio me ver hoje, passar um tempo com aquele merda antes que ele faça merda de novo, dessa vez não tenho você para livrar a barra dele —  disse Zulu.

— Beleza.

Me levanto tocando sua mão.
Eu também preciso ir para casa.

O cheiro da lasanha da Malu irradia na vizinhança, ainda é domingo, moramos um pouco abaixo do morro, um pouco perto da quadrinha de futebol as vezes às quarta-feiras bato uma pelada com os cara no campo e da para ouvir os gritos encorpado dos homens daqui. Em dia de domingo a quadra é invadida por gays que jogam queimada, e os gritos encorpados viram esgarçados, falo isso por que toda vez que a quadrinha está em uso é meio que uma encheção de saco, mas você se acostuma, afinal por aqui gritar é algo que todo mundo gosta.
Malu está de costas quando entro em casa sorrateiro feito um rato, agarro ela cuidadosamente pois ela está na pia cortando pimentão, ela toma um susto mas ri, beijo seu pescoço e ela  vira a cabeça me dando um beijo na boca em seguida encosto meu pau em sua bunda mostrando estar ereto.

— Já falei que não gosto de armas dentro de casa — brincou.

Gabriel apareceu correndo na cozinha. Esse era o motivo de eu e Malu nunca transar, eu já havia entendido que não é por que não queríamos, as vezes ela queria e eu queria mas nem banho juntos conseguíamos a medida que Gabriel ia crescendo, a casa era pequena de mais para nós. Há uns nove meses atrás quando cheguei após ser livre da prisão Gabriel parecia até menor, dormia mais nos dando brecha para transar um pouco, porém rápido de mais. É isso o que acontece com todo casal, caímos na rotina  e esquecemos de nós mesmo. Entendo agora por que muitos pais se tornam impaciente, um homem sem sexo é um homem irritado. Eu não gostava de trair Malu mas o que eu podia fazer? Ficar esperando Gabriel parar de empacar nossa foda?
Olho para Gabriel bravo fechando a cara.

— Cadê seu chinelo Gabriel? Vai por o chinelo agora se não vou te descer o tapa mermão! Vai! — falei mostrando a mão para ele e ele correu.

A casa que morávamos era bem pequena três cômodos apertados e para completar a nossa falta de sexo Gabriel dorme em nosso quarto as vezes no meio dos nossos corpos. E para falar a verdade eu não teria a Malu como sobremesa hoje, fazia sei lá um mês? Ou um mês e meio que nossos corpos não se encontravam.
Peguei a faca sutilmente da mão dela.

— Deixa eu fazer isso.

Ela deu um riso e se afastou. Eu aprendi a cozinhar, cozinhar de verdade, na Comunidade tu vira homem de verdade, desses que precisa saber fazer para sobreviver, Malu gosta quando faço as coisas na cozinha, ela se prontificou a olhar o arroz enquanto eu picoto o pimentão em quadradinhos.

— As vezes você é muito duro com o Biel, Kauã.

— O quê quer que eu faça?

Ela abriu o forno deixando vazar aquele cheiro gostoso de cozido de lasanha e fechou me olhando e jogando o pano de prato nos ombros.

— Que você só seja amoroso, ele te vê como o pai dele e você o trata como se ele fosse um estranho, e se ele realmente for seu?

— Muda nada já estou criando o moleque, e quer saber? Eu acho que ele é meu mesmo nunca foi filho do Dinho. Ele tem até minhas manias.

— Não, ele não é seu. — ela passou por mim levando uma panela para a mesa — É do Dinho.

— Como sabe, tu trepou comigo e com ele?

Malu parou colocando a mão na cintura.

— Que diferença faz isso? Cê vai tratar ele com mais amor? — riu descrente.

— Faço o que os pais fazem

— Ele só tem dois anos Kauã e você fala com ele como se ele fosse adulto. Dois anos e você diz a ele gírias, palavrões, ameaças. Ele só sabe comer, brincar e dormir — explicou.

— Dormir no meio da gente, muito legal isso né? — ela bateu a geladeira e a olhei irritado — Não me amola Malu, porra. — larguei a faca terminando de picar o pimentão e fui para outro cômodo.

Gabriel está na sala vendo televisão, os desenhos repetidos me irrita, me sento no sofá e troco de canal colocando no noticiário.

— Papai..

— Eu vou assistir agora Gabriel — falei o olhando

É impossível que ele saiba interpretar, então ele faz o que faz de melhor: abre um berreiro choroso e eu retorno ao canal de desenho irritado para que ele cale a boca e me levanto injuriado indo para o quarto. Por isso odeia ficar em casa, essa ideia de família é um caos, ainda mais uma família pobre como éramos. Se eu tivesse minha vida anterior jamais brigaria com uma criança de três anos por causa de uma única televisão ou quarto, ele dormiria no quarto dele sem pestanejar e eu a Malu iríamos poder trepar. Falta de sexo isso também me irrita e muito.

Tenho meus momentos de lazer ou tento ter e nos momentos de lazer desde a prisão eu tenho tentado aprender a tocar violão, eu não sei por que mas eu adoro o som e as vezes arrisco tentar excetuar algumas notas e ver vídeos na internet. Me sento na cama, tiro a camisa e pego o violão ao canto do guarda roupas, eu roubei esse violão, foi o primeiro assalto que participei e queria uma lembrança o guardei e pensei em vender, mas é um violão bonito, preto, ficou aqui durante uns meses. Aprendi afinar, e meu primeiro acorde tocado foi parabéns para você com um acorde só, as vezes eu precisava somente me distrair um pouco e acho que era isso que eu estava fazendo para não sair pela porta e recusar a lasanha de Malu.

A Ordem do CaosOnde histórias criam vida. Descubra agora