Cento & vinte & três

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Taz limpou a garganta após dar mais uma colherada na sobremesa e afastou a mesma de si me olhando.

— Foi um dia depois da última visita que ela te fez... — começou. Tomei um fôlego e dei um risinho triste, ele também tentou sorrir em seguida a mão dele pousou sobre a minha em cima da mesa — Parecia que ela só estava esperando te ver uma última vez, ela morreu nos meus braços, estávamos indo ao hospital depois dela passar muito mal, eu tinha ido embora para o Rio Grande, havia passado na faculdade de biologia de lá mas quando sua mãe ficou doente eu voltei, continuei estudando claro e tentei migrar o curso para cá, mas... Foi muito difícil, para mim e para ela.

— E meu pai? O que meu pai fez?

— Kauã seu pai... Seu pai tinha uma amante Kauã, ou arrumou quando sua mãe adoeceu eu não sei.

— E-e ele não, ele não cuidou dela? Ele? Ele... — Taz negou com a cabeça, meus olhos se encheram.

— Nós cuidamos, eu, minha mãe, a tia Lú, seus primos — riu de maneira delicada e orgulhosa — O dinheiro que você deixou pagou tudo, tudo mesmo, todo o tratamento. O melhor tinha.

Meus olhos encheram, olhei para a mão dele acariciando a minha e a segurei com a expressão mais triste do mundo estampada na minha face.
Soltei o ar que estava preso nos pulmões num sopro frustrante e Taz deu um riso nervoso deixando escapar uma lágrima que ele secou rapidamente e logo riu de novo com os olhos cheios se lembrando de algo.

— Ela torcia muito pela gente, muito ela... Ela falava que a gente ainda iria ficar juntos e que eu me casaria com você e ela iria assistir esse dia, nem que fosse numa cadeira de rodas — riu e mais uma lágrima escapou — Ela planejava a nossa vida e quando você proibiu ela de falar de mim, naquele dia ele não me contou, ela durante anos ia te ver e nunca me disse que não falava sobre mim, eu mandava algumas cartas, mas eles nunca chegaram a você por que ela não tinha coragem de entregar depois do seu pedido — ele riu tristemente fazendo uma cara de choro muito expressiva, então parou passando a mão no nariz avermelhado e sugou a lágrima do nariz — Quando ela me contou já perto de sua morte ela chorou tanto, mas tanto e me devolveu todas as cartas que eu não te entreguei.

— Oh — resmunguei deixando o choro escapar de uma vez.

Então fechei os olhos com as mãos apoiando os cotovelos na mesa deixando irradiar no meu peito o cheiro desesperador que eu não conseguia chorar, o choro que talvez eu estivesse devendo ao mundo, o choro que eu guardava por que eu não havia chorado pela minha mãe, não de verdade, não com gosto, eu não havia chorado pela minha mãe e agora chorava, e entendi que chorar por ela era como chorar pelo Taz, as duas dores eram muito semelhantes as duas dores eram tão profundas, dores de amor, das que fazem cicatriz na alma, dor que marca profundamente.

— Ela foi forte Kauã — ele disse com voz de choro — E ela não queria partir, ela pediu tanto para Deus poupar ela, pediu tanto, ela chorou tanto na última visita, mas ela sabia que era a última, sabia que era a última. E quando estava morrendo ela pediu para que eu nunca te desse as costas que você não era mau. Você disse a ela que não era mau que estava arrependido... "Tome o meu menino, tome o Kauã" — recitou em um murmuro sufocante

Eu falhei, eu fui mau sim.
Taz se levantou e puxou minha cabeça para ele me abraçando, enquanto eu chorava desesperadamente descontroladamente.

— Cremamos o corpo dela, e as cinzas ela pediu que fosse jogada na praia, no mar por que ela amava o mar — deu um pausa também chorando — Lisa, eu, tia Lú, tia Vânia, fizemos isso...

— Eu fui tão errado eu tentar fugir disso tudo — resmunguei agarrado no seu corpo em meio ao abraço.

— Shh — ele fez acariciando a minha nuca enquanto eu chorava sem parar com o rosto atolado em sua camisa, mais precisamente em sua barriga.

A Ordem do CaosOnde histórias criam vida. Descubra agora