Cento & quatro

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A Casinha não suportava muita gente e eram uns 40 homens armados até os dentes dentro daquele local, se a polícia chegasse agora por exemplo a merda estava feita, geralmente não é feito esse tipo de reunião, passamos notícias e recados pelo celular ou no boca-boca, mas dessa vez eu não queria um telefone sem fio.

— Seguinte família, sumiu um malote do Zé-do-Corte. Malote que eu pedi para aquele garoto o Jacob entregar e o malote sumiu contendo vinte dez peças de pó de meio quilo cada uma, e uns 60 pinos. Zulu pediu para vigiarem o filho da puta, mas agora eu quero saber onde está a porra do malote, a partir de amanhã qualquer um que traficar no morro sem minha ordem é pá sentar bala beleza? Suspendem os aviõezinhos. Suspende a porra toda até segunda ordem — falei, um burburinho começou a se formar —, é o seguinte: se não cumprir essa porra eu sento a bala, então isso serve para vocês também. Avisados? Felizes? Metem o pé.

Quando a droga não circula na comunidade a comunidade perece assim como no dia seguinte do baile há um silêncio e uma paz, não que fosse pela ausência do tráfico e sim pela noite conturbada no baile, dessa vez apenas um garoto morto, esfaqueado e roubado. A mãe chora sob o filho e a responsabilidade do ato recai sobre mim, clamam por justiça, e quando a justiça não é feita por mim a polícia surge aqui e isso não é algo que gostamos. Não que eu seja conivente com as mortes mas com o tempo descobre-se que há dois lados para a cada moeda, o filho de dona Carmem não era inocente, pelo contrário era um sete um, ladrãozinho meia boca, e no dia do baile os homens fizeram justiça, e não há como fazer justiça sob a justiça dos homens.
Segurei o tráfico por 3 dias, mas nada, nenhuma pista, Jacob não estava mesmo com o malote, os cara invadiu a casa dele reviraram tudo e deram um prensada no moleque, ele jurou de pé juntos que não estava com ele, prefiro não tomar nenhuma atitude drastica.

(...)

— Sinto muito dona Carmem mas não posso fazer nada — falei entregando a ela mais um pedaço de papel higiênico.

— Meu menino era tão bonzinho, meu menino

— É, era sim — resmunguei me levantando, me aproximei de Zulu — Manda os cara levar essa velha embora se ela entrar aqui de novo eu juro que eu vou dar um tiro em cada um dos olhos dela meu chapa. Porra já faz uma semana que filho dela morreu no baile.

Zulu assobiou para um dos meninos escoltar a velha.

— Manda entrar o próximo aí... — falei me sentando na cadeira de plástico atrás da escrivaninha.

Entrou o senhor João com a perna manca e se sentou na mesa diante de mim.

— Fala seu João o senhor tá bão?

— Tô sim meu filho — riu quase sem dentes.

— O que rolou seu João?

— É que esse mês não consegui sacar o dinheiro da aposentadoria — ele falou vagarosamente feito uma tartaruga — E aí não consegui pegar cesta básica na última semana por que fiquei muito doente.

Quando não comparece alguém nos damos a cesta para o proximo.

— Ai Zulu quanto tá custando uma cesta no mercado?

— Uns cento e cinquenta.

— Manda os cara lá comprar e levar na casa do seu João — ordenei.

— Beleza — disse ele.

— Pronto seu João mais alguma coisa?

— Não, obrigado fio — disse o velho se levantando todo torto, mal conseguia ficar em pé.

Chamei Zulu com a mão mais para perto enquanto o velho se retira.

— Irmão esse daí tem família?

A Ordem do CaosOnde histórias criam vida. Descubra agora