Centro & seis

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Tentei de todas as formas gambelar Malu para não ter de ir na excursão com as crianças, mas ela insistiu, insistiu a noite toda para que eu fosse e levasse o Gabriel.
Ela vai trabalhar na escola todos os dias às cinco da manhã e eu levo Gabriel para a creche as sete, depois ao sair da escola ela pega ele na creche. Mas hoje ele não iria para creche, sete horas eu já havia de estar lá na porta da escola que ela dá aula, para que eu fosse junto dela no ônibus com o Gabriel.

Eu não tinha roupas para sair para esses lugares, não era muito de ir para lugar algum, eu nem fazia questão no caso. Minha vida se tornou simplória  empobrecida em todos os aspectos, se engana quem acha que bandido é mafioso, com o nome sujo não dá para comprar muita coisa da hora e não que eu andasse desarrumado mas meu quite de roupas eram falsificados, roupas e desqualificada, a única peça original era somente o boné e o óculos espelhado por cima do mesmo. Não quis nada da minha vida passada, eu não fui atrás de nada que eu tinha ou tive, não fiz questão.
Não que eu precisasse de roupas chiques para ir a um zoológico aquático, mas meu tênis mesmo estava velho e com pequeno rasgo. A roupa era somente uma camisa branca e um short qualquer com boné de aba torta branco na cabeça.
Eu sabia a onde ficava o Aquário, e sabia que lá só havia gente chata, eu evitava lugares com pessoas chiques de mais. Não se era mais minha praia. Gabriel tinha três anos mas estava na mesma decadência que eu, só tinha 3 sapatos e o seu melhor era o do homem-aranha.
Malu sempre me fazia ceder, eu podia ser maior machão mas no final das contas ela meio que dava a última ordem em casa, e eu sabia que se eu não fosse aquilo resultaria em uma briga e eu não estava a fim de brigar com ela.

Gabriel estava inquieto agitado, tudo para ele era festa, ele queria anda pelo ônibus, não parava um instante no meu colo, toda hora tirava o meu chapéu, ficava gritando, horas chorava me deixando ainda mais irritado. Foram-se uma hora e meia naquele tormento incessante, naquela algazarra das crianças, para Malu aquilo também era festa, ela cantava com as crianças, ria com os outros professores e hora ou outra me jogava sorrisos doces, como se tentasse me convencer que estava tudo bem.

Chegamos finalmente.
As crianças estavam agitadas no Hall de entrada, animadas para falar a verdade, sendo todas endireitadas em filas pelos instrutores do parque e professores. Gabriel está em meu colo e seus pezinhos agitados fez seu sapato soltar o velcro e caiu no chão, enquanto rolava aquele burburinhos e cacofonia de crianças gritantes.

— Oi garotada eu sou biólogo marinho — disse o instrutor e todos se silenciaram enquanto eu tentava colocar o sapato em Gabriel, a voz do funcionário me trouxe uma vaga lembrança e eu ergui a cabeça meio confuso — Meu nome é Tarcís...

Ao erguer a cabeça lentamente, tendo minha mente inundada pelo som de sua voz que não era a mesma mas era semelhante me fazendo escutar algo que eu não lembrava o som, meus olhos bateram no seus. Ele afinou os olhos castanhos-esverdeados quase não o reconheci de imediato, mas ainda era-se os mesmos olhos doce. Sua voz travou na garganta, as crianças começaram a se dispersar se agitando no silêncio que se formou.
Ele havia envelhecido, mudado para falar a verdade. Estava mais velho, corpulento, os ombros largos, não era mais o menino franzino que conheci quando tinha dezenove anos, a estatura continuava a mesma, um baixinho de cara fofa, mas a fisionomia de seu corpo havia mudado um pouco parecia-se mais maduro. Eu seu rosto ganhou forma se tornando ainda mais expressivo com leves marcas de expressões bonitas contemplava-se uma barba levemente rala por fazer, sutil em fios louros, fios grossos cor de ouro (nada semelhante a antes), o nariz levemente corado tão qual como suas maças do rosto em sua pele que ficará ainda mais vivido ao me ver como se houvesse visto um fantasma. Os cabelos continuavam os mesmos ondulados, só que curtos e agora com um corte degrade a dos lados, dentro dos padrões de moda. A boca rosada arqueada, parecendo tentar tomar ar estava entalado, ele apertou a sobrancelha confuso e inclinou a cabeça me olhando em choque. Suas mãos cruzavam-se uma na outra apertando os dedos avermelhados transparecendo seu nervosismo.

Taz era um homem, um homem por completo não um menino, um moleque, até mesmo a voz embora ainda tivesse semelhança a antes estava mais encorpada mais grossa. As sardas em seu rosto que eram sutis nem apareciam quase. Suas sobrancelhas grossas de fios louros escuros apertaram-se quase amarrando-se uma a outra um olhar furioso, odioso agora que se deu conta de que era eu. O ar finalmente saiu de sua boca em um arfada desesperadora, os olhos começaram a se inundar e uma expressão incrédula atingiu ele fazendo ele negar com a cabeça.
Uma colaboradora tocou seu ombro, e ele me olhando assustado como estava, negou a cabeça mais ainda, dando meia volta e saindo em disparada, correndo para qualquer que fosse o lugar eu acho, vi ele puxar o seu crachá da camisa azul ao longe.

Fiquei atônito, paralisado e todos me olharam meio confuso, Malu que estava ao meu lado me olhou meio perdida.

— O quê? O que foi isso? Você conhece aquele homem? — perguntou ela, mas sua voz estava longe

Gabriel meio que se desprendeu do meu colo e passei ele para o colo dela. E de novo em muito tempo comecei a ter um ataque de Pânico, uma fobia que eu tive somente na prisão, meu pulmão pareceu se esvaziar completamente e minha mente explodir.
Meu coração disparou e fui tomado por uma queimação no peito, era como se eu estivesse prestes a ter uma overdose. O ar travou não saia e nem entrava.

— Kauã, tudo bem? Kauã? — dizia Malu e sua voz ia se distanciando cada vez mais.

Minha memória foi inundada de lembranças boas que por alguma razão eu havia me esquecido, eu preferi esquecer, era uma overdose, daquelas que só grandes amores podem causar. Eu jurava que estaria preparado para esse momento, ansiei que fosse o encontrar, pois lá no fundo eu sempre achei que a minha história com o Taz não havia acabado, mas o fato dele ter ido possivelmente embora fez com que eu aceitasse que esse fato jamais fosse acontecer. Não nego que dentro do meu eu, eu acredito que criava cenas na qual eu fosse o encontrar na rua, ou em qualquer outro lugar como um mercado, até mesmo em algum assalto, eu não sei, depois de um tempo eu deixei de acreditar que o veria, deixei de acreditar que descobriria algo dele por que eu não tinha nada a seu respeito e eu as vezes queria saber seu paradeiro, se estava realmente em Rio Grande do Norte, uma leve curiosidade eu jamais perguntaria ao Miguel, eu pedi a ele que ele não falasse mais sobre o Tarcísio, assim como pedi a minha mãe, eu proibi que Taz me visitasse o tirando da lista de visitantes eu recusei qualquer tipo de contato que ele quisesse por que eu queria que ele me esquecesse por tudo que eu causei em sua vida.
Tarcísio foi uma paixão daquelas que doem para caralho, e de repente eu senti doer como se tivesse sido alvejado bem no peito, seu sorriso, seus gestos, seus modos, sua voz. Minha mãe, que já havia falecido, e também resolvi esquecer retornou em minha memória, e tudo que eu fui, e tudo que eu era eclodiram como se duas almas diferentes dentro de mim se encontrassem. Esquecer o passado parece fácil quando você não tem contato com ele.

Eu pereci, esmoreci, caminhando segurando a mão no peito enquanto Malu tentava me segurar e fui caminhando até a saída do local buscando ar, passei pela porta tendo as vistas escurecidas ainda mais pela claridade do sol. Tentando respirar, respirar, eu preciso respirar. O filho da puta do Miguel sabia, agora entendo por que ele perguntou se eu iria e pior fez aquela expressão estranha e ele podia ao menos ter me alertado.
Caí de joelhos naquela pequena rua esburacada e estreita. Me lembrei do cadeião, quando eu ficava assim e entrava em estado de loucura, falando sozinho, andando sem rumo, era-se a mesma sensação só que pior. Malu tocou no meu ombro me chamando e a olhei com os olhos embaralhados em lágrimas negando com a cabeça. Quando olhei para a porta de entrada do aquário Tarcísio e um grupo de pessoas estavam lá olhando aquilo, ele deu alguns passos em minha direção, que vexame.

— Kauã? Kauã? O que você está sentindo? Kauã? — disse Malu tomada em desespero enquanto Gabriel chorava em seu colo.

Apaguei sentindo meu corpo tombar feito um saco de batatas, tudo escureceu.




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Eita gente morreu.

A Ordem do CaosOnde histórias criam vida. Descubra agora