Eu estava certa de que não gostaria de ser um peixe. Pelo menos não um peixe de aquário. Meus olhos fitavam o pequeno animal dourado envolto por brinquedos toscos de plástico que lhe faziam companhia naquele recipiente, e eu me perguntava há quanto tempo o coitado estaria ali. Por anos seu único espaço tinha sido uma imitação de fundo do mar que não devia ter mais do que sessenta centímetros.
O fato é que ninguém se importava com o peixe. Eu também não deveria me importar. Todos os anos, há pelo menos cinco, eu precisava voltar e encarar o mesmo aquário, esperando pela hora que o oftalmologista achasse conveniente me atender.
O silêncio que inundava a sala de espera foi quebrado quando alguém aumentou o volume da televisão. Despedi-me do peixe para olhar o aparelho. Uma espécie de plantão estava no ar. A repórter loira (que parecia ainda usar fraldas) estava em uma rua qualquer, cercada por policiais. Ela falava com certa dificuldade, lendo informações do papel rabiscado em suas mãos:
'O corpo estava dentro do carro há pelo menos três horas quando a polícia chegou até o local. Um dos moradores da vizinhança encontrou o homem morto quando saiu para caminhar nesta manhã. Roger Birskoff, como foi identificado, morreu com uma lança cravada no peito. O seu assassino também foi encontrado morto, a poucos metros do carro. A polícia continuará investigando o caso. Voltaremos a qualquer minuto com novas informações.'
Pobre Roger. Por que alguém cravaria uma barra de metal em seu peito? Não era mais fácil um simples tiro, como em todos os outros crimes comuns? Se bem que todo aquele clima macabro deixou-me excitada, fazendo com que eu esquecesse minha consulta por alguns segundos.
Até que o velho em minha frente roncou. A esposa do homem escondia seu rosto envergonhado atrás de uma revista. O senhor, que havia acordado com o cutucão que ela lhe dara, pigarreou enquanto manteve o olhar voltado para o chão. As pessoas ao seu lado seguravam o queixo. Tédio, sono e falta de paciência eram reis.
– Senhor Korsnëm? – finalmente uma voz preencheu o vazio. – O doutor está lhe chamando.
Maldito velho. Aposto que meu horário era mais cedo e o deixaram passar na minha frente. Não tinham compaixão com o pobre do peixe, mas podiam ter com o velho.
Olhei para o relógio em meu pulso enquanto a esposa do homem barulhento o ajudava a se arrastar para cumprimentar o médico. Eram nove e quinze, e meu horário estava marcado para uma hora antes. Naquela manhã de sábado eu deveria estar na escola, repondo minhas aulas. Mas, como já havia marcado horário com o oculista meses antes (é sempre difícil esses caras terem tempo para nós de imediato, quase impossível), tive de comparecer à consulta, pois minha mãe se negava a pagar uma taxa para remarcar. E, como ainda estava naquela cadeira desconfortável esperando para ser atendida, podia me considerar a garota mais ferrada e com problemas no mundo. Ganhar falta em literatura faria com que minha mãe – de novo ela – e eu tivéssemos outra discussão sobre como é bom estudar e o quanto devemos dar valor à vaga na escola pública. Tudo desculpa por ela nunca ter realmente freqüentado a escola como deveria. Minha mãe era meio neurótica mesmo.
Prometi a mim mesma que esperaria por mais quinze minutos, mas antes de passarem dez deles, levantei em direção ao balcão da recepcionista.
– Isso vai demorar? – perguntei, com a voz firme.
A mulher aparentava ter uns trinta anos. Seus seios fartos dificultavam a leitura de seu nome no crachá localizado no peito. Mabel. Ela estava ao telefone, com sorriso na boca (acho que tinha pedaços de chocolate nos seus dentes sujos), e enrolava o fio do aparelho enquanto conversava. Ao perceber que eu estava ali parada, desligou.
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O Menino debaixo da minha cama
Teen FictionSophia é uma garota de dezesseis anos comum, diferentemente de seus problemas. Sua irmã está grávida do namorado motoqueiro, o bebê que a sua mãe teve durante o segundo casamento a faz acordar todas as noites, e o irmão caçula... Bem, ele é o caçula...