Capítulo 4

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Deixei a cozinha e fui até a sala, onde larguei minha mochila no sofá. A televisão estava desligada, então eu tinha 99% de certeza de que Greg (o meu padrasto) não estava em casa.  Pensei em assistir a alguma coisa, mas sábado sempre era um tédio na televisão. Decidi tomar um banho demorado – não tanto, pois minha mãe bateria na porta, gritando que as baleias morreriam de sede -, então rumei até as escadas para chegar ao meu quarto. O problema é que um pequeno obstáculo me esperava, e ele atendia pelo nome de Gustavo.

– O que você está fazendo aqui, pirralho? – perguntei para o meu irmão, que estava parado no meio da escada.

– Estou esperando a dama. – ele respondeu, revirando os olhos.

– Quem? Eu? – não conseguia entender nada.

– Haha, claro que não. Você está suja de grama e seu cabelo está mais bagunçado que o quarto da mamãe. Aliás, ela é a dama. – explicou.

Foi aí que eu reparei em sua roupa. O pirralho asmático de nove anos estava usando o terno que minha mãe comprou para ele quando nossa tia rica casou (ela foi morar no exterior depois disso. Interesseira dos infernos). E, desde então, ele só podia usá-lo em ocasiões especiais. Seus sapatos eram enormes, o que o deixava com pés de palhaço. Devia ter pegado do armário de Greg. Qual era a ocasião importante dessa vez? Ah, o jantar de Cecília. Comecei a rir.

– Mia te obrigou a fazer isso, certo?

Ele balançou a cabeça.

– E ainda tenho que dizer algumas palavras. – ele olhou para o alto das escadas. – E agora, com vocês, a dama de vermelho! – gritou.

Cecília deixou as panelas por um instante e observou as escadas, assim como o bebê, que esperava quieto. A cozinha e a sala ficavam no mesmo ambiente, apenas separadas por um pequeno balcão.

Do alto dos degraus, minha mãe começou a descer lentamente, enquanto abanava para nós. Ela teve que segurar-se no corrimão quando tropeçou, pois não estava acostumada a usar salto. Mas isso não a impediu de continuar sorrindo e abanando. Acho que em sua cabeça, milhares de pessoas aguardavam por ela naquela sala vazia. Como minha família conseguia ser patética.

– O que é isso, Mia? – perguntei.

Eu não conseguia chamar minha mãe de mãe. Só por seu nome mesmo.

– Mamãe está pronta para a festa, garotas! – gritou alegremente. – Gus, coloque uma valsa, vamos dançar.

Mia tinha trinta e oito anos. Era jovem, e muitas vezes perguntavam se era minha irmã. Eu odiava isso. Os meus colegas de escola sempre ficavam reparando nos seios grandes dela, e a mulher também contribuía, usando roupas decotadas e desapropriadas para a idade. Mesmo depois de eu alerta-la de que não tinha mais vinte anos, ela continuou a mesma. A dona da casa roxa só perdia para Cecília, mas também era muito bonita. Seu cabelo era um pouco mais curto e loiro, com algumas mechas vermelhas (ela insistiu para que a sua melhor amiga pintasse suas madeixas). Diferente da família toda, o meu era o único castanho. Pintado, claro. Castanho-chocolate. Só porque eu gostava de ser diferente. 

Voltando à dona da casa: Ela era meio louca, bipolar e extravagante. E quando eu falo bipolar, não é porque o seu humor variava, ou porque ela era estressada às vezes. Mia sofria de transtorno bipolar de verdade, e em suas crises éramos obrigados a agir da melhor maneira, evitando a todo custo irritá-la. Os remédios que tomava não davam conta. Essa era a minha mãe.

Recusei-me a vê-la dançando valsa pelo meio da sala com meu irmão sendo forçado a acompanha-la enquanto Cecília ria. Subi as escadas – agora livres – e parei na frente do meu quarto. A porta branca tinha uma pequena placa pendurada que dizia: 'Qarto da Cecília & Sofia'. Eu não sei como não tinha jogado aquela placa no lixo ainda. Foi mais uma tentativa ridícula da minha irmã tentar bordar alguma coisa. Além de esquecer uma letra, meu nome estava errado. Quando abri a porta, tive mais uma razão para surtar.

O Menino debaixo da minha camaOnde histórias criam vida. Descubra agora