Capítulo 15

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Fui acordada com o som ensurdecedor de um apito. Coloquei o travesseiro em cima de minha cabeça para que o barulho parasse, mas de nada adiantou. Reclamando do mundo inteiro, levantei da cama e me dirigi até a janela para entender o que acontecia. Era Mia ordenando para que as crianças cooperassem e subissem no veículo que as levaria até a escola.

O carro de minha mãe era azul, chamava mais atenção do que qualquer coisa. Era uma Picape velha de Greg que ela usava para levar as crianças do bairro para a escola todos os dias. E ela ganhava para isso. Mas não pense que era um automóvel comum, pois Mia tinha feito o favor de escrever 'Mia Móvel' com tinta amarela nas laterais. Na carroceria, ela mandou que o quatro dedos soldasse algumas cadeiras, para que as crianças pudessem sentar durante o trajeto. Eu sei, era perigoso e contra a lei. Os tiras já tinham multado minha mãe, mas ela recusou-se a encontrar algum outro emprego, então continuou de motorista.

– Anda cabeça de fósforo, a escola não vai esperar por nós! – gritou Mia.

Ela os ajudava a subir na caçamba e os pequenos tomavam seus lugares. Minha mãe apitou mais uma vez.

– O que você está esperando, Sardas? – perguntou.

A menina sardenta tremeu de medo.

– E se chover, tia? – ela quis saber timidamente.

– Daí então nós nadaremos, está bom assim?

Mia entrou na caminhonete e usou seu apito mais uma vez. O carro deu a partida, e finalmente pude ouvir o som dos pássaros naquela manhã. Olhei para o relógio, estava atrasada. Fim de ano é estressante, você não aguenta mais aulas e não vê a hora que acabe.

De banho tomado, desci as escadas e encontrei os homens da casa. Greg estava alimentando o bebê, e Gus fazia caretas para que o irmão menor continuasse rindo. Era engraçado ver os três juntos.

– Você apareceu! – falei para o meu padrasto.

Ele já estava bebendo como de costume. Não sei como alguém conseguia ingerir bebida alcoólica tão cedo.

– A sua mãe não é fácil. – Greg disse o óbvio. – Precisei passar mais tempo na madeireira até que ela me perdoasse.

– Perdoasse do que? – perguntei.

– Ela achou que me irritei demais sobre a gravidez de Cecília. E, como a filha é dela, acabei opinando mais do que deveria.

Suspirei.

– Ignore Mia, ela nunca vai entender a diferença entre o certo e o errado. Não sabe o que é sensatez.

Procurei pela tigela do cachorro e a enchi com ração. Gritei por seu nome, então ele veio correndo. Comeu como se fosse seu último dia na Terra.

Pude escutar um barulho peculiar vindo das escadas. Observei com atenção aquele sapato rosa de salto alto ecoando pelos degraus. Era Cecília, que vinha descendo alegre, enfiada dentro de seu terninho 'estou-tentando-ser-uma-executiva' preto, gesticulando com as mãos.

– Como estou? – perguntou a garota sorridente.

– Dê uma volta! – gritou Gus.

Minha irmã obedeceu, desfilando pela casa.

– Você vai vestida desse jeito para o colégio? – perguntei, desejando ouvir uma resposta satisfatória.

Ela aproximou-se de mim, dando um tapa de leve no meu ombro.

– Não seja boba, Sophia! Vou atrás de emprego.

Ok, o apocalipse chegou e ninguém avisou? Onde está a Terra sendo engolida e tudo virando fogo? Tipo assim, Cecília acordando cedo para procurar emprego? Só poderia ser uma brincadeira. Eu comecei a rir.

– Não ria. – falou séria. – Só volto para casa com um emprego em mãos, vocês verão.

– Então prepare uma mala com roupas e comida, pois é impossível você encontrar algo logo no primeiro dia. Você não tem experiência nenhuma. – fui grossa, eu sei.

Cecília olhou para mim com desprezo.

– Eu já fui babá, tá? – lembrou-me

– Por quarenta e seis minutos, até você ligar, implorando para que eu fosse apagar o incêndio que tinha começado no Playstation dos filhos da vizinha. – dessa vez o desprezo estava em meus olhos.

– A culpa não é minha se eles colocaram fogo naquilo! – gritou.

– Qual é, você deixou o ferro de passar roupas ligado em cima dos fios do eletrônico.

Minha irmã não soube o que falar, então levantou o nariz e procurou por uma bolsa perdida pela sala. Greg levantou de sua cadeira, colocando o prato sujo do bebê na pia.

– Eu estou orgulhoso de você, Cecília. – falou ele. – Boa sorte.

Ela o olhou, encarando-o por um momento. Seus lábios formaram um pequeno sorriso. Pequeno mesmo, daqueles que não se pode ver os dentes. A grávida ainda não se sentia confortável em demonstrar afeto com nosso padrasto.

Cansada do silêncio estranho que pairou no local, resolvi perguntar qualquer coisa aleatória.

– Você não tem mais aula?

– Não, acabamos ontem. Eu passei finalmente, você acredita nisso? – Cecília falou.

Realmente era difícil. Acho que o colégio havia cansado dela e a aprovado de uma vez.

Aproximei-me de minha irmã.

– Você contou para as suas amigas do... Do imprevisto? – cochichei.

– Não. Ainda é cedo. Esse bebê pode até morrer se eu não cuidar direito dele, então não quero sair anunciando para depois perdê-lo.

– Não é fácil perder um bebê, Cecília. – ensinei.

– Eu escutei que certa vez a nossa antiga vizinha ficou gripada, e ao tossir o bebê dela simplesmente saiu... – falou.

Revirei os olhos.

– Pare de acreditar em tudo que te contam. – pedi.

Ela não entendeu. Desisti.

Agarrei a minha mochila, despedindo-me de Greg que ria com toda a situação. Saí de casa e a minha bicicleta esperava por mim no gramado. Os seus pneus estavam cheios. Eu realmente amava o meu padrasto.

O Menino debaixo da minha camaOnde histórias criam vida. Descubra agora