Capítulo 35

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A música que meu irmão iria tocar com seus amigos começou. Era 'Down', minha segunda favorita do Blink 182. Dei meu primeiro passo, pegando outra vez o corredor lateral do teatro. Abaixei os olhos, fitando meu poema uma última vez. Estava escuro demais para ler algo. Estava escuro demais para perceber que eu estava prestes a esbarrar em alguém.

– Apressadinha.

Perdida, olhei para a pessoa. Era Ben. Ele sorria para mim levemente, acho que estava feliz por rever-me. Eu juro que não o tinha visto no caminho, ok?

– Ai meu Deus.

Falei sem pensar, apenas olhando para ele.

– O que aconteceu? – ele perguntou.

O 'Ai meu Deus' poderia ser para várias coisas:


1. Primeiro por Ben estar ali.

Eu tinha uma leve impressão de que ele iria, mas como já havia acabado o colegial, ele não tinha motivo nenhum para ir. Isso me deixaria mais nervosa ainda ao subir no palco.

2. Segundo por Ben estar fofo demais.

Ele estava usando um colete preto sobre uma camisa branca. Não era comum ele vestir este tipo de roupa, mas ele estava simplesmente lindo.

3. E terceiro por Ben estar ali, fofo demais, e visível.


Quer dizer, se Jonas estivesse vigiando meus passos lá do alto, ele certamente ficaria se perguntando sobre quem seria aquele garoto novo.

Parei de pensar e apenas levantei a folha com o poema, mostrando-a para Ben.

– Isso aconteceu. Sou a próxima.

Os olhos do garoto brilharam.

– Fiquei sabendo. Por que você acha que eu apareci?

– Eu te odeio.

Ele riu. Algumas pessoas da plateia nos olharam com reprovação.

– Você pode aparecer mais vezes lá em casa. Sabe, só se você fizer questão mesmo de me ver.

– Pode me esperar. Mas procure arrumar uma porta, sim?

Ele sorriu com os dentes cerrados. Ben abaixou-se um pouco, colocando sua mão atrás de minha cabeça, perto da nuca. E então ele me beijou.

Sim, eu fui beijada por ele.

Sim, pânico.

Sim, falta de reação.

Sim, morri.

Ok, eu não morri. Mas quase. Quase mesmo.

Não foi exatamente um beijo. Tudo bem, foi. Mas foi um daqueles não correspondidos. Eu pensei que ele iria apenas beijar-me na bochecha, mas os seus lábios grudaram-se nos meus por alguns poucos segundos. A sua boca era quente e macia. O garoto cheirava muito bem, algo que me lembrava menta.

– Boa sorte. – o garoto disse e passou por mim.

Acho que ele arriscou tudo que tinha fazendo aquilo. Eu tinha certeza que ele mesmo morreria de vergonha se me encontrasse novamente. E nós nos encontraríamos outra vez, claro.

'Jonas!', meu pensamento gritou.

Meus olhos ainda estáticos deram um jeito de olhar para o mezanino abandonado, procurando por ele. O garoto não estava aonde disse que estaria. As escadas também não mostravam nenhuma pessoa. Ele havia ido embora.

Um facho de luz caiu sobre mim. Espremi os olhos, forçando a visão.

– Aí está ela, pessoal! – disse o diretor no microfone. – Venha Sophia, é a sua vez!

Eu estava completamente perdida e confusa. Se o diretor gordo havia me chamado antes, eu não havia escutado mesmo. Foi preciso de um facho gigante de luz para encontrarem-me no local, e agora provavelmente todos estavam olhando para mim, perguntando-se porque eu não subia logo no palco e me apresentava para que pudessem sair logo dali e aproveitar a noite de sábado com algo mais útil.

Apertei a folha de papel em minhas mãos com muita força. Eu não iria conseguir fazer aquilo. Meu primeiro passo em direção ao palco foi dado. A humilhação gritava. Tentei pensar em alguma alternativa e até mesmo em uma fuga, mas minha cabeça estava com informações demais ao mesmo tempo para que eu pudesse pensar.

Aproximei-me do microfone no centro do palco, olhando para a multidão que esperava por meu show. Abaixei a cabeça, começando a ler o poema. Na verdade eu li três palavras pausadamente, lutando para não gaguejar, e parei. Procurei por Jonas outra vez no mezanino e ele não estava lá.

No canto do palco, desfazendo as coisas de seu show, estava o meu pequeno irmão. Nem o seu rosto angelical poderia me salvar neste momento. Li seus lábios quando ele perguntou-me em silêncio 'Está tudo bem?'. Não respondi.

Eu precisava fazer alguma coisa. Sair dali ou apenas acabar tudo logo. Olhei para a folha de papel e a amassei. Acho que algumas pessoas não entenderam o porquê, mas depois de fazer aquilo eu a joguei no chão. A bola de papel amassado olhava para mim e até ela poderia sentir pena naquele momento.

Ótimo, mais um ano para rotularem-me de louca.

Foi aí que surgiu uma ideia. Não das melhores, mas pelo menos acabaria com a situação delicada que acontecia.

Um garoto na primeira fila segurava um violão, e então eu decidi cantar uma de minhas músicas. Seria infinitamente pior do que apenas recitar um poema, mas eu ainda tinha uma carta na manga.

– Eu vou cantar uma música. – falei. – Dedico para uma pessoa em especial, mas eu não tenho certeza se ela está aqui ou não. Enfim. – fitei o diretor no lado esquerdo.

Ele deu de ombros, apenas mandando que sua secretária colocasse um banco alto para que eu pudesse me sentar. Enquanto ela fazia isso, aproximei-me da beira do palco, perguntando se o garoto da primeira fileira poderia me emprestar o seu violão. Ele alcançou-me, então voltei e sentei no banco.

Agora faltava decidir a música. Não era mais um grande problema, pois eu compunha algumas letras de vez em quando. Lembrei-me de uma que eu havia começado a escrever meses antes de conhecer Jonas, mas, que por algum motivo (olá, destino), encaixava-se diretamente conosco. Além de ser perfeita, pois em uma outra língua meus pais – e a grande maioria da plateia – não entenderiam. Apenas Jonas. Isto é, se ele ainda estivesse por ali.

Antes de começar, fiz o que o garoto havia me pedido. Observei o mezanino, pronta para olhar só para ele. Como ele não estava, tive que pensar em uma solução rápida. Em apenas um segundo, toda a multidão ganhou uma única face. Eram quatrocentos Jonas olhando para mim.

A música começou.

O Menino debaixo da minha camaOnde histórias criam vida. Descubra agora