Capítulo 26

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Aquilo não poderia ser o fim. Nossa história havia recém começado para terminar. Era preciso percorrer muito tempo ainda para encontrar o final feliz. Se fosse um tipo de filme, ainda faltariam muitos minutos para que os créditos começassem a subir. O mocinho não podia morrer, ele sempre sobrevivia para casar-se com a princesa. Príncipes eram bons o suficiente para enfrentarem tudo, inclusive a morte.

Olhei para o fim da rua, observando rapidamente o homem que fugia correndo. Ele estava de costas e passou muito rápido, logo desaparecendo. Olhei rapidamente para mim mesma, verificando o meu joelho já machucado (pelo dia anterior) que voltava a jorrar sangue. Os meus membros superiores doíam assim como os inferiores. Eles latejavam, mas eu não tinha tempo para reclamar de alguma coisa. Levantei mais rápido que pude, aproximando-me do meu garoto. O seu braço esquerdo estava despejando umas sete vezes mais sangue do que o meu joelho. Por instinto, coloquei a mão sobre o machucado, mas o menino gemeu de dor. Colocando minha experiência de filmes em prática, tirei a minha camiseta (eu estava com outra por baixo, ok?) e a rasguei, formando uma tira. Amarrei ao redor do ferimento, olhando nos olhos de Jonas.

– Você aguenta? – perguntei.

– Foi só de raspão, eu vou ficar bem.

– Vou chamar uma ambulância – avisei.

Ele revirou os olhos.

– Não seja exagerada, nós podemos ir andando.

Ajudei ele a se levantar. Passei o seu braço direito em volta de meu pescoço.

– Teimoso – falei.


Por que alguém queria nos tirar a vida? Por que diabos eu, uma garota indiferente, estava sendo perseguida por um homem que pretendia me ver embaixo da terra? Então quer dizer que alguém havia se cansado de mim e tinha planos de me matar?

– Pronto. Cuide-se, e não volte a se meter em confusões. – o médico alertou.

Sorri gentilmente para o homem que logo depois deixou a pequena sala de atendimento. As paredes eram pintadas de verde claro, e o forte cheiro de... Bom, de pronto-socorro, invadia as minhas narinas.

Jonas estava sentado na maca de colchão branco, olhando para a garota pensativa no outro canto da sala.

– Ele queria a mim, Sophia.

Olhei-o desnorteada.

– O que? – não havia entendido.

– Ninguém queria te matar. O alvo era eu.

Talvez aquilo fizesse mais sentido mesmo.

– A questão é por quê? O que você fez de errado?

– A única coisa que eu sei é que aquele homem olhou no fundo dos meus olhos, e então apontou a arma.

Não quis falar, pois não tinha certeza. E você sabe que dar palpite errado nunca é bom, principalmente em situações extremas como essa. Mas eu precisava contar.

– Eu acho que reconheci aquele homem.

– Quer dizer que você é amiga do meu quase assassino? – perguntou.

– Não, não mesmo. E quer saber? Eu estou viajando, pois definitivamente não era a pessoa quem eu pensava ser. Não tem como, não mesmo.

O garoto desceu da maca, ficando de pé. Ele tentou vestir a sua camisa, mas não obteve sucesso. Prontifiquei-me em ajudá-lo.

– Ela nos salvou, agradeça. – falou ele enquanto eu dobrava o seu braço para entrar na manga.

Fitei a moeda da sorte que ele segurava.

– Errado. Você me salvou. – meus olhar encontrou o dele.

Pousei a minha mão sobre o seu peito, por dentre a camisa aberta. O rosto do menino aproximou-se do meu.

– Crianças. – ouvimos uma voz que nos impediu de continuar aquilo.

Separamo-nos rapidamente, então o garoto do parque abotoou as suas vestes. A auxiliar do médico estava parada junto à porta, encarando-nos como se fôssemos pecadores.

– Vocês já podem ir. – ela avisou, apontando o polegar para trás.

Abaixei a cabeça e deixei o consultório rapidamente. Atrás de mim veio Jonas, que quando olhou para mim não conseguiu segurar o riso. De mãos dadas, alegramos um pouco do corredor dos doentes.


Sentamos no meio fio, em frente ao pronto-socorro. Analisei o braço enfaixado do garoto ao meu lado, ele parecia que ficaria bem. Abracei-o, pois admito que estava sentindo falta de fazer isso. Com a cabeça em seu peito, ele passou o braço em volta de mim como costumava fazer. Ficamos assim por algum tempo que eu não saberia dizer quanto foi exatamente, mas valeu por cada milésimo.

– E aí, como você pretende me salvar, Mulher Maravilha? – perguntou ele.

– O médico já fez todo o trabalho.

– Não estou falando disso. Você não disse que iria me ajudar, e que eu teria que aceitar tudo que você impusesse?

Não havia pensado naquilo, e era o mais importante.

– Hm... Eu não sei. – fui sincera.

– Ah...

Voltamos ao silêncio.

– Você não vai me contar quem era aquele garoto com você, ontem de noite no parque? – ele estava curioso mesmo.

Respondi sinceramente outra vez, não tinha problemas com aquilo.

– Meu vizinho.

Comecei a pensar na longa conversa no escuro que havia tido com Ben na noite anterior. Ele era um cara legal que eu me culpava por não ter conhecido antes. Ainda lembrava de cada assunto que havíamos conversado. Toda aquela coisa de 'me chame de Ben se quiser que eu te responda', e as suas teorias de que eu poderia ser uma assassina, e que assim eu...

– Espera aí! – falei alto.

– O que foi? – perguntou Jonas surpreso.

Levantei da calçada e coloquei-me frente ao garoto que ainda reclamava um pouco por causa da dor. Pensei um pouco, e então contei a minha ideia.

– Espere-me no parque, e dessa vez apareça. Eu vou para lá quando o sol se pôr, e aí sim eu te ajudarei.

O garoto ficou me olhando como se eu fosse alguma estranha com planos malucos na cabeça. E realmente eu era uma estranha com planos malucos na cabeça, mas tudo porque Ben havia me dado uma ótima ideia. Eu não era uma assassina que detestava jogadores de basquete e que os matava, cortando-os em pedaços para que pudesse guardá-los em minha casa. Mas eu era uma jovem desesperada, com um garoto sob minha responsabilidade, e precisava de um lugar para abrigá-lo por algum tempo. Ele não era jogador de basquete e muito menos seria esquartejado, mas eu poderia facilmente escondê-lo – vivo, obviamente – embaixo da minha cama.

O Menino debaixo da minha camaOnde histórias criam vida. Descubra agora