Capítulo 42

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Esforcei-me o máximo para não fazer barulho. A cama balançou um pouco, mas foi o melhor que pude fazer. Movi-me a curtos e silenciosos passos, na tentativa de deixar o quarto sem que Cecília ou Jonas percebessem. Desci as escadas, chegando até a sala. Olhei para o grande relógio do lugar e eram três horas e vinte e sete minutos. Eu sei que não era propício, mas ele havia deixado bem claro: A qualquer hora.

Peguei o telefone, olhando para o número que encontrava-se no papel branco. Disquei lentamente para que não errasse nenhum algarismo. Naquela sala escura, apenas banhada pelo brilho das luzes de natal das casas vizinhas que entravam pela nossa janela, eu fazia a minha ligação noturna.

Começou a chamar. Precisei esperar apenas um toque, e logo alguém atendeu. Nenhuma palavra, nenhum barulho do outro lado da linha. Eu precisava saber que havia alguém me escutando. Até que pude ouvir um pequeno barulho. Como se alguém amassasse um papel de bala ou coisa parecida. Tive certeza de que ele me escutava.

– Volte. Agora. – sussurrei com firmeza.

Desliguei logo, fechando os olhos e respirando um pouco.

Dobrei a carta em minhas mãos, pedindo para que Ben acatasse meu pedido (ordem, na verdade). Abri os olhos, fitando a escuridão.

Levantei um pouco a cabeça, olhando para o alto das escadas. Jonas encarava-me em silêncio.


O barulho que parecia com um apito soou pelo grande local. As portas de ferro abriram-se, então eu e mais algumas mulheres conseguimos entrar no grande pátio com mesas. Sentei na mesma de sempre, esperando por meu pai. Dessa vez eu não havia levado nada material, apenas palavras.

Ele aproximou-se com seu uniforme laranja. O abracei, desculpando-me por não aparecer há algum tempo.

– Mia deixou-me de castigo. Desculpe. – expliquei.

Sentamo-nos à mesa, um de frente para o outro. Os mesmos pássaros negros de sempre estavam esperando no alto dos muros que rodeavam o lugar.

– Como você está? – perguntei.

– Normal. Não acontece muita coisa nova por aqui.

– Feliz Natal. – desejei.

– Para você também, Sophia. Como foi?

– Nada demais. Mia cozinhou, e eu odeio admitir que isso ela faz muito bem. Trocamos alguns presentes depois da meia noite, e Marga e Cinderela também estavam lá.

Ele sorriu tímido. Percebendo que não haveria muito assunto, decidi contar sobre a minha vida. Meu pai estava preso e não falava com ninguém. Ele poderia saber que existia um Jonas nos meus dias, e com isso eu não teria problema nenhum. Os homens esquecem fácil das coisas, eu poderia contar tudo.

– Pai, você lembra do nosso vizinho?

– O jogador de basquete?

Fiz que sim com a cabeça.

– O que tem ele?

– Ele me beijou. – falei sem medo ou vergonha. – Mas acontece que eu gosto de outro garoto. E esse segundo garoto presenciou o beijo proibido. Tudo bem, ele já me perdoou, mas ontem a noite também viu-me ligando para o garoto que me beijou, pedindo que ele voltasse. Eu só quero meu amigo de volta, nada demais. Tenho medo que ele pense que eu estou gostando dos dois, coisa que definitivamente não está acontecendo. Eu até acho que estou amando o Jonas. Ta bom, não acho mais. Eu tenho certeza. Mas o que vai acontecer quando o Ben voltar? Ah, Ben é o jogador de basquete. Então, o que você acha que eu devo fazer para que tudo volte a ser como sempre foi? Eu digo, quero a minha vida pacata de perdedora de volta. Não totalmente, mas seria legal não ter que fazer tantas escolhas. Você sabe que...

Eu parei de falar quando finalmente percebi que meu pai não havia prestado atenção em absolutamente nada. Até agradeci por isso. Sem uma melhor amiga presente, ele era a única pessoa que eu poderia contar tudo sem que entendesse uma só palavra. Era bom, porque o meu único objetivo era desabafar.

Meu pai olhava para algum lugar atrás de mim. Acho que para o infinito. Era como se ele estivesse esperando por alguma coisa.

– Mas e então... – tentei reiniciar a conversa, falando um pouco mais alto para que ele não me ignorasse outra vez. – Como está o seu companheiro de cela?

O olhar de meu pai encontrou a mesa entre nós.

– Ele foi solto há algum tempo.

Antes que eu pudesse pensar, o bolso do uniforme laranja no lado esquerdo de seu peito começou a vibrar. É, vibrar.

– Papai, o seu bolso...

Parei de falar outra vez quando entendi o que era aquilo.

Era o que acontecia com a maioria dos adolescentes. Você fala com seu pai sobre coisas que para você são importantes demais e de repente o celular dele toca, e ele fala com alguma outra pessoa que possui assuntos mais importantes. A diferença comigo era que o meu pai estava preso. E, até onde eu sabia, era proibido o uso de aparelhos telefônicos dentro de um presídio.

O homem em frente a mim olhou para os guardas que rodeavam aquele pátio. Depois, pousou sua mão no bolso que se mexia. Ele me olhou com seus olhos fixos, em um misto de medo, apreensão e seriedade. O celular parou de vibrar.

O Menino debaixo da minha camaOnde histórias criam vida. Descubra agora