– Bancário? – Ben tentou adivinhar.
Sam balançou a cabeça negativamente.
Eu estava na recepção novamente. A maioria das pessoas que aguardavam por ali era diferente das que haviam presenciado o meu surto horas mais cedo. Ainda bem. Tomei uma cadeira, cuidando para não derramar o copo de café que estava quase transbordando em minhas mãos. Meu avô sempre dizia: 'Você sabe quando uma pessoa está ficando velha quando ela começa a tomar muito café'. Mas eu não estava velha, apenas derrotada. Descabelada, suja e apreensiva também.
Jonas havia ido embora com a promessa de voltar para ver-me no dia seguinte. Eu não quis que ele e Ben se encontrassem. Aquele com certeza não era o melhor momento para isso, e ele havia entendido sem problemas.
O garoto que jogava basquete estava substituindo temporariamente a sua bola por um bebê. Era a primeira vez que ele segurava Nathan, e eu achei que eles dois combinavam muito bem. Quer dizer, não que Finta levasse jeito para ser pai, mas ele tinha cara de um. E, considerando o fato de que nenhum homem leva jeito para ser pai (eles aprendem com o tempo), ele estava saindo-se muito bem.
Gustavo estava sentado entre os dois homens, rindo. Fitei-o por alguns segundos, tentando entende-lo novamente. Não foi possível.
– Ei, Sophia. No que você acha que o Sam trabalha? – o garoto de boné perguntou-me.
– Hm... Sei lá. Advogado? – chutei qualquer coisa.
A minha vontade de brincar de adivinhar era a mesma que estava para fazer qualquer outra coisa.
Os olhos de Sam aumentaram de tamanho. Ele sorriu.
– Temos uma vencedora! – falou.
– Posso pedir uma nova vida de presente? – questionei.
Todos ficaram sérios. Eu havia estragado o clima divertido. Parabéns, Sophia.
– Desculpem. Não estou agüentando mais.
Jogada naquela cadeira, provavelmente sendo odiada por qualquer ortopedista que me visse daquele jeito (eu estava desrespeitando a minha coluna e não sentia culpa alguma por isso), encontrei novamente os olhos doces de meu irmão pequeno. Ele me encarava com um sorriso no rosto. 'A vida é justa com aqueles que sabem esperar.', era o que ele havia dito. Então tentei cumprir a sua dica por mais algum tempo. Enquanto agüentasse, ou apenas estivesse respirando.
As 11h38, pensei em queimar o relógio.
Mais tarde, as 11h39, pensei em quebrar aqueles ponteiros ridículos feitos de plástico.
Bem mais tarde – acho que eram 11h41 – eu pensei em como ele sobreviveria sem duas pilhas pequenas que eu arrancaria sem dó.
E as 11h46, prestes a fazer qualquer coisa para que ele desaparecesse de meu campo de visão, a porta embaixo dele abriu-se. Uma enfermeira diferente – mas que também, para a minha grande surpresa, trajava vestes brancas – apareceu olhando para nós. Eu não podia deixar de reparar que o seu olhar não trazia notícias boas. Era incontestável que depois de tanto tempo nos fazendo esperar, algo de ruim havia acontecido. E ela tinha sido a felizarda sorteada em nos dar a trágica notícia.
Todos levantaram-se de seus assentos rapidamente, e então a mulher falou o esperado:
– Lamento, mas não trago boas notícias.
Tentei recorrer a Deus uma última vez. Antes de pedir qualquer coisa, eu avisei-o de minhas condições. Eis o meu diálogo com Ele:
'Escute-me com atenção, Senhor. Sempre disseram-me para acreditar em você, pois se não um tal cara chamado Diabo apareceria e me levaria para algum lugar muito escuro e cheio de fogo. O problema agora é que eu não me importo tanto assim com o fogo, e sei muito bem sobreviver no escuro. Eu sei que já tivemos outras conversas antes, mas agora o assunto é sério. Faça-me acreditar em você. Se você poupar aqueles que eu amo desta vez, prometerei acreditar fielmente no Senhor até o fim de meus dias. Não vou visitar a Igreja no intuito de rezar e cantar as musiquinhas que o padre ordenar, porque isso é história para mulheres mais velhas que perderam o marido. E também seria muito ridículo da minha parte, pois eu nunca fui até a sua casa com esse propósito. Seria uma espécie de traição e mudança repentina de caráter e atitude. Eu confiarei em você. Seja lá onde estiver, saberei que você ajudou-me e serei grata por isso. Vou passar a odiar o Diabo como sempre ensinaram-me e prometo que nunca mais passarei um dia sem murmurar um Pai Nosso. Está bom assim? Mas para eu acreditar no Senhor, você precisa acreditar em mim. Eu faltei para os meus irmãos, e agora eles estão sofrendo por isso. Esteja do lado deles, então eu estarei do seu lado.'
Deus estava avisado. Ele ajudar-me-ia ou não. Ele existiria ou não.
A enfermeira voltou para a porta de onde havia saído, e foi aí que eu reparei que não havia prestado atenção em nenhuma de suas palavras. Qual é, eu estava ocupada demais apresentando as minhas condições para Deus. Ele ganharia uma seguidora, não tinha como ele não existir. Aquela mulher absurdamente branca não podia esperar um pouco para dar a notícia ruim?
Fui até a porta, mas estava trancada. Voltei, olhando para o meu irmão e para os dois homens ao seu lado. Cabisbaixos, eles evitavam fitar-me. Malditos. Sabiam o que havia acontecido e estavam escondendo tudo de mim.
– O que aconteceu? – perguntei. – Eu não escutei, eu...
Ninguém me respondeu.
Fiquei de joelhos, observando que a mesma recepcionista que havia aturado meus gritos horas antes, olhava-me outra vez. Definitivamente ela chamaria um psiquiatra para mim. Olhando para Gustavo – na mesma altura que ele – perguntei novamente.
– O que ela disse? Fale-me! – gritei um pouco, mas nada exagerado.
Com meus dedos, pressionei o seu queixo. Levantei-o, para que ele pudesse erguer o rosto. Com a outra mão, tirei o cabelo de seu rosto.
– Gustavo!
Então o seu olhar – antes voltado para baixo – atingiu o meu em cheio.
– Cecília está viva. Você já sabia disso, eu te disse mais cedo.
Meus ombros relaxaram. Eu soltei o seu queixo.
Pronto. Tudo estava acabado. O cara lá em cima existia. Meus pesadelos e problemas haviam chegado ao fim. Iríamos poder recomeçar as nossas vidas e então...
– Não puderam salvar o bebê. – o meu irmão me interrompeu. – Cecília perdeu o movimento das pernas. Está paraplégica.
O seu olhar voltou-se para o chão novamente. Quando a sua boca fechou-se, foi o meu sinal para começar a duvidar de Deus.
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O Menino debaixo da minha cama
Teen FictionSophia é uma garota de dezesseis anos comum, diferentemente de seus problemas. Sua irmã está grávida do namorado motoqueiro, o bebê que a sua mãe teve durante o segundo casamento a faz acordar todas as noites, e o irmão caçula... Bem, ele é o caçula...