Eu queria ir mesmo à igreja. Desde que havia conhecido Jonas eu não me aventurava naquele local silencioso. Não imagine que eu cheguei a pensar que Deus estaria sentado em um banquinho, esperando outras pessoas que quisessem reclamar sobre suas vidas, com uma placa ao seu lado que dizia 'Pedidos & Reclamações', pois eu realmente não pensei. O meu pensamento sobre isso (Deus) era um só: Será que todas as pessoas que 'falavam' com ele, realmente acreditavam em sua existência? Acho que a maioria apenas fingia acreditar. Sabe, para ter alguém para quem pudessem pedir algumas coisas de vez em quando. Ou apenas por medo de não acreditar e ele realmente existir. E depois, por não ter acreditado, encontrariam o inferno. É tudo lógica, só.
Já quanto a mim, ainda era um dilema. Mia sempre chamou-me de cética, mas eu apenas gostava de acreditar naquilo que eu podia enxergar. Aquilo que estava em minha frente auto comprovava a sua existência. Não quero levar para o lado religioso, mas falar com alguém que você nunca viu e realmente não sabe se está lá para te ouvir, é muito estranho. Talvez tudo não passe de balela da Igreja. Talvez tudo não passasse de verdade, e um dia eu pagaria por não acreditar. O fato é que se Deus existisse mesmo, eu não estaria em uma situação tão delicada. Quer dizer, o seu dever não era ajudar a quem precisasse?
Saí de casa, reparando a rua vazia. Aquela cidade parecia sempre fantasma. A caixa de correio estava gritando, implorando para que alguém aliviasse seu interior lotado. Arrastei-me até ela, abrindo a pequena porta de metal para que pudesse retirar as correspondências. Minhas mãos seguraram o punhado de cartas que encontravam-se ali. Passei uma por uma, na esperança de encontrar algo para mim. Seria inútil. Quem, com dezesseis anos, recebia cartas naqueles tempos?
Eu. Quer dizer, o meu nome estava como destinatário naquele envelope branco meio sujo. Quem me mandaria uma carta naquele final de dezembro fresco? Meus olhos correram pelas letras rabiscadas. 'Remetente' estava escrito com força, e o nome de Virgínia ao lado quase havia rasgado o papel também. Acho que era o seu jeito de falar que o assunto daquela carta era urgente.
Voltei para a porta de casa, largando todos os envelopes e propagandas no chão. Sentei nos degraus de madeira, abrindo sem muita delicadeza aquele que me interessava. Uma folha saltou de dentro, então a retirei para que pudesse ler.
SOOOOOOOOOPHIE!
Socorro. É tudo que tenho a dizer.
Eu não sei onde estou! Ta, eu até sei exatamente, mas neste momento eu estou dentro de um bar caindo aos pedaços, escrevendo esta carta com aparentemente a única caneta que existe neste lugar. E, ah, tem um velho babando em mim sentado no balcão. Acho que ele está tomando aqueles refrigerantes de cola que tentar se parecer com a Coca Cola, mas na verdade são péssimos. Ai, ele acaba de babar no copo. Será que eu posso contrair alguma doença por estar sentada nesta cadeira de madeira mais antiga que o Homer Simpson?
Então, eu não tenho nenhum motivo para escrever essa carta (se é que ela vai chegar até você, o que eu acho meio difícil), mas queria que você soubesse da minha situação. Chegamos aqui dois dias depois do previsto, pois o ônibus que nos levaria até QUASE o fim de mundo que estamos (porque nenhum se atreve a ir até o fim mesmo) danificou. Sim, eu estou parecendo uma daquelas desabrigadas fugindo de algum furacão. O motorista disse que um pneu furou, mas provavelmente o ônibus estava velho demais e cansado de quase chegar ao meio do nada por repetidas vezes. Como se não bastasse, as malas de vários passageiros (incluindo as nossas, isso é ÓBVIO) abriram durante a viagem. Acho que tem uma cueca de algum cara dentro da minha nesse momento, mas eu não tive coragem de olhar para saber mesmo. Enfim, saímos do ônibus e caminhamos por uma hora de dezoito minutos (EU CONTEI!) embaixo de um sol de uns quarenta graus, sem mentira. E não tínhamos água. Foi como se eu conhecesse o deserto, juro. Depois de tanto caminhar, chegamos em uma cabana. É, ca-ba-na. Aquele lugar até atreveu-se a colocar uma placa escrito 'hotel' na entrada, mas não passa de fachada. Existem duas pessoas: Uma que fica na recepção dizendo 'Olá, seja bem-vindo' em alguma língua indígena que eu não conheço, e outra que prepara o que eu poderia chamar de café da manhã se estivesse louca. Minha mãe até confundiu as duas pessoas, pensando que fossem as mesmas, mas é que a mulher tem um bigode igual ao do cara. É ridículo. Estamos dormindo em camas que parecem ter sido feitas de palha, e por favor me responda O QUE SÃO COSTAS? Porque eu desconheço. Nesse momento mamãe deve estar dançando com alguns índios (aqui tem um monte deles, e eles andam pelados de verdade. Acho até que eles têm alguma coisa 'lá', mas eu não fiquei olhando, né) e papai está pescando peixes porque eu o obriguei a fazer algo para que eu jantasse.
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O Menino debaixo da minha cama
Teen FictionSophia é uma garota de dezesseis anos comum, diferentemente de seus problemas. Sua irmã está grávida do namorado motoqueiro, o bebê que a sua mãe teve durante o segundo casamento a faz acordar todas as noites, e o irmão caçula... Bem, ele é o caçula...