Meus dedos pararam de tocar. Silêncio.
Levantei-me e pude escutar alguém batendo palmas. Era meu irmão, sorrindo para mim no canto do palco. A multidão – não mais de Jonas – o acompanhou.
♦
Finalmente pude sentar. A professora de Gus havia deixado o local, então roubei o seu lugar – que sempre tinha sido meu – de volta.
– Você mandou muito bem! – disse meu irmão.
– Acha mesmo?
Ele fez que sim com a cabeça.
No caminho de volta do palco para as últimas fileiras, percebi que algumas pessoas haviam me olhado simpaticamente, diferente de como estavam encarando-me antes. Eu tinha feito algo certo pelo jeito.
Decidi não procurar Jonas, pois a apresentação de Cecília começaria. Ele provavelmente já estava longe, decepcionado comigo. Eu precisaria explicar tudo que havia acontecido e contar que Ben era apenas um amigo. A culpa não era minha se ele tinha confundido bochecha com lábios. Não mesmo.
– Pare de beber! – Mia falou para Greg. – Não dirigirei, já aviso.
Greg suspirou.
– Deixa o homem ser feliz! – disse Gus.
Ri abafadamente.
O diretor anunciou a última apresentação da noite. As luzes apagaram-se por completo e alguns idiotas começaram a gritar. Eu – assim como toda a minha família – estava ansiosa demais. Cecília realmente dançava muito bem, aquela era a sua noite.
Um refletor branco iluminou o canto do palco onde estavam os violinistas. Eles começaram a tocar impecavelmente. Eu reconheci o ritmo, era uma versão instrumental de 'Love Story'. Algumas mulheres com longos vestidos dourados – daqueles que lembram o século XIX – tomaram conta do palco. Elas estavam com máscaras prateadas que só deixavam os lábios à mostra. Os seus corpos balançavam de um lado para o outro, exatamente de acordo com o ritmo da música. Pelo fundo, homens na mesma proporção entraram, buscando suas damas. Vestidos de tons de azul e também com máscaras prateadas. À medida que a música crescia, eles aceleravam os passos, deslizando pelo palco. Agora eu entendia porque haviam guardado aquilo para o fim, era bonito demais.
A música não parou. Quando ia chegando ao fim, o piano juntou-se aos violinos e emendaram uma versão também instrumental de 'Viva La Vida'. As damas e os cavalheiros deixavam o palco, e em seus lugares soldados gladeando com espadas apareceram. Nenhum sinal de Cecília até então. Uma figura também masculina circulava pelo local, vestido de rei, com uma bandeira nas mãos. Suas roupas eram azuis e as dos soldados eram vermelhas com branco. A plateia olhava atentamente, nenhuma conversa paralela acontecia.
No fim do som, todos caíram no chão. As luzes voltaram a apagar. Antes que alguém pudesse começar a bater palmas, o piano começou outra música. Era 'Moonlight Sonata', de Beethoven. Um facho de luz concentrou-se no palco, e então as bailarinas que eu já conhecia entraram em cena. Elas deslizavam como plumas, andavam nas pontas dos pés e moviam-se rapidamente de um lado para o outro. E lá estava Cecília, no meio de todas, deslumbrante. Os seus passos eram delicados e precisos, o seu olhar era concentrado demais.
Outra garota de branco chamou-me a atenção. Ela estava mais ao fundo, mas dançava igualmente às outras. Aquela bailarina em especial estava com a cabeça apoiada sobre o ombro direito. Seu pescoço parecia estar quebrado, na verdade. Mas isso não a impedia de dançar perfeitamente como as outras. O seu olhar, diferente do de Cecília, estava focado no chão, morto. Ela não o desviou por nenhum momento, apenas continuou dançando os movimentos corretos com o seu pescoço incomum.
Todas as bailarinas deixavam o palco, exceto a minha irmã, e então o momento final aproximava-se. Era a hora dela brilhar. Um garoto vestido com malha preta colada ao corpo – era proposital, ele deveria aparecer o menos possível – a pegou no colo, para que ela parecesse flutuar. Os dois dançavam rapidamente pelo palco de madeira. Cecília rodopiava sem parar, pulando de um lado para o outro. Quem não conhecesse a música diria que o pianista estava louco, mas aquilo era Beethoven. Perguntei-me quão ruim tudo aquilo era para o bebê. Quer dizer, qualquer médico a proibiria de dar tantos saltos. Aliás, ela precisava mesmo visitar um.
O som ficava mais frenético a cada segundo, e isso fazia com que a grávida circulasse com rapidez. Eu podia sentir o ar que faltava para ela. Cecília deu três pequenos pulos e então inclinou-se, arremessando si mesma ao infinito. Enquanto estava no ar, suas pernas e braços afastaram-se, formando alguma figura que parecia estar voando. Ao tocar os pés no chão para finalizar a grande apresentação, minha irmã tomou um tempo para respirar. Até demais. Depois de alguns segundos, começou a correr para pular uma outra vez, mas essa foi sem sucesso. O fecho apertado soltou-se, fazendo com que ela se distraísse. Cecília não completou o pulo, apenas caiu no chão.
A música parou de ser tocada. Algumas pessoas da multidão levantaram a mão direita, em sinal de 'pare', com pena da moça. Eu – assim como toda a minha família – levantei-me, olhando para ela. Eu estava preocupada, queria correr para ajudá-la, mas não foi preciso. Cecília levantou-se e agradeceu a plateia, depois deixou o palco. Aparentemente ela estava bem.
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Cecília não estava bem. Não mesmo. Ela estava chorando muito, sua maquiagem estava borrada e as roupas de bailarina provavelmente haviam sido jogadas no lixo. Tentei falar com ela, mas as suas amigas alertaram-me de que seria necessário um escudo. Como eu não tinha um, apenas ignorei a sua crise. Obviamente ela estava triste por não completar o número, mas ela foi bem durante todo ele. Eu sei que é a mesma situação em que você estuda muito para uma prova, e na hora acaba tirando um 9,8 em vez de 10 e quer se matar. Mas você quase conseguiu. Quer dizer, nesse caso um quase é muita coisa.
A minha família estava deliciando-se da comida gratuita que a escola havia oferecido. Loucos, pareciam famintos. Aproveitei que a minha boca havia decidido rejeitar o que ainda viesse naquela noite e aproximei-me do palco, tentando encontrar o meu poema amassado. Ele não estava lá. Por que alguém roubaria um poema descartado? Não havia motivos. Foi aí que o meu pensamento voou para Ben. Ele estava muito perto dali na hora de minha apresentação, e logo depois Jonas havia sumido. Imaginei os dois garotos do lado de fora, brigando. O meu futuro namorado estava com sangue escorrendo pelo nariz, e Ben – que estava por cima – tentava matá-lo. Enquanto desenhava a cena toda, corri para o lado de fora. Não que Jonas não soubesse se defender, mas Finta era forte demais, com certeza mataria o meu Arie.
A pequena placa luminosa em cima das portas do teatro indicava a saída. Meus olhos percorreram toda a rua, não havia ninguém lá. Nesse momento percebi o quão ruim era tudo que havia acontecido. A minha relação com Jonas estava perfeita demais para que alguém precisasse surgir na intenção de confundir-me um pouco.
Eu gostava de Ben. Ele era um ótimo amigo, e eu perguntava-me porque nunca havia falado com ele antes. Talvez fosse a ordem da vida. Sabe, você ignorar alguém a vida toda (sendo que se não a ignorasse, talvez estivesse namorando com ela agora) e apenas começar a conversar com ela quando sua vida já está 'muito-bem-obrigada'.
Sentei no meio-fio, imaginando aonde Arie poderia estar. O parque seria óbvio demais, e ele sabia que o procuraria lá. Ben também não havia aparecido depois do beijo, mas com ele eu sabia que era só dar alguns passos para chegar à sua casa, coisa que Jonas não tinha.
Uma lágrima caiu de meu rosto, pingando na rua seca. Seria demais pedir por um segundo coração?
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O Menino debaixo da minha cama
Novela JuvenilSophia é uma garota de dezesseis anos comum, diferentemente de seus problemas. Sua irmã está grávida do namorado motoqueiro, o bebê que a sua mãe teve durante o segundo casamento a faz acordar todas as noites, e o irmão caçula... Bem, ele é o caçula...