Capítulo 14

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Troquei de canais, parando em um desconhecido, mas que passava um filme conhecido. Eu já havia assistido 'O Nome da Rosa' umas cinco vezes, porém nunca enjoava. Todo aquele mistério regado a sangue e luxúria que se passava no século XIV deixava-me fascinada. Prestei atenção fielmente, mesmo conhecendo todas as cenas de cor.

– Mestre? Preciso te contar uma coisa.
– Eu já sei.
– Então, ouvirás minha confissão?
– Prefiro ouvir como um amigo primeiro.
– Mestre... alguma vez... o senhor... se apaixonou?
– Se me apaixonei? Sim, várias vezes.
– É mesmo?
– Por Aristóteles, Ovídio, Virgílio...
– Não, quero dizer por uma...
– Não estás confundindo amor com luxúria?
– Estou? Não sei. Quero somente o bem dela. Quero que seja feliz. Quero salvá-la de sua pobreza.
– Ah, não...
– Por que 'Ah, não'?
– Estás apaixonado.
– Isso é ruim?
– Para um monge, representa alguns problemas.
– E o amor a uma mulher?
– As escrituras são claras. Provérbios nos alertam: "A mulher se apodera da alma preciosa do homem". Eclesiástico diz: "Mais amarga que a morte é a mulher".
– Sim, mas... O que o senhor acha, mestre?
– Bem... Claro que não tenho a vantagem de sua experiência, mas... acho difícil convencer-me de que Deus teria criado um ser tão vil sem dotá-lo de algumas virtudes. A vida seria tão cheia de paz sem o amor, Adson. Tão segura. Tão tranquila.
E tão monótona.

Feniletilamina era o nome daquilo. Eu já havia lido a respeito. Trata-se de uma molécula natural, e a sua produção no cérebro é desencadeada por eventos simples. Uma simples troca de olhar, ou até mesmo momentos mágicos em um parque abandonado podem desperta-la. E era como eu me sentia.

Maldita feniletilamina.

Sempre alertaram-me de que o Cupido era um farmacêutico dos melhores. Mas ele pecou ao não fabricar um antídoto.

Maldito cupido.

Continuei assistindo a saga do jovem Adson. Como uma boa garota noturna, estava sozinha na sala, com o sofá todo para mim, envolta em cobertas, apenas observando o barulho das corujas do lado de fora. E, ah, entupindo-me de chocolate. Cada quadrado do doce representava um minuto de filme. Eu viraria uma bola.

Certa vez a minha avó me disse que essa história de 'romance + chocolate = casamento perfeito' existia há séculos. Tudo bem que eu fui obrigada a escutar o porquê quando tinha apenas quatro anos (eu estava gostando de um garoto três anos mais velho que eu), mas nunca havia me esquecido. Foi aí que eu dei de presente para ele uma fita de 'Orgulho & Preconceito' e uma barra de chocolates. A mãe dele não gostou nada disso e o trocou de escola, partindo meu coração em pedaços.

Depois de rir de minha desilusão amorosa, vovó contou que esse doce sempre teve uma reputação afrodisíaca, sendo que nos conventos da Idade Média as freiras eram expressamente proibidas de comê-lo. Coitadas, mal sabiam o quão bom aquilo era. O mesmo não acontecia com os padres, que podiam degustá-lo aos montes. Coitados, sabiam o quão bom aquilo era e ainda tinham que manter-se na linha.

O fato agora – doze anos depois do meu primeiro amor – era que o garoto do parque havia mexido comigo. Eu estava assistindo um filme que questionava o amor e também obstruindo as minhas veias com gordura. Era o meu jeito de sentir-se bem, confortável, e pensar no que aconteceria a partir daquele dia. Os pensamentos que rondavam a minha mente eram tantos (e o filme mais comprido do que o normal), que acabei precisando de uma segunda barra calórica de cacau.

Aquilo era tão bom.

Eu digo, o chocolate.

Quanto ao amor, ainda era cedo demais para dizer.

O Menino debaixo da minha camaOnde histórias criam vida. Descubra agora