Era uma colina muito íngreme e a minha respiração pedia por um pouco de compaixão. Mas eu não poderia desistir na metade, seria em vão. Forcei um pouco mais meus passos doloridos, atingindo o alto da elevação de terra. Observei ao fundo, lá longe, uma pequena casa solitária construída com madeira. Antes de dirigir-me até ela, olhei rapidamente para trás, a fim de me orgulhar da jornada suada e demorada que estivera fazendo, mas a sensação de vertigem atingiu-me em cheio, então preferi por continuar apenas caminhando. Sem mais morros.
Eu poderia afirmar que aquele era o lugar mais alto da cidade. Lá de cima era possível localizar qualquer outra coisa que se quisesse. O alto da colina possuía grama por toda a sua extensão, com árvores gigantescas espalhadas a cada meio metro. Uma espécie de floresta. Aquele seria mais um local privilegiado pelo silencio absoluto, se não fosse pelo barulho alto que as serras provocavam ao encontrar a madeira para cortá-la. Era lá que Greg trabalhava, depois da floresta, na casa de madeira antiga. E já que minhas aulas haviam terminado, achei que ele gostaria de me ver por ali.
Contornei as árvores, agradecendo pela sombra que elas me proporcionavam. No céu, pássaros voavam com rapidez enquanto pareciam cantar. Olhei para os lados, estava sozinha no meio de tanto verde. Desatenta como sempre, seria tão simples me perder ali dentro. Esperto foi João, que fez um caminho de migalhas para que não se perdesse. 'Não chore Maria, disse João. Agora, só temos é que seguir a trilha que eu fiz até aqui, e ela está toda marcada com as migalhas do pão.' Eu ainda conseguia me lembrar da história que tinha contado tantas vezes quando Gustavo era menor. Pelo visto eu só havia esquecido de um detalhe: Os pássaros comeram as migalhas de pão. Pobre João.
Pisei em um galho, quebrando-o. Na grama ao seu lado, havia uma coisa que chamou-me a atenção: Um dente de leão. Abaixei-me para pegar a planta em formato de pára-quedas, que acabou voando. A segui, pois queria ter o prazer de assoprá-la e observar a disseminação de suas sementes. Era a minha brincadeira de criança favorita. Haviam muitas daquelas em nosso bairro, então eu tinha crescido imaginando o quão frágil aquela planta era, e o quão livre ela poderia ser quando embalada pelo vento. Acho que foram necessários cinco longos passos para enfim agarrá-la. Meu sorriso apareceu, e logo depois o ar saiu de minha boca, transformando o dente de leão de forma circular em apenas um cabo.
– Atchim! – o barulho ecoou pelas árvores amontoadas.
Virei-me depressa, assustada pelo espirro que havia surgido e me pego de surpresa. Meu coração começou a bater mais forte, e prendi a respiração por um momento. Um homem baixo e barbudo estava ao meu lado. Não fazia ideia de como ele havia aparecido do nada, sem eu notar a sua presença. O cabelo branco que cobria a sua cabeça denunciava sua idade avançada.
– Você não deveria fazer isso. – disse ele – Eu tenho alergia.
Fitei seu rosto, ainda surpresa.
– Me desculpe, eu não percebi que tinha mais alguém aqui além de mim. – falei.
– Há sempre alguém por aqui. E quem é você? Uma intrusa? – perguntou ele.
Os batimentos de meu coração voltaram à normalidade.
– Perdão, eu não entendo o que você está dizendo... – disse confusa.
– Você deve trabalhar na concorrência e veio espiar o nosso trabalho, não é isso? Esses porcos sujos de onde você trabalha não têm o mínimo de respeito pelo nosso esforço. E agora estão se aproveitando de uma bela jovem para que consigam copiar nossos projetos...
Achei que ele estava referindo-se a uma outra madeireira.
– Eu não sou intrusa nenhuma. – ofereci um pequeno sorriso – Meu padrasto trabalha por aqui, vim visitá-lo.
Agora era o velho senhor quem estava surpreso. Com as mãos em seu rosto, eu poderia o comparar facilmente com alguma criatura de filmes de fantasia. Algo como uma mistura de Chapeleiro Maluco do País das Maravilhas com o Coringa do Batman. Sua coluna corcunda me incomodava um pouco. Os olhos eram azuis demais, pareciam de vidro. A barba branca era enrolada, e as suas vestes eram coloridas demais para qualquer ser humano comum. Um colete laranja sobre uma camiseta roxa. No pulso, um relógio antigo e dourado era suspenso por um pouco de corrente da mesma cor. Ele balançava em todas as direções ao mover o braço.
– Mil perdões, pequena flor! – exclamou ele.
Acho que ele tentou tocar o meu rosto com seu dedo sujo, mas eu fui mais rápida e me afastei. Percebi a sua mão enfaixada com um pano branco, misto de sujeira e sangue.
– O que houve com a sua mão? – perguntei.
O seu dedo indicador parou no ar. Pontual (ok, eu que inventei este nome) olhou para o seu pulso com a cara fechada. Depois de um tempo, ele começou a gargalhar. Eu permaneci estática, com medo. Pensei em falar algo ou apenas sair correndo, mas ele parou de rir do nada e voltou a me encarar.
– Você não deve mexer com o que não conhece. – falou, fazendo movimentos sinuosos na vertical com a sua mão enfaixada, que apenas podia se enxergar o dedo indicador.
Dei dois passos para trás, receosa. O homem caricato olhou-me curiosamente, como se estivesse me analisando. O dedo indicador de Pontual encostou-se em sua boca, mandando-me fazer silêncio. Os mesmos pássaros de minutos antes voltaram a insurgir pelo céu avermelhado daquela manhã de quarta-feira. Eles provocaram um barulho ensurdecedor, o que fez com que o senhor do tempo grudasse as mãos em seus ouvidos, contorcendo-se e gritando. Aproveitei o momento para fugir. Eu não sabia quem aquele homem era ou o que desejava, mas ele eu tinha a certeza de que era a mais estranha das pessoas. As minhas pernas – que ainda encontravam-se cansadas – tiveram que exercer um pouco mais de esforço enquanto eu corria pela pequena floresta (na verdade ela não parecia mais tão pequena assim).
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O Menino debaixo da minha cama
Teen FictionSophia é uma garota de dezesseis anos comum, diferentemente de seus problemas. Sua irmã está grávida do namorado motoqueiro, o bebê que a sua mãe teve durante o segundo casamento a faz acordar todas as noites, e o irmão caçula... Bem, ele é o caçula...