Capítulo 59

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Era o décimo sétimo dia do ano. Resolvi poupar-te tempo e pular a parte chata da história, pois nada havia mudado com a virada do ano, tudo continuava igual. As únicas diferenças eram:

1. Cecília sabia de tudo.

Eu havia contado que existia toda uma história por trás de seu atropelamento. A ex-grávida ficou transtornada demais ao saber de Jimi e Mia.

2. Sam já conhecia a minha irmã.

Isso foi engraçado. Na primeira visita que o ricaço fez para a enferma, os dois olharam-se com estranhamento. E então riram timidamente. Eu estava no quarto quando a cena toda aconteceu. O cara aproximou-se de minha irmã, então ela contou-me que ele era o seu ex-namorado. Sim, são raras as chances de o seu ex te atropelar, mas havia acontecido. O namorado anterior à Jimi estava ao seu lado outra vez. Aquele mesmo que Cecília havia rejeitado e trocado pelo roqueiro traidor. Foi aí que lembrei porque o seu rosto era tão familiar. Eu o havia visto de longe uma vez, ainda quando eles costumavam namorar. Além disso, com muita calma, tivemos que contar para ela que o seu ex tinha sido o causador de seu acidente, mas a paciente daquele hospital não importou-se muito. Cecília até disse que o perdoava, se ele a perdoasse por ter o abandonado sem dar nenhuma explicação. Sem contar no fato de ela ter me dito mais tarde que o rapaz loiro-quase-castanho havia ficado mais bonito ainda desde a última vez que o vira.

3. A minha irmã estava lendo.

Cecília passava horas concentrada em revistas e livros, o que era peculiar.

4. O meu namorado havia sumido.

Eu não sei como estava agüentando tantos dias sem ele.

5. Eu estava há dezoito dias sem ouvir o meu irmão falar.

Cada pergunta era ignorada, cada tentativa de conversa era um fracasso. Até mesmo quando eu dizia 'Prometo que não perguntarei sobre o que aconteceu na livraria e toda aquela coisa de vida justa para quem acredita' , mas ele negava-se a abrir a boca.

Ok, talvez algumas coisas tivessem mudado mesmo.

A minha vontade era a de deixar a Terra, deixar o universo, deixar tudo aquilo que estava tirando o que eu talvez ainda pudesse chamar de vida. A vontade de Cecília era a de deixar o hospital logo, pois ela já estava adaptando-se bem demais à cadeira de rodas. O drama por sua parte ainda existia, mas a cada minuto ela percebia que poderia não ter nem sobrevivido. E estar respirando já era o grande motivo para ela não reclamar de mais nada. Agora só dependia dela. Realizar todos os exercícios propostos para a sua recuperação acontecer o quanto antes possível.

Greg ainda não havia aparecido, e eu perguntava-me por que. Talvez ele tivesse fugido da família problema mesmo. Jonas não tinha dado notícias, e eu perguntava-me por que. A única pessoa da qual eu não perguntava-me o por que de não ter aparecido, logo apareceu: Mia abriu a porta do quarto, interrompendo os três irmãos (um paraplégico, um mudo e uma desistente) do doce prazer que curtiam ao assistir a televisão.

Encarei-a de imediato, fitando-a do outro lado do quarto. Acho que ela usava a roupa mais decente de seu armário. As mãos dadas abaixo da cintura serviam para simbolizar algum tipo de pena que ela deveria estar sentindo, se é que isso era possível. Os cabelos da mulher estavam presos, por incrível que isso possa parecer, e a maquiagem era ínfima.

Levantei-me antes que qualquer um – na verdade antes de Gustavo, porque a minha irmã não estava podendo fazer isso temporariamente -, indo em sua direção.

– O que você pensa que está fazendo aqui? – perguntei.

A minha irmã abaixou a revista que estava lendo, olhando depois para a leoa.

O Menino debaixo da minha camaOnde histórias criam vida. Descubra agora