Eu estava presa no banheiro. Olhei para o espelho e perguntei-me o que faria. Eu precisava sair dali o quanto antes, pois a minha desculpa já estava indo longe demais. Aquele lugar cheirava a gato, e era escuro assim como todo o resto da casa de Marga. Pensei um pouco, analisando as minhas alternativas.
Tudo bem, eu deixaria aquele banheiro e iria até a casa de Ben. De lá, ligaria para Cecília vir nos resgatar. Gustavo reclamaria por não poder ficar mais, mas se ele pensava que eu ficaria tomando chá com a nossa ex-vizinha insuportável, estava muito enganado.
Abri a porta, fitando outra vez a sala escura, apenas banhada pela luz das janelas com cortinas claras. Quando percebeu a minha presença no ambiente, a mulher engoliu com pressa o que havia na boca, não querendo que eu percebesse as calorias que ela estava ingerindo. De repente, Marga começou a tossir. No começo foi algo bem normal, mas a cada segundo aquilo cresceu. Lembrei-me da crise de asma de Gustavo, mas o que estava em minha frente tinha um tom mais patético. Ela bateu com o punho cerrado em seu peito, como se quisesse aliviar o que havia engolido depressa. A gorda estava ficando roxa.
– Marga? Você está bem? – era óbvio que não.
A mulher estava engasgando e precisava ser socorrida. Ouvi passos que vinham da escada circular.
– Ela está passando mal! – eu gritei, olhando para as crianças.
– Você tem que bater nas costas dela!
– O que? – falei devagar, imaginando o que teria de fazer.
O barulho da mulher tossindo estava deixando-me agoniada. Ela balançava as mãos no ar como se pedisse socorro.
– As costas! – a menina gritou outra vez.
Eu corri, aproximando-me da dona da casa. Gus ajudou-me a levantá-la, e então eu bati em suas costas. Não adiantou, então apliquei mais força na segunda vez.
– Olhe para cima, para cima! – eu mandei.
Ela fez, mas nada mudou.
Fiquei atrás dela e passei os meus braços ao redor do seu corpo – obviamente eu não consegui juntar as mãos -, e então fiz movimentos para que o seu abdômen fosse contraído (isso era possível?). Apertei-a com força umas três vezes, e então por fim algo foi lançado de sua boca para longe. Nojento.
Larguei-a. Ela tossiu mais um pouco, e então eu perguntei se estava tudo bem. Ela não conseguiu falar, apenas voltou a sentar-se. Gustavo estava perto da porta de entrada, olhando para o chão.
– É uma noz. – ele avisou-me.
Ok, aquilo era o fim. A minha boa ação do dia já havia sido feita. Dirigi-me até o meu irmão, na intenção de fugir.
– Brinque mais um pouco, vou escapar. Daqui a pouco volto para te buscar.
– Demore. – disse ele.
– Comporte-se.
– O que eu poderia fazer? Dar algo para ela comer e engasgar-se?
Comecei a rir, então abri a porta e enxerguei a liberdade. Do lado de fora, pude ouvir os diálogos vindos de dentro da casa. 'Onde sua irmã foi?', perguntou a mulher que finalmente conseguia falar. 'Para a faculdade de medicina', o meu irmão respondeu e correu.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Menino debaixo da minha cama
Teen FictionSophia é uma garota de dezesseis anos comum, diferentemente de seus problemas. Sua irmã está grávida do namorado motoqueiro, o bebê que a sua mãe teve durante o segundo casamento a faz acordar todas as noites, e o irmão caçula... Bem, ele é o caçula...