Capítulo 60

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Sam foi jantar naquela noite. E apareceu nos cinco dias que se sucederam. Era uma sexta-feira, e eu brincava com Nathan em meu colo. Tudo estava previsto para ser apenas mais um dia de paredes brancas, mas isso modificou-se quando o médico principal para o tratamento de Cecília entrou no quarto duzentos e treze. Levantei-me rapidamente do sofá, largando o bebê por ali mesmo. Encarei o doutor. Ele sorriu para nós.

– Boas notícias, minha jovem.

Nós não sorrimos para ele. Eu já sabia o que ele diria.

– Finalmente você pode ir para casa.

A minha irmã até deve ter sentido-se um pouco aliviada por isso, mas a questão era a que não tínhamos uma casa. Não exatamente.

– Não! – eu falei rápido. – Mas já? Cecília não está andando ainda, e...

Ele soltou uma risada típica de médicos.

– A sua irmã ainda precisará de um tempo e muito esforço para recuperar todos os movimentos. Tenha calma, menina.

– O senhor tem certeza de que temos de ir?

– Sabe, você é a primeira que me pede para ficar... – ele observou.

Mordi os lábios.

– Não queremos ficar, é que... Bom, a minha irmã não estará vigiada vinte e quatro horas por dia estando em casa.

– E é exatamente o que queremos!

– É? – duvidei.

– Ela precisa aprender a conviver mais tempo sozinha. Quanto mais, melhor. Assim ela terá chances de recuperar-se mais depressa.

O senhor de cabelos brancos anotou algumas palavras em um papel na prancheta aos pés da cama.

– Avisarei para a enfermeira vir acompanhar-lhes às 17h.

– Bom, então eu acho que estaremos prontos. – Cecília falou, fitando-me insegura.

Na hora marcada – nem um minuto a mais – três batidas vieram da porta. Estávamos prontos para deixar o hospital, mas não estávamos prontos para cair sem pára-quedas no mundo.

– O que vamos fazer? – perguntei.

Os meus irmãos olharam-me. Nenhum tinha uma resposta.

Mais batidas.

Olhei-os mais uma vez, e então abri a porta. A enfermeira de branco sorria para mim.

– Será que você pode ajudar a minha irmã a deixar a cama? – perguntei.

Tudo era um pretexto para gastar mais alguns minutos naquele local.

A cadeira de rodas foi ajeitada da maneira correta, e então Cecília foi transportada. Antes que deixássemos o quarto, uma segunda enfermeira apareceu com um balão de gás verde na mão. Ela curvou-se, sorrindo e entregando para o meu irmão. Ele só aceitou por simpatia mesmo.

Gustavo carregava a mochila e a bolsa do bebê. Eu carregava o bebê e a nossa mala. Cecília, empurrada pela enfermeira, carregava a esperança de encontrar Greg do lado de fora.

O que não aconteceu. A funcionária do hospital deixou-nos do lado de fora, e eu despedi-me agradecendo e avisando 'O nosso pai já vem nos buscar'.

– Aquele que está preso? – perguntou Gus, depois que a mulher saiu.

Suspirei. Aquele definitivamente era o fim.

Visualizei um banco solitário na frente do hospital envidraçado, e foi para lá que dirigimo-nos. O sol se punha no horizonte, mais alaranjado do que nunca.

– E quando ele for embora?

Olhei para o meu irmão.

– Quem? – eu não havia entendido.

– O sol. – explicou.

Dei de ombros.

– Acho que continuaremos aqui, esperando que outro nasça.

– Isso é patético. – disse Cecília. – Quanto dinheiro sobrou?

Verifiquei o bolso de minha calça. Pensei que havia ainda alguma cédula, mas eram apenas moedas mesmo.

– Cinquenta e cinco centavos.

– Já podemos alugar um quarto de hotel. – brincou o pequeno.

– Ou alugar um jato particular que nos leve até o Caribe. – foi a ideia da cadeirante.

– Melhor: Podemos comprar uma mãe nova.

Todos riram.

Eu estudei as figuras projetadas no chão. As sombras estavam claras: Três pessoas (eu, a loira e o baixinho – o bebê não aparecia, estava em meu colo), duas rodas (as da cadeira) e uma bexiga flutuante. 'Eu te perdoei, Deus. Jonas não deu o recado? Onde está você?', pensei comigo mesma.

Acho que repeti essa frase umas três vezes:

1ª – Quando fui até a livraria-cafeteria, onde comprei três balas (e ainda restaram-me dez centavos. Ok, talvez eu não desse mais para comprar uma nova mãe).

2ª – Quando estava morrendo de fome (eu sentia falta dos cafés gratuitos do hospital) por não ter nada para comer. As três balas haviam sido distribuídas entre os meus irmãos, inclusive o bebê. Tive de mentir que já havia comido a minha.

3ª – Quando o sol se pôs.

Estava realmente escuro. A sorte era que as luzes do hospital não nos faziam cegos. Eu rezei para que nenhuma enfermeira fosse até o lado de fora para perguntar se ninguém iria nos buscar. Rezar ou não rezar já estava dando na mesma, no final das contas. Fazendo ou não fazendo, eu continuava sem ajuda nenhuma. Fosse de Deus, fosse do Diabo (ele poderia nos levar com ele logo, acabaria com tudo), fosse de qualquer um.

A única pessoa familiar que passou por ali foi a recepcionista que me agüentou tanto tempo. Acho que ela riu levemente da minha cara. Sabe, por eu estar esperando há horas na frente de um hospital com os meus irmãos, sem ter para onde ir. Maldade.

– Para mim chega. – falou Cecília, movendo a sua cadeira. – Temos que ir para algum lugar.

– Idéias? – perguntei olhando para todos.

O bebê riu.

– Tem a casa de Marga. – disse Gustavo. – Sinto falta do Brad Pitt.

– Sem chances, Mia estará na nossa frente. – lembrei.

– Tem a casa de Ben. – disse Cecília.

– Sem chances, Mia estará no nosso lado. – lembrei outra vez.

E eram as únicas duas alternativas. Aquela foi a primeira e última vez em que desejei ter parentes espalhados pela cidade.

Pensei mais um pouco, concentrando-me em qualquer outra coisa. No último dos casos, eu poderia recorrer ao irmão de Virgínia. Poderíamos ficar em sua casa vazia até que ela voltasse, ou também...

– Tem a casa de Jonas. – eu era uma gênia.

– E quem é Jonas? – perguntou a minha irmã.

Eu estava pronta para explicar, quando um carro surgiu na rua. Com os faróis brancos cegando-nos, ele buzinava em toques rítmicos. O automóvel luxuoso e prateado parou em nossa frente, então a janela do caroneiro abaixou-se.

– Alguém está com fome? – perguntou Sam sorridente.

Agradeci não ao homem que eu custava tanto a acreditar, mas sim a Jonas, por ter dado o recado. 

O Menino debaixo da minha camaOnde histórias criam vida. Descubra agora