Capítulo 41

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O líquido vermelho como sangue – porém menos denso – espalhou-se sobre a mesa. Campari. A leoa olhou para o aprendiz de tigre com olhos raivosos, como se quisesse matá-lo rápida e ferozmente. Não quis estar presente para ouvir os sermões de Mia alertando para que Greg não bebesse por perto enquanto ela estivesse cozinhando.

Sentei no sofá da sala, observando a novela que passava na televisão. Pena de quem assistia aquilo. Era preciso passar até mesmo no dia de natal? Agarrei o controle, trocando de canais à procura de algo assistível. Nenhuma reprise de Dawson's Creek ou Twin Peaks. Nenhum episódio novo de Glee. Zapeei mais um pouco, parando em um show da Avril Lavigne. Não que eu fosse muito com a cara dela, porque eu só a curtia nos tempos do Let Go, mas foi o melhor que pude encontrar.

Brad Pitt latiu quando passou em frente à televisão. Acho que ele também reprovava o rosa excessivo que Avril havia aderido. A diferença desta vez é que o cachorro estava vestido, coisa que nunca tinha acontecido porque eu simplesmente odiava essa ideia.

– Mia, porque o cachorro está vestido de Papai Noel? – perguntei alto, tentando interromper sua briga com Greg na cozinha.

O coitado do animal estava se remexendo dentro das roupas vermelhas que haviam colocado nele. Sem falar da pequena touca na cabeça.

– Ele está bonitinho, não reclame. – ela falou e depois voltou a discutir com o quatro dedos.

Desisti da televisão. A desliguei e subi as escadas, percebendo pelas janelas que todas as casas piscavam na noite de natal escura. Passei pela frente do quarto de meus pais e enxerguei Cecília bancando a professora para Gus e Cinderela. O bebê estava junto, rindo e rabiscando algum papel.

Dirigi-me até o meu quarto, fechando a porta. Procurei por um caderno qualquer e uma caneta, afundando-me na cama depois. Comecei a escrever a carta que enviaria para Virgínia assim que desse. Havia muita coisa para falar e enviar (eu não iria mandar tudo que ela havia pedido, era impossível). Comecei contando sobre Ben e sua fuga depois do beijo. Falei um pouco sobre a música que eu havia cantado – eu não acreditava ainda – e sobre Jonas estar odiando-me um pouco.

A grande árvore do lado de fora se mexeu. Ao fundo dela, a casa de tijolos do meu vizinho, que também piscava. Não poderia ser Finta, pois eu deveria ligar para que ele voltasse. Coisa que eu não havia criado coragem ainda.

Larguei o caderno sobre a cama e aproximei-me da janela. Meus lábios formaram um sorriso.

– Achei que você precisasse de companhia para o Natal, Malka.

Jonas pulou para dentro do quarto.

Abracei o garoto por muito tempo. O nosso maior abraço.

– Você me perdoa? – perguntei com a voz baixa, ainda deitada em seu peito.

– Não foi culpa sua.

Olhei nos seus olhos, sorrindo para ele. Peguei em sua mão, puxando-o para sentar-se comigo na cama outra vez.

– A casa é aquela? – perguntou-me, apontando para a casa de Ben.

– Sim. – esperei um pouco. – Ele sumiu.

Jonas suspirou.

– É melhor assim.

– Não é melhor. Ele é meu amigo, já te disse. Quero que ele volte. Quero que as coisas voltem ao normal. Quero vocês dois sendo amigos.

Ele brincava com nossas mãos entrelaçadas.

– Você quer muitas coisas. – disse.

Parecia que Arie podia prever quando alguém nos atrapalharia. Ele soltou nossas mãos rapidamente, pulando da cama e indo para debaixo dela em um segundo. A porta se abriu.

– Hoje foi meu último dia. – Cecília falou enquanto fechava a porta atrás de si.

Olhei-a, confusa.

– Ahn... Oi?

Ela trancou a porta.

– No motel. – sussurrou.

– Não fale sobre essas coisas quando estivermos perto do bebê. – pedi, olhando para Nathan que ela havia trazido em seu colo.

– Ele tem dois anos. Ainda faltará muitos para ele saber o que significa motel.

Dei de ombros.

Ela largou o pequeno em cima de sua cama e juntou-se ao meu lado. Observando o meu tênis que se encontrava perdido no chão, ela o chutou para debaixo de minha cama. Pobre Jonas.

– Então você pediu demissão? – perguntei.

– Sim. Aquilo não servia para alguém tão especial quanto eu. Preciso encontrar algo que não me obrigue a ir trabalhar disfarçada para não me reconhecerem.

– Hm, você pode tentar ser babá novamente.

– Ou...

Ela levantou-se da cama com os olhos brilhando, como se tivesse acabado de ter uma ideia genial.

– Ou...? – indaguei.

– Eu posso ser professora. Você viu como levo jeito com as crianças? Elas me adoram!

– Você as enche de chocolate para que te adorem. Isso não é bom. – falei. – E, ah, professores ganham pouco.

A grávida respirou devagar três vezes.

– Como é difícil ser adulta. Não queira sair da adolescência, irmãzinha.

– Ah, não é tão difícil assim. Você é bonita, o que deixa tudo mais fácil. Não estou falando que o motel era uma boa opção, mas logo você encontrará algo que te sirva. Você poderia ter aproveitado o natal e trabalhado de Papai Noel. A barriga já está quase igual.

Comecei a rir. Foi maldade, eu sei.

– Ai meu Deus, já dá pra perceber? Estou gorda?

– Você tem que aceitar.

Cecília passou as mãos por sua barriga – na verdade não dava para perceber diferença alguma em toda aquela magreza.

– Vou avisar mamãe para não fazer sobremesa. Se alguém comer chocolate perto de mim pode se considerar morto.

Ela destrancou a porta, saindo do quarto.

– Ei, você esqueceu o bebê! – gritei.

– Cansamos de brincar de escola. É a sua vez de cuidar dele.

Na verdade era a minha vez de suspirar.

– Pode sair. – falei para o garoto.

Arie deixou o espaço debaixo da cama, segurando meu tênis. Fui até a cama de minha irmã para pegar o bebê no colo.

– Ele é o único que sabe de você. Só espero que ele não cresça e comece a falar que viu um homem dentro de nossa casa quando era bebê.

– Fica calma, ele não fará isso.

Peguei Nathan no colo. Quando virei-me para olhar Jonas, meu olhar focou-se em outra coisa. O espelho no armário.

– Vem aqui. – pedi para o garoto.

Ele ficou parado ao meu lado, olhando-se no espelho também.

– Você acha que formamos uma família bonita? – perguntei.

Analisamos a imagem no espelho. Um garoto fugitivo, uma garota sem chances de ter um filho naquele momento, e um bebê que não era nosso.

O fugitivo afirmou com a cabeça.

O Menino debaixo da minha camaOnde histórias criam vida. Descubra agora