Capítulo 81

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Abri a porta do quarto de meu irmão com exagero. Gustavo estava deitado na cama, jogando videogame. O seu olhar, vidrado na televisão, demorou um pouco para deixar o aparelho e voltar-se até mim. Eu, por minha vez, fiquei parada na entrada, encarando-o. Por fim, o garoto fitou-me, querendo saber o que havia acontecido. Balancei a minha cabeça, querendo chorar mais uma vez. Chorona. Não falei nada, e acho que tudo até ficou bem claro para ele.

Corri até a sua cama e o abracei descontroladamente. Apertei o corpo de meu irmão com força contra o meu. Eu o amava tanto, e sentia tanta pena por não ter ajudado e compreendido ele durante todo esse tempo. Eu queria estar mais próxima, queria dividir nosso dom.

– Você sabia que ele estava morto. Sabia que Jonas não vivia mais e que eu ia me machucar.

Não parei de abraçá-lo.

– Você vai ficar bem, Sophia. Eu prometo.

– Desculpa pela demora... Eu não... – não consegui concluir.

– Eu esperei por esse dia. – falou ele.


Dezesseis de abril foi o meu limite. O meu peito apertado não aguentava mais sofrer e esperar. Eu sei que vovó havia dito que demoraria algum tempo – provavelmente muito maior do que o que eu já havia esperado -, mas Jonas não havia aparecido para mim. Nem pessoalmente, muito menos em sonhos. Eu estava agoniada, desesperada e sufocante.

As aulas estavam de volta, e com elas nenhuma novidade. A mesmice havia voltado aos meus dias. Esse ano era diferente, claro. Sem Mia por perto. Sam estava cuidando muito bem de todos nós, e Cecília estava freqüentando cursos sobre dança. Três vezes por semana ela dava aula para crianças e já estava até sendo chamada de 'a melhor professora'. Gustavo ficou muito mais próximo de mim. Ele acompanhou-me quando reencontrei a bailarina e o menino do cemitério. Fui orientada em como ajuda-los, e até me saí melhor do que imaginava. Eu sentia-me bem por auxiliá-los a atravessar, e aquilo também já estava tornando-se comum. Ainda faltava Pontual – o mais relutante de todos -, mas eu ainda daria um jeito nele.

E era isso. Nada mais do que isso. Após a minha pacata vida ter sofrido um abalo sísmico, tudo havia se aquietado. Mudanças significativas tinham aparecido, e não estava sendo tão difícil conviver junto a elas. Mas de resto, era apenas isso. Ainda se ele tivesse permanecido... Eu não estaria reclamando de nada.

Os meus tênis sujaram-se de areia quando entrei mais uma vez naquele parque. Prometi a mim mesma que seria a última visita. Eu estava determinada, tinha planos gigantescos na cabeça.

Caminhei até os balanços com pintura velha que descascava, analisando-os. Aquilo tudo havia perdido a graça. O nosso cheiro havia evaporado. As lembranças eram as únicas sobreviventes. Deus, como eu precisava dele! Eu precisava tocar mais uma vez em suas bochechas macias, sentir os seus lábios frios, agarrar em suas mãos grandes...

Sentada no brinquedo, pus-me a balançar. Eu não enxergava nada, pois estava vivendo a vida de olhos fechados mais uma vez. Não havia ninguém ali para encorajar-me a abri-los. Eu tinha voltado à estaca zero. Por mais que quisesse seguir o seu aprendizado, tudo parecia impossível e inalcançável. Eu era fraca demais para respirar sem ele.

No momento em que até o balanço cansou-se de minha depressão, pude enfim permitir que a visão retornasse. Eu estava parada mais uma vez, sentindo o frio que aquele dia fazia. O sol estava escondendo-se de mim, pois nem ele queria presenciar tamanha tristeza. As árvores cochichavam sobre a menina solitária. As nuvens escuras riam da minha cara de perdedora.

O Menino debaixo da minha camaOnde histórias criam vida. Descubra agora