Capítulo 65

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Corri até o corpo ensanguentado. Abaixei-me, ficando do lado da mulher que costumava ser a minha mãe. Olhei para Greg, que dirigiu-se até a cozinha. Ele abriu a torneira e lavou as suas mãos. Depois, foi até o seu armário de bebidas e escolheu a mais forte. Mia tentou falar alguma coisa.

– Fique quieta. – mandei.

Eu não deveria fazer aquilo, mas era a minha obrigação como filha. Passei os dedos levemente em seu rosto, e ela reclamou de dor. Dirigi-me até a cozinha também, onde peguei alguns panos. Passei um pouco de água em todos. Agarrei um balde e voltei até a mulher. Limpei com cuidado o seu rosto machucado. O seu peito também tinha um pouco de sangue.

– Como você ficou sabendo? – perguntei, ainda olhando para os ferimentos.

– Passei no bar assim que cheguei à cidade. Os caras me contaram tudo que aconteceu, a vizinhança toda ficou sabendo... – ele falava com pressa, entre um gole e outro. – Desculpe, eu não pensei. Mas ela mereceu... Certo?

Passando o pano molhado ao redor dos olhos de Mia, fitei-a com cuidado. Não respondi o meu padrasto, apenas fiquei olhando para ela.

– Sophia, desculpa, eu... – dessa vez quem pediu perdão foi Ben, que apareceu na porta.

Falando um palavrão, o garoto aproximou-se de mim.

– O que aconteceu? – perguntou.

O pano molhado em minhas mãos já estava todo sujo, o que obrigou-me a pegar outro.

– Finalmente ela está pagando o preço por seus erros.

Não olhei para o garoto em minha frente, apenas torci o novo pedaço de tecido, retirando o excesso de água com auxílio do balde. Finta colocou a sua mão sobre a minha, que estava sobre o peito da mulher. Acho que a loira até reclamou um pouco, mas ela estava desconfigurada demais para eu ter certeza. Depois de um curto espaço de tempo, puxei a minha mão para longe dali, ignorando o garoto.

Pela primeira vez na vida, eu quis ser a minha mãe. Por que ninguém me espancava de uma vez e não acabava com tudo aquilo em segundos?


A mulher gorda demorou anos para atravessar a rua, mas enfim bateu na porta da casa roxa. Quando a abri, fui simplesmente ignorada e quase atropelada (teria sido de verdade se ela se movesse mais rápido).

– Amiga, o que fizeram com você? – perguntou Marga toda desesperada.

– Desista, ela não vai conseguir falar. – eu avisei.

A boca de Mia estava inchada demais. O gelo que ela segurava parecia ser inútil. A nossa vizinha sentou-se no sofá, ao lado da mulher rígida que já estava limpa e vestida.

Puxei uma das cadeiras da cozinha – não havia mais mesa naquela casa – e sentei ao lado de Greg, que continuava bebendo.

– Liguei para Sam, ele está vindo.

O quatro dedos largou a garrafa no chão.

– E quem é esse? – perguntou.

– O futuro namorado da minha irmã. – avisei. – O que mais você não sabe?

Ele pensou um pouco, passando a mão nos cabelos repletos de nós.

– Sei o que ela fez com aquele roqueiro desgraçado, sei que Cecília foi atropelada...

– E está em uma cadeira de rodas. – concluí.

As mãos do homem ao meu lado juntaram-se, e ele apertou com força os dedos.

– Então não tenho dúvidas de que essa daí mereceu uma surra.

Olhei para a figura que não conseguia se mover. Mia estava estática. Pela porta, a minha irmã surgiu, empurrada pelo homem rico. Ela olhou-me, sabendo que estávamos com mais um grande problema nas mãos.

– Como ela está? – quis saber.

– Viva. – falei.

– O que nós faremos? – ela sussurrou perto de mim.

Eu estava olhando para o nada, pensando no destino.

– Esperamos a nossa morte.

A mulher gorda segurou o gelo na boca de Mia.

– Amiga, você quer que eu chame a polícia? – ela perguntou.

A vizinha nos olhou como se fôssemos um bando de marginais. Eu tentaria avisar que a ex-general não conseguia falar, mas já tinha o feito, e o problema não era meu se ela conseguia ser burra demais para entender.

– Não... – uma voz surgiu.

Mia havia falado, para a minha surpresa. Foi o bastante para que eu levantasse da cadeira, nunca parando de encará-la. Segurei a respiração, temendo o que ela diria.

– Eles terão o que merecem na hora certa. – falou com sua voz cansada.


Larguei o bebê no sofá da mansão e Gustavo correu para jogar um pouco de Wii. Olhei para Nathan.

– Torça para que nada de mal nos aconteça, bebê.

Ele estava quieto, encarando-me.

– Onde está o seu dinossauro? – perguntei, mesmo sabendo que não ouviria uma resposta.

Em seu cesto, Nathan não teria como sair dali. Então deixei-o por um segundo, voltando para o lado de fora. Antes de descer as escadas da frente – que me levariam até o carro (onde provavelmente estava o brinquedo) -, enxerguei Cecília e Sam. O homem estava quase ajoelhado no chão, do lado da porta aberta do passageiro. A jovem loira, por sua vez, estava muito ocupada, beijando-o.

Como os meus lábios eram os únicos vagos aparentemente, aproveitei para sorrir.

Mais dois dias se passaram. Greg estava dormindo em um hotel, mas quando eu desci as escadas da casa de Sam, o encontrei na sala, onde conversava com minha irmã e o dono do lugar. 'Então estamos decididos', o quatro dedos falou. Cecília balançou a cabeça, sorrindo para o ricaço.

– Sophia, venha cá! – gritou meu padrasto.

Distribuí um leve sorriso ao deixar as escadas. A campainha do casarão tocou. Como era o dia de folga de Maiá, ofereci-me para atender antes de juntar-me aos adultos. Percorri o hall imenso do casarão e abri a porta. Dois policiais estavam parados, olhando para mim.

– Senhorita Cecília? – perguntou.

– Não, sou a Sophia. Mas...

– Ótimo. – ele interrompeu-me. – Na verdade é você quem estamos procurando.

Dei uma leve risada para os oficiais, não entendendo a situação. Por que diabos eles precisavam de mim?

– Isso é uma daquelas brincadeiras, certo? – eu estava rindo.

– Você e o seu irmão terão de nos acompanhar. – falou o segundo sujeito.

Eles moveram-se da minha frente, desobstruindo a minha visão. Agora, podendo enxergar a entrada da mansão, reparei na viatura de polícia com luzes ligadas que estava estacionada. Do lado de dentro, uma pessoa com óculos escuros observava a casa em que estávamos abrigados.

A mulher desfigurada encontrou o meu olhar.

O Menino debaixo da minha camaOnde histórias criam vida. Descubra agora