Capítulo 20

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Caí. E foi do pior jeito. Era como em um clássico trash de terror: A mocinha que corria pela floresta tropeçava em um galho, enquanto o assassino se aproximava para matá-la com uma faca pontuda. E, por mais que ela gritasse, as árvores abafariam o crime brutal. Acontece que eu não era a mocinha de nada e o Pontual não estava me seguindo. Para ter certeza absoluta disso, olhei duas vezes para trás, constatando que nenhum maluco colorido me perseguia.

Fitei o meu joelho que sangrava e usei as mãos para tentar estancar um pouco do líquido. Logo à minha frente, pude enxergar a madeireira, mas um pouco mais perto uma macieira chamou-me a atenção. Era a única árvore que não compunha a floresta, estava solitária brilhando ao sol. O seu tronco curvilíneo proporcionava o pouco de sombra que eu precisava para dar um jeito em meu machucado, e aí sim eu poderia enfim procurar por Greg.

Arrastei-me como uma lesma pelo sol quente, desejando para que a árvore viesse até mim. Mas ela não veio, folgada. Alcancei-a com dificuldade, mas por fim encontrei a sombra que me fez voltar a respirar. Sentei no chão, encostando-me na macieira. Nunca soube quando era a época exata em que cada fruta aparecia, mas aquela árvore estava cheia de maçãs mais vermelhas que o sangue que jorrava de meu joelho. Abri a minha mochila – eu não conseguia andar sem ela nunca. – e procurei por algo que servisse para o meu machucado. Ali dentro tinha de tudo: Lanterna, barras de cereal, papel e caneta, lápis de olho, e até um maçarico pequeno, pois nunca se sabe quando você será assaltada. Não que eu fosse colocar fogo em alguém, mas enfim. Peguei a garrafa de água, metade cheia e metade vazia. Tomei um gole e joguei o resto em cima do ferimento. Procurei por uma caixa de Band-Aids que eu sabia que estava por ali em algum lugar, mas acabei encontrando apenas uma versão infantil com desenhos do Mickey. Cecília estava na minha lista negra por pegar meus curativos 'normais'. Cobri o corte com vários deles, o que ficou ridículo.

Repousei a cabeça no tronco velho e maltratado. Era duro demais, mas fez com que meus olhos se fechassem por alguns segundos. Apenas desfrutei da leve brisa que encontrava minha face enquanto a dor de meu machucado não passava. Apesar da posição desconfortável, eu poderia passar o dia todo me refugiando naquela sombra.

Peguei no sono. Eu sei, eu sei, havia virado rotina eu dormir nas horas que não deveria, mas eu não tinha culpa por ser uma pessoa noturna. Naveguei longe demais, minha mente levou-me até um lugar desconhecido. Eu estava parada no meio do nada, sem poder mover-me direito. Com os braços atados, olhei ao meu redor para verificar se encontrava alguma figura conhecida. Era tudo tão novo e diferente. Na verdade eu parecia estar dentro de uma caixa de leite ou coisa parecida, pois tudo era do mais puro branco. Não havia horizonte ou teto, chão definido ou algum objeto perdido. Era apenas um fundo infinito que em poucos minutos acabaria me deixando neurótica. Branco demais não combinava com pessoas noturnas.

Tentei livrar-me do que prendia meus movimentos, mas foi impossível. Como se alguém estivesse escutando meus pensamentos, tudo transformou-se em preto. Foi como se desligassem todas as luzes. Não tive medo por causa do escuro, mas sim porque estava em algum lugar desconhecido. Pude escutar algumas risadas – que pareciam-se com as de Pontual, mas um pouco mais agudas – vindo de todos os lados. A minha vontade era de tapar os ouvidos, mas era como viver sem braços.

Para completar a trilha sonora do lugar, rugidos de um animal (poderia ser uma onça ou um leão, não soube diferenciar) atormentavam-me mais ainda. Por algum motivo desesperador eu comecei a correr. O meu joelho estava novo, sem ferimento algum. Meus olhos apenas fitavam o negro absoluto. Não enxergava nada, não tinha um caminho definido, mas eu corri mais rápido do que pude. Apenas parei ao bater a cabeça em algo leve que parecia ser uma corda. Estava pendurado no teto – se é que havia algum – e devia ser feito de metal, pois aquilo ficou tilintando.

O Menino debaixo da minha camaOnde histórias criam vida. Descubra agora