Com a carta ainda em mãos, virei lentamente. A figura de minha vó estava ali, sorrindo para mim. Ela continuava exatamente como da última vez que eu a vira. Os seus cabelos curtos, encaracolados e esbranquiçados. Olhos de mel que sorriam encantadoramente.
– Vovó... – sussurrei.
– Ainda ficaram dúvidas, certo?
Uma lágrima deixou o meu olho esquerdo. Eu sentia falta de sua voz.
– Várias. – falei.
– Vamos começar pelo início. Você acredita?
Pensei um pouco.
– Está na minha frente. Seria ridículo não acreditar.
Ela balançou a cabeça suavemente.
– Já é um bom começo.
– Por quê? – quis saber. – Eu não sou espírita. Não tenho religião. Para mim, as pessoas morrem e fim.
– Não é questão de religião. Eu também não era espírita. Custava a acreditar em tudo, assim como você. – falou. – Como disse na carta, você recebeu um dom, e precisa tirar o que há de melhor dele. Você não é a única. Há vários de nós. Alguns tão perto...
Observei o chão. Fixei o pensamento em sua última frase. Não foi necessário filosofar tanto.
– Gustavo. – eu disse.
Voltei a olhar em seus olhos.
– Sinto tanto por não tê-lo conhecido. É um neto espetacular. Tão inteligente, tão...
– Adulto. – completei.
Ela sorriu, radiando o quarto de sua filha.
– Um espírito evoluído, Sophia. O seu irmão morreu sendo um jovem adulto em uma vida passada, por isso nesta ele reencarnou tão sábio. Sei que você já reparou que ele é adulto demais para apenas nove anos.
– É por isso que ele teve o dobro da facilidade para entender tudo? Ele já convive com isso perfeitamente.
– Observei o nascimento lá de cima. Soube logo que ele era um dos nossos. Mais um na família. – ela respirou fundo. – Havia você para ensiná-lo e acompanhá-lo nesta jornada espiritual.
– Mas eu fui burra demais para entender tudo.
– Há pessoas com mais facilidade, Sophia. Você entendeu no seu tempo.
– Do pior jeito. Tarde demais. – afirmei. – Talvez se eu tivesse acreditado em tudo mais cedo, Jonas ainda estaria aqui.
– Quem está do outro lado pode acompanhar o que acontece por aqui. Você sempre teve dúvidas em relação à vida, à Deus, à tudo que rodeava você. Desse jeito nada apareceria. Tem pessoas com este dom que nunca vêem o que precisam ver, ou apenas não acreditam. Ignoram. Passam a vida sem cumprir o que lhes foi pedido.
– Como tudo mudou de uma hora para outra? Por que eu passei a enxergar tudo?
– Nada, mas nada mesmo, acontece por acaso. Tudo está escrito, para todas as pessoas. Podemos ver o que acontecerá antes mesmo da pessoa nascer. É como uma linha do tempo. E quando tudo estava prestes a acontecer...
– Gustavo falou-me que você avisou. Do bebê. – interrompi-a.
– Foi o meu jeito de avisá-lo. Se você não tivesse descoberto o seu dom até que esse bebê surgisse, eu daria um jeito de te fazer ver. – confessou. – O único jeito que podemos nos comunicar com esse mundo é a partir dos sonhos.
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O Menino debaixo da minha cama
Teen FictionSophia é uma garota de dezesseis anos comum, diferentemente de seus problemas. Sua irmã está grávida do namorado motoqueiro, o bebê que a sua mãe teve durante o segundo casamento a faz acordar todas as noites, e o irmão caçula... Bem, ele é o caçula...