Capítulo 9

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            Ao olhar para o céu, percebi que o pouco de sol que havia naquela manhã tinha se escondido. As nuvens pintadas de negro estavam pesadas, parecendo quererem cair sobre minha cabeça. O barulho grandioso do trovão deve ter sido o despertador para a maioria dos habitantes daquela vizinhança. Quando senti o primeiro pingo tocar meu nariz, acelerei meus passos e corri de volta para casa. Foi meio inútil, pois a chuva chegou cedo demais. Eu corria o máximo que meus pés agüentavam, enquanto a chuva me deixava ensopada. O meu cabelo tornou-se pesado devido à água, assim como minhas roupas. Para completar, ao chegar à esquina de minha rua, pisei com toda a força possível em uma enorme poça de água, o que contribuiu mais ainda para a enchente que ocorria dentro de meus tênis.

Abri a porta de casa correndo, e pela primeira vez na vida agradeci por estar ali. Com as costas contra a porta, minha respiração era ofegante, e o ar parecia ter sumido. Dei dois passos e, como se fosse uma espécie de gran finale da humilhação, tropecei em um balde cheio de água.

– Mas que porra é essa? – perguntei para mim mesma, já caída no chão.

O balde tinha virado, o que deixou meu corpo ainda mais molhado.

– A chuva não lavou sua boca suja? – uma voz inesperada surgiu da sala.

Aquele era o dia das surpresas. Atrás de mim, Mia me encarava como se eu tivesse matado alguém.

– O que esse balde está fazendo aqui? – perguntei.

– Goteira. Você já deveria ter se acostumado. – ela falou.

Não tive tempo para pensar que era cedo demais para minha mãe estar acordada. Ela cuidava do bebê até a meia noite, quando costumava dormir. Depois disso, até o meio dia, a obrigação ficava por conta do Greg. Ele trabalhava na parte da tarde e chegava no fim da noite em casa. Já minha mãe, trabalhava de manhã. Isso tirava um pouco de sua culpa.

– Que gritaria é essa? – quis saber, indignada.

– Como você reclama, Sophia. Parece uma velha cansada da vida. Eu não te criei assim, hein. – ela olhou em meus olhos. – As crianças estão brincando, Marga está fazendo uma visita.

Fiquei com mais raiva ainda. Eu não era uma velha! Talvez estivesse mesmo cansada da vida, mas uma velha eu não era. E reclamar era minha melhor qualidade. Fazia com maestria.

Inclinei o pescoço para trás e fiz cara de quem não merecia tudo aquilo.

– Mia, mande-a embora! – implorei. – Eu estou molhada, preciso de um banho, e não agüento mais ninguém gritando. Estou sendo sincera, e você já disse o quanto aprova isso.

– Eu não posso mandá-la embora! – ela falou. – Você já viu a chuva que está caindo lá fora?

– Er, olhe pra mim e você saberá se eu estou sabendo da chuva ou não. – respondi enquanto pensava que um pouco da burrice de Cecília poderia ter afetado a cabeça de minha mãe.

Mia pegou uma bandeja com cinco taças e um pote de sorvete. Percebi que aquele dia seria mais um dos insuportáveis, pois ela só nos deixava comer besteiras quando tínhamos visita. Acho que ela queria parecer uma boa mãe, sempre agradando os filhos. O que não acontecia. Mesmo.

Levantei-me do chão e recoloquei o balde na posição certa. A essa hora o tapete já estava um pouco molhado. Puxei um banco da cozinha para sentar-me.

O Menino debaixo da minha camaOnde histórias criam vida. Descubra agora